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História da comunidade São Pedro de Cima: reconstrução da origem comum

No documento timothyongaroorsi (páginas 99-103)

Mapa 6 – Localização da comunidade São Pedro de Cima no município de Divino

3 SÃO PEDRO DE CIMA: UM TERRITÓRIO EM CONSTRUÇÃO

3.4 A COMUNIDADE CAMPESINA REMANESCENTE DE QUILOMBO DA

3.4.1 História da comunidade São Pedro de Cima: reconstrução da origem comum

A comunidade São Pedro de Cima está localizada na porção setentrional do município de Divino (Mapa 6). O território da comunidade faz limite com os municípios de Luisburgo ao leste, São João do Manhuaçu ao norte e Orizânia a oeste.

Mapa 6 – Localização da comunidade São Pedro de Cima no município de Divino

Fonte: Eiterer e outros (2014)

A história da origem da comunidade que trazemos aqui é baseada nos relatos perpassados pelos mais velhos aos mais novos através da oralidade e reproduzidos pelos próprios moradores no contato entre os pesquisadores da UFJF e os moradores da comunidade. Estes pesquisadores produziram relatos etnográficos e árvores genealógicas das famílias, podendo-se com isso compreender e elucidar melhor as estruturas de parentesco e as dinâmicas territoriais. Porém, por se tratar de uma história oral, ressalva-se aqui que os marcos históricos não têm datas temporais muito precisas (CARNEIRO; DANTAS, 2011).

Segundo relatos dos moradores, a comunidade originou-se a partir da chegada de um núcleo familiar negro em meados do século XIX, evidenciando a característica identitária de comunidades quilombolas, ou seja, um mito de origem comum (ITABORAHY et al., 2014): os irmãos Pedro, Raimundo e Joaquim Malaquias. Nos relatos é destacado o nome de Pedro Malaquias, considerado fundador da comunidade. Conta-se nos relatos que Pedro negociou, em circunstâncias ainda não muito claras, a ocupação da terra com o dono anterior, o fazendeiro José Lourenço. Pedro escolheu o local devido à grande quantidade de Pau-Cruz, espécie de samambaia que parece uma cruz. Junto a ele vieram os dois irmãos Raimundo e Joaquim e suas respectivas esposas. Os filhos que nasceram destes casamentos constituíram a

primeira geração de jovens da comunidade. A segunda família a chegar, embora não se sabe muito bem quando, foi a família dos Pereiras. A partir do estabelecimento destas duas famílias no local é que começa a comunidade São Pedro de Cima (DANTAS, 2011).

Em alguns relatos ainda ouvimos a afirmação de que as terras foram negociadas, não se sabe muito bem com quem, por um ex-escravo chamado Tomás Malaquias, o Malaquias Velho, que seria o pai de Pedro, Raimundo e Joaquim Malaquias.

Segundo nos relatou o agricultor Paulão e sua esposa Ivanete, a terra foi dividida entre duas famílias, a do Pedro Malaquias e a do Manoel Lourenço.

O Lourenço ficou lá embaixo porque era evangélico e o outro veio pra cá porque falou que tinha muito pau-de-cruz. Hoje acabou muito, mas antigamente o que mais tinha era samambaia. Samambaia é o pau-de-cruz. Os Lourenço ficaram no dito Santa Cruz. Antigamente era tudo de um dono só, mas foi dividindo. Chegaram umas famílias como os Horácio e foram misturando com os Malaquias. Acaba que é tudo família. Foi passando a herança de um pra outro e foi rendendo a família. Igual fez entre Divino e Orizânia. Orizânia pertencia a Divino, mas como a população foi crescendo virou uma outra cidade. Mas comunidade quilombola é só a de Cima. Em São Pedro de Baixo não tem ninguém negro.

Outra versão é que a origem da comunidade se deve a escravos fugitivos que se estabeleceram no local para se esconderem, aproveitando a localização afastada de fazendas e vilarejos e a dificuldade de acesso propiciada pelo relevo movimentado, situação que forneceu proteção e abrigo aos negros que deram origem às ramificações familiares dos Malaquias e Pereiras (BERNARDINO; CARNEIRO, 2013).

Em um artigo publicado pelos primeiros pesquisadores da UFJF na comunidade, encontramos referência a Pedro Malaquias como um ex-escravo que ocupou uma localidade atualmente conhecida como São Pedro de Baixo, que fica à jusante da atual São Pedro de Cima. Segundo os dados do artigo, uma articulação entre fazendeiros interessados na terra ocupada obrigou os primeiros moradores a se deslocarem para as cabeceiras do córrego São Pedro, ficando conhecida na região como comunidade São Pedro dos Crioulos devido à quantidade de famílias negras com tradições, costumes e religiosidades (LEOPOLDO; MORAIS, 2009). A diferença entre São Pedro dos Crioulos e São Pedro de Baixo acabou se configurando em uma diferença étnica, sendo a primeira constituída, na época, de famílias negras e a segunda de famílias não negras (DANTAS, 2011).

Apesar das diferentes informações, é consenso que os Malaquias e os Pereiras foram os primeiros moradores da localidade e que a toponímia local se deve ao nome do seu

fundador e por ele ser devoto do apóstolo e santo católico Pedro (DANTAS, 2011). Itaborahy (2014) nos lembra de que esta referência prenuncia a força de um “catolicismo popular (BRANDÃO, 1981) dos moradores originais da comunidade.

Nessa época não existiam estradas, por isso o deslocamento era feito a pé por trilhas. Também não existiam médicos, ficando a saúde e o tratamento de doenças por conta de raizeiros e benzedeiras que receitavam uma miríade de remédios à base de plantas locais. Seus moradores sobreviveram através da “agricultura de subsistência, caça, pesca e coleta de gêneros alimentícios, de ervas e de raízes medicinais, de lenha e de materiais de construção de residências” (CARNEIRO, [2008?], p. 8)4.

Inicialmente, os moradores praticavam uma pequena agricultura de subsistência e criação de pequenos animais dentro das terras da comunidade, porém, dependiam mais do trabalho nas lavouras de café das fazendas vizinhas em situações muito próximas à escravidão, com longas jornadas de trabalho, de sol a sol. Segundo relatos do Seu Antônio, senhor de 98 anos, seu pai saía de casa às 4h da manhã e voltava 9h da noite, trabalhava a semana toda e recebia no sábado. Não recebia dinheiro ou recebia pequenas quantidades, sendo a distribuição dos itens calculada com base no tamanho da família do trabalhador. Até o remédio era pego na farmácia e anotado na conta do fazendeiro que pagava posteriormente. Alguns deles chegaram a morar e constituir famílias nas fazendas antes de se mudarem para a comunidade, outros trabalhadores percorriam diariamente longas distâncias entre suas moradas e as fazendas (ITABORAHY, 2014). Era a época do auge do poder dos coronéis, que como nos lembra Itaborahy (2014), exploravam a mão de obra através de uma “estrutura de poder perversa, herdada do modelo colonial, escravista, elitista” (p. 89). Como necessitavam de ter a mão de obra por perto, os fazendeiros doavam terras para os camponeses e faziam falsas promessas de doações para quem trabalhasse com eles. Por outro lado, no processo de expansão de terras agricultáveis para o café, estes fazendeiros ocupavam as terras da comunidade por meio de ações violentas e grilagem (CARNEIRO; DANTAS, 2011).

Apesar das dificuldades da época, foi um período de intensa convivência entre os moradores da comunidade, que se manteve através das relações de solidariedade e reciprocidade, dos mutirões, dos troca-dias e trocas de itens de sobrevivência, das festas e dos ritos religiosos, relações estas que possibilitaram a “reprodução de um modo de vida social e cultural orientada pelos próprios moradores” (CARNEIRO; ITABORAHY, 2015b, p. 287).

Segundo os moradores locais, os primórdios da comunidade foram tempos difíceis, porém, o povo era mais unido e alegre. Segundo o relato do agricultor Paulão, “os antigos resistiam na alegria e na cantoria, inclusive durante o trabalho na roça” (ITABORAHY, 2014). Se amparavam também na religiosidade típica do catolicismo popular, por exemplo, na execução de ritos como a folia de reis, folia de São Sebastião, charola, encomendação das almas, vendação das almas (CARNEIRO, L. O., [2008?]) e nas festas, que eram relacionadas ao calendário religioso, como as festas da fogueira de São João, Santo Antônio e São Pedro (ITABORAHY, 2014).

3.4.2 A chegada das primeiras famílias não negras e a formação dos núcleos e das

No documento timothyongaroorsi (páginas 99-103)