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Para iniciarmos a discussão, refletimos sobre o conceito de história enquanto ciência apresentados por Bloch e Febvre. O conhecimento científico carrega a ideia de ser mais seguro e confiável que outras formas de conhecimento, portanto a caracterização científica da história também tem este intuito. Certamente esses historiadores consideravam a história uma disciplina científica e repetidas vezes buscam reforçar este pensamento. Seus escritos pretendiam, neste sentido, ampliar e fortalecer o caráter científico da história. Entendiam que a história produzida até então não tinha sido suficientemente científica. Febvre ao tratar do assunto contraria o pensamento de Berr, que afirmava que a história é demasiado científica para ampliar o contato com a vida. Para Febvre, por sua vez, a história por não ser suficientemente científica não conseguia ampliar sua aproximação com a vida (FEBVRE, 1989, p. 21). Bloch também entende

que a história estava no caminho da cientificidade e que ainda não era uma ciência acabada. Ele a vê como uma ciência em marcha, como uma ciência na infância (BLOCH, 2001, p. 47). Para ambos os autores, a história ainda estava sob ameaça da sedução exercida pela ficção e pela facilidade explicativa de fatos superficiais, portanto a vigilância para a produção de uma história científica deveria ser constante. Febvre pensava que com o esforço de alguns historiadores a história se tornaria um conhecimento cada vez mais científico: “Virá um dia em que se falará de ‘laboratórios de história’ como de realidades – e sem provocar sorrisos irônicos” (FEBVRE, 1989, p. 248). Para que a história se torne verdadeiramente uma ciência o historiador deveria estar ciente dos limites de sua tarefa, dos problemas e “na medida em que seu trabalho permitir, deveria estar preocupado com o papel dos fatores explicativos, ou pelo menos, de algum fator definido” (FEBVRE, 2013, p. 488).

Bloch e Febvre estão de acordo que este conhecimento não deve emitir julgamentos: “Julgar, não. Prever, menos ainda. Compreender e fazer realmente compreender” (FEBVRE, 1989, p. 92), essa é a tarefa da história. De acordo com Bloch: “[...] por muito tempo o historiador passou por uma espécie de juiz dos infernos, encarregado de distribuir o elogio ou o vitupério aos heróis mortos” (BLOCH, 2001, p. 125). Mas a palavra que “ilumina nossos estudos” é “compreender”. Interessante que Bloch e Febvre reiteram que a função da história é, sobretudo, compreender. Isto porque a ideia de compreensão como função e método da história surge no século XIX, século que foi visto como ultrapassado do ponto de vista historiográfico, por Bloch e Febvre. Foi com Wilhelm Dilthey (1833-1911) e com sua obra Introdução às ciências do espírito (1883) que este conceito foi reivindicado, pela primeira vez, como o método das ciências humanas diferenciando-as das ciências naturais cujo método é explicativo.

Os historiadores afirmam que a história não trabalha com a exatidão mas com probabilidades e aproximações: “A exatidão nunca é atingida. Da mesma forma somente atingimos uma probabilidade, não atingimos nunca uma ordem de grandeza” (BLOCH, 2013, p. 456). Conclusões cabalistas são um grande problema: “Não podemos senão concluir: os testemunhos teológicos ou de controversistas, por nossos antecessores ou por nós recolhidos, não permitem que ninguém diga, com certeza, sim – ou não” (FEBVRE, 2009, p.141). Com esta perspectiva Febvre escreve sua obra prima, O problema da incredulidade no século XVI: a religião de Rabelais. Neste livro sua preocupação não é de postular uma tese, mas lançar luz sobre o problema da incredulidade no século XVI. Para responder a este problema ele avaliou o lugar que a religião cristã ocupava na vida dos homens daquele século. Não afirmou se Rabelais era ou não, um incrédulo, mas argumentou que se ele fosse estaria contrariando o

“espírito da sua época”, estaria destoando do coletivo. Em resumo os historiadores não devem “aprisionar suas conclusões”, a expressão “é verdade que” leva o historiador a um impasse. Melhor seria utilizar a expressão “é possível que”, esta levaria ao fim último da história que é compreender (FEBVRE, 2009, p. 44).

Febvre expõe que existem maneiras de fazer história, e que as críticas que normalmente faz se destinam “aquela ‘maneira de conceber a história que não é nossa’. Da maneira que é nossa, Marc Bloch dá-nos uma exposição, infelizmente interrompida” (FEBVRE, 1989, p. 245). Febvre escreve de uma forma que parece dividir os historiadores, entre aqueles que estavam e aqueles que não estavam com ele. Estes últimos são considerados uma espécie de inimigos da “boa história.” Em alguns momentos, tratando da história “deles” e da “nossa”, Febvre se contradiz. Talvez seja o fato de que os artigos reunidos no livro Combates pela história tenham sido escritos em períodos diferentes. Entre as contradições está a ideia de escola: ele comenta não possuir nenhuma “escola” nem seguidores, que não quer aprisionar nenhum espírito; pelo contrário, quer libertá-los (1989, p. 27). Mais adiante, explica que seus ataques não são contra homens, mas sim que se trata de um conflito, de uma oposição nítida entre duas escolas (1989, p. 103). Ainda, em outros momentos, faz referência “àqueles que me seguem”.

Ainda quanto à ciência histórica, os historiadores entendem que a pesquisa deve sempre iniciar com um problema: “Se não há problemas, não há história. Apenas narrações, compilações” (FEBVRE, 1989, p. 31). Febvre anuncia que o conhecimento histórico é cientificamente conduzido, o que implica na realização de, no mínimo, duas operações, “as mesmas que se encontram na base de qualquer trabalho científico moderno: pôr problemas e formular hipóteses” (FEBVRE, 1989, p. 32).

Outra importante característica da história é que ela é social por definição. Tanto Bloch quanto Febvre a veem desta maneira. Além disso, deve ser compreendida como um conhecimento inseparável do social, ela sofre seus contrangimentos e contigências, e tudo isso afeta no seu desenvolvimento (FEBVRE, 1989, p. 62).

Ao fim desta pequena explanação, apresentamos as definições de história propostas por Febvre e Bloch e que se tornaram clássicas. Entendido o conceito de história, partimos para a definição de verdade no limite do conhecimento histórico.

A história que considero é o estudo, cientificamente conduzido, das diversas atividades e das diversas criações dos homens de outrora, tomados na sua data, no quadro das sociedades variadas e contudo comparáveis umas com as outras (é o postulado da sociologia), com as quais encheram a superfície da terra e a sucessão das épocas. (FEBVRE, 1989 p.30)

Ciência dos homens no tempo. (BLOCH, 2001 p.55)