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História Concisa da Literatura Brasileira, de Alfredo Bosi: mais uma vez, os moços e as moças

Na História Concisa da Literatura Brasileira (1970), Alfredo Bosi, pautado nas ciências que ganhavam cada vez mais espaço no século XX, como a sociologia e a psicologia, propôs métodos que seriam adequados para as perspectivas de abordagem que apontou para o estudo da ficção, ou seja, a perspectiva dos produtores e a dos consumidores. Segundo Bosi, “para o estudo do público parece indispensável começar por uma análise de classes e grupos”444. Dessa forma, evidenciou o fator social na sua análise:

Pode parecer estranho, se não perigoso resíduo idealista, separar os métodos que abordam os consumidores da obra dos que visam a entender os seus produtores. No entanto, os fenômenos situam-se quase sempre em tempos

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diversos, e a inteligência deve respeitar a diversidade: os leitores da mensagem ficcional seguem as grandes linhas-de-força das motivações que plasmam o seu cotidiano. Assim, a sede de reconhecer a sua própria vida sob o prestígio da letra de forma estimula um público que não será (ao mesmo tempo) o que busca no livro cenas e heróis longínquos e sobre-humanos para alimento de evasão. É possível marcar os ideais e as frustrações das várias classes de leitores conforme os níveis de aspiração dos grupos a que pertencem: a passividade do consumidor é bom guia para descobrir as razões de sua preferência por este ou aquele romancista445.

O que se percebe é que, assim como proposto por Amora, Bosi também indicou a relevância dos estudos sobre o leitor e o público para a melhor compreensão do fenômeno literário. O aspecto social seria perceptível na atitude do leitor de buscar se identificar com suas leituras, atribuir sentido para o seu condicionamento social e fugir de sua condição. O sucesso e o fracasso de uma obra em determinado tempo ofereceriam indícios dos anseios dos leitores. Após ponderar sobre métodos de investigação do público, Bosi expôs a sua apreciação sobre o leitor do período do Romantismo:

O romance romântico brasileiro dirigia-se a um público mais restrito do que o atual: eram moços e moças provindos das classes altas, e, excepcionalmente médias; eram os profissionais liberais da corte ou dispersos pelas províncias: eram, enfim, um tipo de leitor à procura de entretenimento, que não percebia muito bem a diferença de grau entre um Macedo e um Alencar urbano. Para esses devoradores de folhetins franceses, divulgados em massa a partir de 1830/1840, uma trama rica de acidentes bastava como pedra de toque do bom romance. À medida que os nossos narradores iam aclimando à paisagem e ao meio nacional os esquemas de surpresa e de fim feliz dos modelos europeus, o mesmo trabalho acrescia ao prazer da urdidura o do reconhecimento ou da auto-idealização446 (grifo do autor).

445 Id. Ibid., p. 127. 446 Id. Ibid., p. 128.

198 Mesmo propondo um método de investigação sobre o leitor e evidenciando a sua importância, Bosi não ofereceu qualquer inovação em relação às imagens apresentadas pelas histórias literárias até então: moços e moças, de classe alta ou média, que liam por diversão e revelavam caráter medíocre, por não saberem reconhecer valores e fazer distinções. Bosi entendia que Alencar e Macedo respondiam, cada um a seu modo, às expectativas do leitor, que giravam em torno do reconhecimento nos enredos da própria realidade e da identificação com heróis e heroínas ideais, além da fusão dessa realidade com o exótico, o misterioso e o heróico, já que a sociedade do período, na sua concepção, estável e de ritmo vegetativo, só teria um projeto histórico e possibilidades de evasão proporcionados pela ficção. O nível de adequação com essas expectativas, para mais ou menos, determinou o valor que Bosi atribuiu às obras:

Até aqui aludiu-se à correspondência entre as expectativas dos leitores e as respostas que lhes deram os ficcionistas: fato que explica quase sempre a polaridade realismo-idealismo que acompanha o romance da época. Mas, se reordenarmos em linha vertical o mesmo conjunto, veremos que não é tanto a distribuição de temas quanto o nervo do seu tratamento literário que deve oferecer o critério preferencial para ajuizar das obras. Teremos, no plano mais baixo, os romances que nada acrescentam aos desejos do leitor médio, antes excitam-nos para que se reiterem ad infinitum: é a produção de Macedo, de Bernardo, Távora e alencariana menor (A Viuvinha, Diva, A Pata

da Gazela, Encarnação). Já Inocência de Taunay e alguns romances de

segunda plana de Alencar (O Sertanejo, O Gaúcho, O Guarani) redimem-se das concessões à peripécia e ao inverossímil pelo fôlego descritivo e pelo êxito na construção de personagens-símbolo: Inocência, Arnaldo, Canho, Peri fazem aflorar arquétipos de pureza e de coragem que justificam a sua resistência às mudanças de gosto literário. Enfim, o nível das intenções bem logradas cabe, como é de esperar, aos happy few: as Memórias de um

Sargento de Milícias, prodígio de humor e pícaro em meio a tanto disfarce

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entre si do ponto de vista ambiental, mas próximas pela consecução do tom justo e pela economia de meios de que se valeu o romancista447.

Teriam valor menos significativo as obras que não inovavam o tratamento literário para ir ao encontro das expectativas do leitor, chamado de “leitor médio” pelo seu caráter rudimentar. O que seria característico dessas obras e representaria um tipo de leitura desprestigiada seriam, talvez, a complicação sentimental, o pequeno realismo e o final feliz. Avançariam nessa concepção de leitura “os romances de segunda plana de Alencar”, O Sertanejo, O Gaúcho, O Guarani; ao empregar a palavra “redimir-se”, Bosi reforçou o desprestígio das leituras romanescas e destacou Alencar desse âmbito ao dizer que suas obras alcançavam maior valor por não se coadunarem estritamente ao gosto do leitor adepto das peripécias e do inverossímil, dois indícios do que caracterizaria o “plano mais baixo” das obras do período. Por último, viriam as obras opostas ao “felizes para sempre”, nas quais a expectativa do leitor com os finais felizes era frustrada com enredos que não ofereciam a plenitude da realização dos personagens, por consequência, nem dos leitores que desejavam se identificar com eles.

Para Bosi, o lugar central do romantismo era ocupado por Alencar, “pela natureza e extensão da obra que produziu”448. A obra de Alencar foi dividida pelo historiador de acordo com sua disposição ou não para agradar o leitor de apelo romanesco. Quanto menos esse leitor era atendido, maior era a qualidade da obra. Em geral, o que Bosi revelou sobre a representação do leitor do romance romântico foram as imagens moços e moças, de classe

447 Id. Ibid., p. 129. 448 Id. Ibid., p. 134.

200 social de prestígio, de interesses médios devido à sua formação rudimentar e à dinâmica social do período, estável e vegetativo e em busca de lazer entretenimento. Esse perfil desvalorizaria as obras de Alencar que atendiam inteiramente aos seus interesses.

3.8. História da Literatura Brasileira: das origens ao Romantismo, de Massaud Moisés: o