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História da compreensão e previsão de epidemias

No documento EPIDEMIOLOGIA DAS DOENÇAS INFECCIOSAS (páginas 31-37)

A tentativa de compreender as causas das epidemias e a previsão das mesmas tem uma história muito longa, que remonta, pelo menos, à antiguidade clássica. Hipócrates (459-377 AD) no seu ensaio Ares, Águas e Locais escreveu que o temperamento, os hábitos pessoais e o ambiente eram factores a ter em conta no aparecimento de epidemias, uma observação ainda muito actual hoje em dia. Howe, em 1865, escreveu um livro sobre doenças epidémicas em que enumerava em 31 pontos as «Leis da Pestilência». Entre estes, o número dois é típico, pois pretende correlacionar

«O intervalo entre visitas periódicas da doença» (os surtos epidémicos) com as revoluções da Lua em torno da Terra.

Os modelos explicativos, encontrados ao longo do tempo para as epidemias, foram variados e ricos de imaginação.

Desde os menos inspirados, que se limitaram a atribuir a responsabilidade das epidemias a deuses descontentes, até aos sistemas de equações matemáticas, mais ou menos complicados, que se utilizam actualmente, passando pelas explicações pretensiosamente científicas, como é o caso da de Howe, houve um caminho longo e tortuoso a percorrer.

Tortuoso porque a justeza das explicações encontradas não evoluiu linearmente com o tempo. Compare-se, por exem-plo, a sensatez da observação de Hipócrates com algumas das explicações do princípio da década de 80 (do século passado), que atribuíam a sida a um castigo divino.

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1798 Varíola

2006 Vírus do papiloma huma-no (VPH)

Tabela 1 | Algumas das principais vacinas e respectiva data de desenvolvi-mento

A teoria epidemiológica moderna tem as suas raízes nos princípios do século xx, pouco tempo depois de Pasteur, Joseph Lister e Koch terem libertado as ciências biomé-dicas das explicações baseadas em «miasmas» e «humo-res» invisíveis, esclarecendo os mecanismos de contágio elementares através dos quais os agentes infecciosos se podem espalhar na população. Este conhecimento, aliado

à análise estatística dos dados epidemiológicos, consti-tuiu os alicerces do futuro desenvolvimento da teoria ao longo de todo o século. Roy Anderson (1982) atribuiu a primeira grande contribuição para a epidemiologia teórica a William Hamer (1906), que postulou uma associação en-tre a evolução de uma epidemia e a taxa de contacto enen-tre indivíduos susceptíveis e indivíduos infecciosos. O traba-lho de Hamer foi posteriormente desenvolvido por Ronald Ross (conhecido pela descoberta do papel dos mosquitos na transmissão da malária), numa série de publicações pioneiras, entre 1911 e 1917, sobre a dinâmica da malária.

As ideias de Hamer e Ross foram exploradas por George Soper (1929), que deduziu mecanismos responsáveis pelo carácter periódico dos surtos epidémicos de várias doen-ças e por William Kermack e Anderson McKendrick (1927), autores do importante threshold theorems ou teorema da densidade-limite. Segundo este teorema, a introdução de indivíduos infectados numa população de hospedeiros não originará um surto epidémico, a menos que a densi-dade populacional dos susceptíveis ultrapasse um certo valor crítico mínimo. O postulado de Hamer e os threshold theorems são, actualmente, noções centrais da teoria ma-temática da epidemiologia moderna.

Existe, actualmente, uma importante e relativamen-te sofisticada lirelativamen-teratura que prerelativamen-tende descrever, explicar e prever os processos epidemiológicos nas populações. O grosso desta literatura é dedicado à população humana o que, em parte, se justifica pela importância que as doenças transmissíveis têm, ainda, como causa de mortalidade na

nossa espécie. Não obstante, existe, ainda, muita relutân-cia por parte de quem ensina e investiga em medicina em recorrer às áreas da demografia matemática, da estatística e da epidemiologia teórica, com o objectivo de interpretar os padrões observados de propagação das infecções e de planear e prever as consequências de programas para o controle da doença. Uma possível explicação reside talvez no hermetismo matemático em que a maior parte desta literatura ainda está encerrada, pouco ou nada virada para objectivos práticos de interpretação de dados reais. A ver-dade, contudo, é que a relação entre uma infecção a nível individual e a dinâmica da mesma infecção ao nível da po-pulação, encerra aspectos que o médico mais experiente teria dificuldade em intuir sem o auxílio de instrumentos matemáticos.

Literatura

Sobre as doenças infecciosas na História da humanidade Karlen A. 1995. Man and Microbes. Disease and Plagues in

History and Modern Times. Touchstone books, Simon

& Schuster, NY

McNeill WH. 1976. Plagues and People. Anchor Books, NY Oldstone MBA. 1998. Viruses, Plagues, & History. Oxford

Uni-versity Press, Oxford.

Três livros fascinantes sobre o papel das doenças infeccio-sas na história da humanidade. A escrita situa-se entre a

história da ciência e a divulgação científica. São bons livros para férias ou fim-de-semana prolongado. A minha prefe-rência vai para Karlen – é densamente informativo e útil.

McNeill é um professor de História e o seu livro tornou-se um clássico, mas tem várias inexactidões técnicas.

Outras referências citadas

Anderson RM. 1982. Directly transmitted viral and bacte-rial infections of man, p 1-37 In: Anderson RM (ed.) Population Dynamics of Infectious Diseases. Theory and Applications. Chapman and Hall, NY.

Hamer. 1906. Epidemic disease in England. Lancet, 1:733-739

Kermack WO and McKendrick AG. 1927. A contribution to the mathematical theory of epidemics. Proc Roy Soc A 115:700-721.

Soper HE. 1929. Interpretation of periodicity in disease pre-valence. J Royal Statistical Society 92:34-73.

O livro de Anderson é fácil de obter. As outras três refe-rências são citadas por Anderson e por outros livros. São demasiado antigas para se obterem com facilidade.

DIVERSIDADE DAS DOENÇAS

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