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EPIDEMIOLOGIA DAS DOENÇAS INFECCIOSAS

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Academic year: 2022

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EPIDEMIOLOGIA

DAS DOENÇAS INFECCIOSAS

Manuel Carmo Gomes

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EPIDEMIOLOGIA

DAS DOENÇAS INFECCIOSAS

Manuel Carmo Gomes

Prefácio

Francisco Antunes

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Autor

Manuel Carmo Gomes Prefácio

Francisco Antunes Capa

Pormenor de Plague in an Ancient City (c.1650-52), de Michael Sweerts. Los Angeles County Museum of Art / Wikimedia commons Edição

Associação de Estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa Av. Professor Egas Moniz, 1649-028 Lisboa

http://www.aefml.pt | geral@aefml.pt ISBN 978-989-98104-6-4 (eBook)

A publicação deste livro resulta de uma parceria entre a

Associação de Estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa e o Instituto de Saúde Ambiental da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.

Outubro de 2021 © Autor

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Prefácio 13 Introdução histórica

1. Doenças transmissíveis na História da Humanidade 17 2. De Jenner, Pasteur e Koch à actualidade: fim do fatalismo e início dos programas de controlo de doenças transmissíveis 25 3. Vacinação em massa e controlo de doenças infecciosas 29 4. História da compreensão e previsão de epidemias 31 Diversidade das doenças infecciosas

5. Doenças infecciosas e agentes etiológicos 37

6. Condições para a infecção 40

7. Formas de transmissão de microparasitas 41 8. Períodos de latência, incubação e infecciosidade. Recupera-

ção da infecção 45

(6)
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9. Terminologia básica dos modelos para microparasitas 52 10. Modelação da transmissão: Contactos, incidência e força

de infecção 55

11. Anatomia dos contactos 58

12. Número básico de reprodução da infecção (R

0

) e número

de efectivos de reprodução 61

13. Anatomia de uma epidemia 64

Vacinação: Porque razão é tão difícil eliminar doenças transmissíveis?

14. Vacinação e imunização 68

15. Imunidade de grupo 71

16. Dificuldade de eliminação de doenças infecciosas 74

17. SARS-CoV-2 78

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Prof. Doutor Manuel Carmo Gomes | Doutorou-se em Biologia, em 1991, na Memorial University of Newfoundland, Canada, e é Mestre em Probabilidades e Estatística pela Universidade de Lisboa (1987). Presentemente, é Professor Associado com agregação na Faculdade de Ciências da Universidade de Lis- boa, onde tem uma experiência de 35 anos de ensino e supervisão de alunos nas áreas de Dinâmica Populacional, Demografia, Epidemiologia, Dinâmica de Doenças Transmissíveis e tratamento de dados em Biologia.

Iniciou colaboração com a Direcção Geral da Saúde (DGS) em 1995, sendo um dos membros permanentes da Comissão Técnica de Vacinação (CTV), orgão consultivo da DGS que desde 1998 supervisiona a vacinação em Portugal, com destaque para o Programa Nacional de Vacinação. No âmbito da CTV, esteve directamente envolvido nos programas de controlo do sarampo, tosse convul- sa, meningite meningocócica, papiloma vírus humano (VPH) e pneumococo.

Desenvovleu colaboração com a DGS em outras áreas epidemiológicas, no- meadamente, a mortalidade materna e a interrupção voluntária da gravidez.

Na recente pandemia COVID-19, participa desde Fevereiro 2020 em várias

iniciativas conjuntas com a DGS e o Instituto Ricardo Jorge, sendo membro

da CTVC-C (Comissão Técnica de Vacinação COVID-19), visando o acompanha-

mento da epidemiologia da doença e o auxílio às autoridades de saúde na

tomada de decisões.

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Mantém como interesses científicos a Epidemiologia, o controlo de doenças transmissíveis por vacinação e os métodos estatísticos em ciências da saúde.

É autor em dezenas de artigos peer-reviewed e de textos de divulgação sobre vacinação e doenças transmissíveis.

Orcid ID: 0000-0002-2679-0974; Researcher ID: F-9633-2011; Scopus au- thor ID: 36913958800

Publicações mais recentes em Doenças Infecciosas:

Viana J, Van Dorp CH, Nunes A, Gomes MC, Van Boven M, Kretzschmar ME, Veldhoen M, Rozhnova G (2021). Controlling the pandemic during the SAR- S-CoV-2 vaccination rollout: a modeling study. Nature Communications 12(1):

3674.

Monteiro S, Rente D, Cunha M, Gomes MC, Marques T, Lourenço A, Cardoso E, Alvaro P, Silva M, Coelho N, Vilaça J, Meireles F, Brôco N, Carvalho M, Santos R (2021). A Wastewater-based Epidemiology tool for COVID-19 Surveillance in Portugal. https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2021.07.21.21260905v1 Gomes MC, Nunes A, Nogueira J, Rebelo C, Viana J, Rozhnova G (2020). Editorial:

Previsões sobre o futuro da pandemia: o papel dos modelos matemáticos. Acta

Médica Portuguesa Nov; 33(11):713-715. https://doi.org/10.20344/amp.15049

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PREFÁCIO Francisco Antunes

*

A epidemiologia das doenças infecciosas é o estudo dos factores que contribuem para a compreensão de como as infecções emergem e se propagam e como se podem prevenir e controlar. Os métodos epidemiológicos são usa- dos para detectar os agentes patogénicos, determinar a sua causalidade, compreender a patogénese e a história natural das infecções e identificar as medidas para delinear inter- venções eficazes para a prevenção e controlo. Pela sua rele- vância, em particular no ensino das doenças infecciosas, no 16.º Curso de Pós-graduação em Doenças Infecciosas uma das aulas é dedicada a este tema.

O Prof. Manuel Carmo Gomes tem mais de 35 anos de experiência em Epidemiologia, em particular no âmbito

* Professor catedrático jubilado da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Ex-director do Serviço de Doenças Infecciosas do Hospital de San- ta Maria, CHULN. Investigador-coordenador do grupo de investigação «Am- biente e doenças infecciosas», do Instituto de Saúde Ambiental da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.

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da Comissão Técnica de Vacinação, envolvido nos progra- mas de controlo do sarampo, tosse convulsa, meningite me- ningocócica, vírus do papiloma humano e pneumococo e é uma das figuras de maior visibilidade e credibilidade no acompanhamento da pandemia COVID-19. A sua participa- ção como docente do 16.º Curso de Pós-Graduação em Do- enças Infecciosas é uma mais valia para a compreensão da emergência e re-emergência das doenças infecciosas, como ameaça à saúde pública a nível global.

A publicação deste eBook, da autoria do Prof. Manuel Carmo Gomes, permite que os alunos e outros interessados na Epidemiologia das Doenças Infecciossas tenham dis- ponível para consulta uma fonte de informação que lhes permita conhecer ou actualizar os conhecimentos sobre a dinâmica das doenças transmissíveis ao longo da história da humanidade.

Once civilisation has begun, the disease load that it harbours beco- me one of the major weapons of its expansion

—William H. McNeill (1976). Plagues and people.

A edição deste eBook só foi possível pelo apoio que foi dado pela Associação dos Estudantes da Faculdade de Medicina e pelo Instituto de Saúde Ambiental, da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Um agradecimento muito especial ao Dr. Ricardo Santos do Instituto de Saúde Ambiental, da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, pelo seu saber, disponibilidade e grande entusiasmo com que abraçou a edição deste eBook.

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INTRODUÇÃO HISTÓRICA

Doenças transmissíveis na História da Humanidade

O parasitismo e as doenças transmissíveis são fenó- menos naturais desde que existe vida na Terra. Os parasitas causadores de doenças infecciosas em humanos evoluíram a partir de parasitas de hospedeiros não humanos, nome- adamente mamíferos, aves e artrópodes. O espectacular sucesso dos humanos em dominar a ecologia do planeta, teve como consequência que os próprios, os seus animais domésticos e culturas passassem a fornecer um recurso na- tural sem precedentes para os parasitas explorarem. Não surpreende que os parasitas tenham evoluído e continuem a evoluir para explorar este recurso, com o consequen- te aparecimento de doenças, ditas emergentes, de que a infecção por vírus da imunodeficiência humana (VIH) e a

1

(18)

síndrome de imunodeficiência adquirida (sida), os coronaví- rus responsáveis pela síndrome respiratória aguda (SARS e SARS-CoV-2) e o vírus da gripe H5N1 são, apenas, exemplos muito recentes.

As doenças infecciosas, aqui designadas por doenças transmissíveis, tiveram um papel na história da humanida- de nem sempre devidamente apreciado. Desde que os ho- minídeos primitivos desceram de uma vida predominante- mente arborícola e o bipedismo se generalizou, há mais de um milhão de anos, podem-se considerar quatro grandes períodos na história das relações entre as doenças trans- missíveis e a humanidade.

Da emergência dos hominídeos ao Neolítico: os caçadores-colectores

O primeiro período foi o mais longo, abrangendo a pre- sença do Homo erectus, dos Neandertais e, há 90 a 100 mil anos, a emergência do Homo sapiens na Terra. Estes caçadores- -colectores nómadas viviam em bandos de algumas dezenas ou talvez centenas de elementos. Percorriam áreas relativamente vastas e a sua densidade populacional era muito baixa. Inca- pazes de preservar alimentos, deslocavam-se continuamente.

Não viviam em permanência perto de dejectos, fezes ou água

poluída pela civilização. Os seus bandos teriam contactos oca-

sionais uns com os outros, eventualmente haveria reuniões

para comércio ou rituais, mas as comunidades eram dema-

siado pequenas para sustentar as doenças características das

grandes populações – doenças como o sarampo, parotidite,

(19)

rubéola, tosse convulsa, febre tifóide, varíola ou mesmo a gripe deviam ser praticamente inexistentes.

Eram contudo afectados por uma formidável quantida- de de zoonoses, contraídas a partir da manipulação e consu- mo de carne crua. Deviam, também, transportar quantidade considerável de macroparasitas (e.g. céstodes, nematodes e tremátodes). É provável que fossem comuns doenças como o botulismo, carbúnculo, toxoplasmose, brucelose, tularémia, leptospirose e triquinose. Predominavam as doenças crónicas sobre as agudas e as epidemias com alta letalidade deviam ser raras. Os agrupamentos deviam estar bastante afastados e em movimento frequente, impedindo que um surto local se trans- formasse em epidemia. Estes nómadas eram relativamente sau- dáveis, quando em comparação com os padrões mais baixos dos países subdesenvolvidos da actualidade. Durante este perí- odo longo de nomadismo, as principais causas de morte foram os acidentes, os ferimentos e as complicações daí derivadas.

Estima-se que a sua longevidade média rondasse os 40 anos de idade.

Da revolução do Neolítico à Idade do Bronze (cerca de -2500 anos)

O segundo período iniciou-se há 10-12 mil anos, com

a revolução agrícola do Neolítico – um período em que os

historiadores estimam que o planeta era habitado por cerca de

quatro milhões de humanos. O sedentarismo, a domesticação

de animais e os primórdios da agricultura dão início a uma

revolução epidemiológica de grandes dimensões, associada à

(20)

emergência de inúmeras doenças novas. Existem indícios de que há cinco mil anos se iniciou a lavra da terra no velho mun- do (médio oriente e vale do Nilo) e há quatro mil anos ini- ciou-se a irrigação sistemática nos vales de grandes rios, como Tigre e Eufrates, Nilo, Amarelo e Indo (no actual Paquistão).

Passa a haver contacto contínuo entre humanos e espécies que variam de insectos a macacos. A irrigação, a lavra e a domesti- cação são um convite ao contacto com agentes etiológicos no- vos através dos vectores que os transportam – com destaque para mosquitos, carraças e pulgas. A irrigação espalha formas do ciclo de vida de parasitas que são libertados nas fezes e na urina e as poças de água são meios de cultura de larvas de mosquito. Dá-se a ascensão de doenças transportadas por artrópodes (e.g. malária e doença do sono) e por água conta- minada (e.g. schistosomose, shigelose, talvez a cólera e vários agentes causadores de diarreia).

Neste período, surgem as primeiras multidões urbanas

e com elas aumentam os surtos de doenças que necessitam

de comunidades de grandes dimensões para se susterem. No

agricultor do Neolítico, doenças como gripe, varíola, sarampo

e parotidite devem ter começado como zoonoses esporádi-

cas a partir de animais domésticos, mas não devem ter tido

sustentabilidade mantida antes da população aumentar (estas

doenças têm requisitos de densidade populacional mínima,

sem o que desaparecem após um surto epidémico). Trata-se

de um período de adaptação de muitos agentes etiológicos

ao homem. Estimativas baseadas no conhecimento actual das

zoonoses, apontam para a partilha de cerca de 300 agentes

etiológicos com as espécies domesticadas e cerca de 100 com

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as espécies selvagens. É provável que o Neolítico tenha sido o principal período em que se deu esta adaptação. No Neolítico, as doenças transmissíveis tornam-se, pela primeira vez, a prin- cipal causa de morte nas comunidades humanas.

Da idade do bronze ao século xix

O terceiro período tem o seu início na idade do Bronze, atravessa a idade do Ferro, a antiguidade clássica e chega aos tempos modernos. Há 2500 anos antes da nossa era, a popula- ção humana no planeta atinge cerca de 100 milhões de indiví- duos, um salto notável desde os cinco milhões estimados para o fim do Neolítico. Nos 700 anos seguintes duplicou. Surgem cidades com cerca de 100 mil habitantes – as primeiras das quais no vale do Tigre e do Eufrates, como Ur e Babilónia, ao longo do Nilo, dos rios Indo e Amarelo. Estas cidades tornam-se capa- zes de suportar verdadeiras epidemias. Na verdade, as grandes urbes incrementam extraordinariamente todo o tipo de meca- nismos de transmissão, nomeadamente por partículas infecio- sas aerotranportadas, água contaminada, artrópodes vectores e contactos íntimos. Simultaneamente, através do nascimento for- necem um fluxo permanente de novos indivíduos susceptíveis, os quais permitem a sustentação das doenças transmissíveis na comunidade. Dá-se a explosão de doenças, como a varíola, o sarampo, o tifo, a cólera e todos os tipos de doenças endémicas dependentes da presença de grandes populações – as chamadas crowd diseases na literatura anglo-saxónica.

Nos dois mil anos seguintes, a Europa, o Médio Oriente

e as Américas são testemunhas de pandemias de dimensões

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dantescas, resultado da chegada de agentes infecciosos oriun- dos de uma região do planeta a outras regiões, onde as popula- ções eram inteiramente susceptíveis. Quando doenças actual- mente familiares, como a varíola (hoje desaparecida), sarampo, varicela, escarlatina e rubéola atingiram, pela primeira vez, as grandes cidades da bacia do Mediterrâneo, vindas da Ásia Cen- tral, Norte de África, Pérsia e Índia encontraram uma popula- ção totalmente susceptível e foram arrasadoras. São numero- sas as referências ao papel histórico das epidemias causadas por doenças transmissíveis na antiguidade clássica e na Europa Medieval. O sarampo e a varíola, suspeitas de envolvimento na «grande praga» de Atenas e nas «pragas Antoninas», foram particularmente devastadoras e, mais tarde, tornar-se-iam as armas do colonialismo europeu nas Américas. Seguiu-se a pes- te, a cólera e o tifo.

No século

ii

DC, as chamadas «pragas Antoninas» (pos-

sivelmente sarampo e varíola) invadiram o império romano,

causando grande mortalidade e perturbações económicas, que

desorganizaram o império e facilitaram as invasões bárbaras. O

império Han, na China, colapsou no século

iii

DC, após uma sequ-

ência de acontecimentos parecida. A derrota duma população de

milhões de Aztecas por Cortez e os seus 600 seguidores é, em

parte, explicada por uma epidemia de varíola que devastou os Az-

tecas, mas quase não afectou os espanhóis, dada a sua imunidade

adquirida na Europa. Os Aztecas não só sofreram mortalidades

elevadas como foram vítimas da ignorância, ao interpretarem a

epidemia como um favorecimento dos invasores pelos deuses. A

varíola propagou-se depois para sul, afectando os Incas, no Perú, e

beneficiando o sucesso de Pizarro poucos anos depois. À varíola

(23)

seguiu-se o sarampo e a difteria, importadas da Europa para a América do Norte com efeitos devastadores nos nativos.

Na Europa, a peste bubónica ou «morte negra» foi tal- vez a doença transmissível que maior terror inspirou ao longo dos séculos. A peste já tinha chegado à Europa no século

vi

, na época do imperador romano Justiniano, mas são melhor co- nhecidas as vagas originadas a partir da Ásia durante o século

xiv

, a partir de 1346. Estima-se que tenham causado a morte de quase ⅓ da população europeia entre 1346 e 1350. Uma tragédia de dimensões quase inimagináveis. A doença reapare- ceu periodicamente, em várias partes da Europa ao longo de mais de 400 anos. Por exemplo, em Londres, a «grande peste»

(1664-1666) liquidou cerca de ¼ da população da cidade; du- rante a epidemia de França (1720-1722) morreu metade da população de Marselha, 60% da cidade vizinha de Toulon e 44%

da população de Arles. As consequências políticas e económi- cas, na Europa Medieval, foram tremendas, mas os mecanismos de transmissão da peste nunca foram compreendidos na épo- ca. No século

xvii

, existem relatos de vilas e pequenas cidades infectadas que eram persuadidas a efectuar quarentenas, para evitar a propagação da doença, mas esta medida não era eficaz.

A peste é transmitida entre os ratos, através das suas pulgas.

Quando um rato infectado é mordido por uma pulga e a infec-

ta, esta torna-se extremamente voraz e morde repetidamente

o rato hospedeiro, disseminando a doença pelo corpo do ani-

mal. Quando o rato morre, as pulgas deslocam-se para outros

ratos, espalhando a doença. À medida que as pulgas aumentam

e os ratos diminuem, aquelas deslocam-se então para os hos-

pedeiros humanos, dando início a uma epidemia, tal como as

(24)

conhecemos. Nos humanos, numa fase mais avançada da epide- mia, pode surgir a forma pneumónica de peste, a qual pode-se transmitir directamente entre indivíduos. As quarentenas não são eficazes porque não evitam a propagação da peste pelos ratos e respectivas pulgas. Uma das principais razões para a importação da peste, a partir da Ásia, foi a passagem de mui- tos navios comerciais, os quais, nos tempos medievais, estavam invariavelmente infestados de ratos. Os navios com doentes ficavam ancorados ao largo, mas os ratos vinham para terra em pequenas embarcações de abastecimentos.

As grandes epidemias chegaram a reduzir populações da euroásia em metade ou mesmo a ⅔. Em cerca de 150 anos (sé- culos

xvi

-

xvii

), as populações nativas das Américas foram redu- zidas a cerca de 10%. No México, por exemplo, estima-se que, entre 1519 e 1530, a população índia foi reduzida de 30 para três milhões de indivíduos. Com o tempo, acabou por ocorrer um processo de homogeneização global da distribuição dos microparasitas patogénicos no mundo. Esta homogeneização aparenta ter ocorrido ao longo de grandes bandas latitudinais, havendo cada vez menos populações inteiramente «virgens» a infecções que existam na mesma banda de latitude.

Existe uma mensagem importante a reter da História.

Sempre que os humanos entraram em contacto com ecossis-

temas diferentes – quer directamente, penetrando num novo

habitat, quer indirectamente, através do contacto com indiví-

duos (humanos ou não) oriundos de um habitat diferente –

estabeleceram-se condições para os microparasitas invadirem

o recurso formado pelos novos hospedeiros, inteiramente

susceptíveis à infecção. Seguiram-se situações dramáticas de

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morbilidade e de mortalidade, por vezes devastadoras. Após um período mais ou menos longo de contacto contínuo, pa- rasitas e hospedeiros acabam por se adaptar gradual e mu- tuamente. A patogenicidade do parasita acaba por diminuir e, por vezes, desaparece totalmente. Há vários exemplos, alguns bem recentes que ilustram este processo. Foi isto que se pas- sou quando os europeus chegaram às Américas e quando a peste bubónica chegou à Europa em embarcações oriundas do Oriente. No caso da peste, nunca chegou a haver um pro- cesso de adaptação ao microparasita porque, após uma grande epidemia, este refugia-se por longos períodos nos seus hospe- deiros alternativos, pulgas e ratos, perdendo o contacto com os humanos. Um fenómeno mais recente são as febres hemor- rágicas tropicais (e.g. ébola, doença de Marburg, febre boliviana e febre venezuelana), suspeitas de estarem associadas à pene- tração de humanos na floresta tropical e, finalmente, a própria infecção por VIH, suspeita de ter sido originada por contactos quer físicos, quer fágicos, com macacos destas regiões.

De Jenner, Pasteur e Koch à actualidade:

fim do fatalismo e início dos programas de controlo de doenças transmissíveis

Apesar de ter havido um declínio generalizado da mortalidade na Europa, ao longo dos séculos

xviii

e

xix

, paradoxalmente a frequência e magnitude das epidemias aumentou, devido ao crescimento imenso dos centros ur- banos, associado à crescente industrialização das socie- dades. A grande reversão dos fenómenos epidémicos, que

2

(26)

testemunhámos em especial no decorrer do século

xx

, de- veu-se à conjugação de algumas descobertas biomédicas, num espaço de tempo relativamente curto. A relevância his- tórica destes episódios é transversal à história da medicina, da epidemiologia e da biologia. A eles estão associados os nomes de Edward Jenner, John Snow, Louis Pasteur, Robert Koch e Alexandre Flemming. As suas descobertas alteraram, por completo, o fatalismo, que desde há, pelo menos, um milhão de anos estava associado às doenças infecciosas na vida dos hominídeos.

Em 1798, o médico inglês Edward Jenner investigou

a crença, comum entre os camponeses, de que os trabalha-

dores que lidavam com vacas doentes por varíola, a cha-

mada cowpox, desenvolviam pústulas semelhantes às dos

animais (uma condição benigna conhecida por vaccinia, do

latim vacca), não eram contagiados com a varíola. Jenner

inoculou um rapaz de oito anos saudável, que nunca tinha

tido nem varíola nem vaccinia, com pús de cowpox. O rapaz

teve sintomas benignos de vaccinia e, posteriormente, foi

inoculado com o vírus da varíola humana, mas não desen-

volveu a doença. Em resultado dessa observação, o vírus

causador da cowpox passou a substituir o vírus da varíola

na chamada técnica de variolação, que se praticava na Eu-

ropa, por importação do oriente. A variolação era a fricção

da pele de indivíduos saudáveis com tecido de pústulas

de varíola retirado de doentes, mas originava demasiadas

reacções adversas. A variolação com cowpox era benigna,

fenómeno que hoje é explicado pela menor infecciosidade

do vírus das vacas e pela sua introdução no corpo humano

(27)

através de uma via diferente da natural – a pele, em vez da inalação – o que dá mais tempo ao sistema imunitário para desenvolver defesas eficazes antes do vírus se multiplicar.

O sucesso de Jenner teve por consequência a inven- ção da vacinação, tal como a conhecemos hoje. Jenner ino- culou vários dos seus doentes e o mesmo fizeram outros médicos contemporâneos, em toda a Europa. As primeiras inoculações do vírus eram feitas directamente através da pele, utilizando fragmentos de pústulas de cowpox. Só no limiar do século

xix

é que o processo toma maiores dimen- sões, com a cultura do vírus – também designada por vac- cinia – na pele de bezerros e posteriormente usada para várias inoculações. Esta técnica, conhecida por vacinação (de vaccinia), estendeu-se à América em 1800 e, em 1805, Napoleão Bonaparte ordenou a vacinação de todos os sol- dados franceses. Cerca de 170 anos mais tarde, o vírus da varíola seria erradicado do planeta, um dos maiores feitos de sempre da medicina preventiva.

Em 1854, John Snow associou uma doença infecciosa importante a um factor de risco. Após mapear os casos de cólera em Londres, Snow observou que os surtos da doença se distribuíam espacialmente em torno de certas fontes de água, onde a população se abastecia. Concluiu que a cólera era um «gérmen» invisível, presente na água, que provoca- va a doença nas pessoas. A suspeita foi testada através do encerramento destas fontes de abastecimento, com conse- quente diminuição da incidência de cólera na população.

No tempo de Jenner, não tinha sido estabelecida,

ainda, uma relação de causa-efeito entre a presença de

(28)

microrganismos patogénicos e as doenças. Havia a suspei- ta da existência de microrganismos e do seu possível papel causador de doenças. O holandês Anton van Leeuwenhoek (1632-1723) construiu os primeiros microscópios e demons- trou que os microrganismos de facto existem, dando maior suporte à «teoria dos germens» que circulava na época. A relação causa-efeito foi estabelecida, apenas, em finais da década de 1870 por Pasteur e Koch. No curto período que decorre entre 1870 e 1885, aqueles estabelecem cientifica- mente, pela primeira vez, uma relação entre microrganismos e doenças. Pasteur isolou o bacilo do carbúnculo e desen- volveu uma vacina com antitoxina contra a raiva. Koch, em 1882, isolou o bacilo da tuberculose e, em 1883, identificou o vibrião da cólera. Foi a primeira vez que a humanidade adquiriu uma compreensão científica da causa das doenças infecciosas, iniciando-se uma era completamente nova para a medicina.

Louis Pasteur descobriu, também, que culturas anti-

gas da bactéria causadora da cólera em galinhas, nas quais

o meio de cultura não tinha sido regularmente renovado,

causavam uma infecção muito moderada de cólera quando

inoculadas nas galinhas. As velhas culturas revelaram-se,

portanto, muito menos patogénicas (o termo hoje usado

é «atenuadas») para as galinhas. Para homenagear Jenner,

Pasteur deu, então, o nome de vacina (como o «vírus da vac-

cinia» de Jenner) a qualquer preparação dum agente pa-

togénico atenuado, que fosse depois usada para imunizar

contra uma doença infecciosa. Por volta de 1885, Pasteur

desenvolve a vacina e o tratamento contra a raiva, uma

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doença vírica fatal, transmissível, em geral, ao homem pela mordedura de um mamífero infectado.

Em 1928, Alexandre Flemming descobre, acidental- mente, a acção bactericida da penicilina, abrindo a porta à descoberta dos antibióticos. A mortalidade causada pelas infecções bacterianas caiu drásticamente, especialmente a partir da década de 1940. Esta sucessão de vitórias, asso- ciada à implementação e sucesso dos programas de vacina- ção em massa, causou a falsa impressão de que as doenças infecciosas poderiam ser um assunto que em breve faria parte da arqueologia médica.

Vacinação em massa e controlo de doenças infecciosas

Desde Edward Jenner, o desenvolvimento, ensaio, e licenciamento de novas vacinas, não mais parou (Tabela 1).

Desde meados do século

xx

, a vacinação em massa tem per- mitido manter sob controle mais de uma dezena de doenças infecciosas humanas, pelo menos nos países industrializa- dos. Apesar de não terem a sofisticação das vacinas actuais, as vacinas anteriores à Segunda Guerra Mundial foram su- ficientemente eficazes para reduzir drasticamente a mor- bilidade e mortalidade causada por várias doenças, dando credibilidade aos programas de prevenção contra doenças infecciosas. A primeira administração à escala mundial de uma vacina iniciou-se, em 1956, com a vacina da varíola e teve o patrocínio da Organização Mundial de Saúde (OMS).

O objectivo era a erradicação e foi conseguido. O último

3

(30)

caso conhecido de varíola ocorreu na Somália, em 1977.

Animados pelo sucesso, muitos países desenvolvidos insti- tuíram programas nacionais de vacinação (PNVs) universais e gratuitos, ao longo da segunda metade do século

xx

.

Portugal iniciou o seu PNV em 1965, com cinco vaci- nas (poliomielite, tosse convulsa, difteria, tétano e varíola) e, desde então, o PNV português não parou de se expandir.

Em 2006, o PNV português foi, mais uma vez, actualizado, com a introdução da nova vacina contra o meningococo-C, a passagem da polio oral a injectável e a substituição da pertussis celular pela acelular. Portugal é um dos países de maior sucesso vacinal quer em termos de adesão da popu- lação à vacinação, quer em termos de controlo documenta- do de doenças infecciosas por vacinação. Portugal faz parte dos países que declarou oficialmente a eliminação da po- liomielite em Junho de 2002 e, desde 1999-2000, existem razões para crer que o sarampo endógeno foi eliminado.

Doenças como a difteria, a rubéola, a parotidite e o tétano, embora não eliminadas, podem-se considerar sob controlo, no País. Estas são as doenças para as quais dispomos desde há décadas de vacinas eficazes no PNV.

Ao contrário da vitória sobre a varíola, nunca o mundo

esteve próximo de conseguir a erradicação global de outra

doença infecciosa. Por que razão é tão difícil eliminar do-

enças infecciosas? Dever-se-ia esperar que tivéssemos já

conseguido alcançar esse objectivo unicamente com base

no sucesso dos PNVs? Há já algumas décadas que se conhe-

ce a resposta a estas perguntas, mas por agora fica adiada.

(31)

História da compreensão e previsão de epidemias

A tentativa de compreender as causas das epidemias e a previsão das mesmas tem uma história muito longa, que remonta, pelo menos, à antiguidade clássica. Hipócrates (459-377 AD) no seu ensaio Ares, Águas e Locais escreveu que o temperamento, os hábitos pessoais e o ambiente eram factores a ter em conta no aparecimento de epidemias, uma observação ainda muito actual hoje em dia. Howe, em 1865, escreveu um livro sobre doenças epidémicas em que enumerava em 31 pontos as «Leis da Pestilência». Entre estes, o número dois é típico, pois pretende correlacionar

«O intervalo entre visitas periódicas da doença» (os surtos epidémicos) com as revoluções da Lua em torno da Terra.

Os modelos explicativos, encontrados ao longo do tempo para as epidemias, foram variados e ricos de imaginação.

Desde os menos inspirados, que se limitaram a atribuir a responsabilidade das epidemias a deuses descontentes, até aos sistemas de equações matemáticas, mais ou menos complicados, que se utilizam actualmente, passando pelas explicações pretensiosamente científicas, como é o caso da de Howe, houve um caminho longo e tortuoso a percorrer.

Tortuoso porque a justeza das explicações encontradas não evoluiu linearmente com o tempo. Compare-se, por exem- plo, a sensatez da observação de Hipócrates com algumas das explicações do princípio da década de 80 (do século passado), que atribuíam a sida a um castigo divino.

4

(32)

1798 Varíola 1885 Raiva 1897 Peste 1923 Difteria 1926 Tosse convulsa 1927 Tuberculose 1927 Tétano 1935 Febre amarela 1955 Polio injectável 1962 Polio oral 1964 Sarampo 1967 Parotidite 1970 Rubéola

1970 Carbúnculo (anthrax) 1974 Varicela

1974 Meningo-C 1981 Hepatite B

1985 Haemophilus influenzae 1989 Tifóide

1991 Pertussis (acelular) 1999 Meningo-C (conjugada) 2006 Rotavirus

2006 Vírus do papiloma huma- no (VPH)

2009 Influenza H1N1 2010 Pneumococo (conjugada) 2013 Meningococo B 2019 Ebola 2019 Dengue 2020 SARS-CoV-2

Tabela 1 | Algumas das principais vacinas e respectiva data de desenvolvi- mento

A teoria epidemiológica moderna tem as suas raízes

nos princípios do século

xx

, pouco tempo depois de Pasteur,

Joseph Lister e Koch terem libertado as ciências biomé-

dicas das explicações baseadas em «miasmas» e «humo-

res» invisíveis, esclarecendo os mecanismos de contágio

elementares através dos quais os agentes infecciosos se

podem espalhar na população. Este conhecimento, aliado

(33)

à análise estatística dos dados epidemiológicos, consti- tuiu os alicerces do futuro desenvolvimento da teoria ao longo de todo o século. Roy Anderson (1982) atribuiu a primeira grande contribuição para a epidemiologia teórica a William Hamer (1906), que postulou uma associação en- tre a evolução de uma epidemia e a taxa de contacto entre indivíduos susceptíveis e indivíduos infecciosos. O traba- lho de Hamer foi posteriormente desenvolvido por Ronald Ross (conhecido pela descoberta do papel dos mosquitos na transmissão da malária), numa série de publicações pioneiras, entre 1911 e 1917, sobre a dinâmica da malária.

As ideias de Hamer e Ross foram exploradas por George Soper (1929), que deduziu mecanismos responsáveis pelo carácter periódico dos surtos epidémicos de várias doen- ças e por William Kermack e Anderson McKendrick (1927), autores do importante threshold theorems ou teorema da densidade-limite. Segundo este teorema, a introdução de indivíduos infectados numa população de hospedeiros não originará um surto epidémico, a menos que a densi- dade populacional dos susceptíveis ultrapasse um certo valor crítico mínimo. O postulado de Hamer e os threshold theorems são, actualmente, noções centrais da teoria ma- temática da epidemiologia moderna.

Existe, actualmente, uma importante e relativamen-

te sofisticada literatura que pretende descrever, explicar

e prever os processos epidemiológicos nas populações. O

grosso desta literatura é dedicado à população humana o

que, em parte, se justifica pela importância que as doenças

transmissíveis têm, ainda, como causa de mortalidade na

(34)

nossa espécie. Não obstante, existe, ainda, muita relutân- cia por parte de quem ensina e investiga em medicina em recorrer às áreas da demografia matemática, da estatística e da epidemiologia teórica, com o objectivo de interpretar os padrões observados de propagação das infecções e de planear e prever as consequências de programas para o controle da doença. Uma possível explicação reside talvez no hermetismo matemático em que a maior parte desta literatura ainda está encerrada, pouco ou nada virada para objectivos práticos de interpretação de dados reais. A ver- dade, contudo, é que a relação entre uma infecção a nível individual e a dinâmica da mesma infecção ao nível da po- pulação, encerra aspectos que o médico mais experiente teria dificuldade em intuir sem o auxílio de instrumentos matemáticos.

Literatura

Sobre as doenças infecciosas na História da humanidade Karlen A. 1995. Man and Microbes. Disease and Plagues in

History and Modern Times. Touchstone books, Simon

& Schuster, NY

McNeill WH. 1976. Plagues and People. Anchor Books, NY Oldstone MBA. 1998. Viruses, Plagues, & History. Oxford Uni-

versity Press, Oxford.

Três livros fascinantes sobre o papel das doenças infeccio-

sas na história da humanidade. A escrita situa-se entre a

(35)

história da ciência e a divulgação científica. São bons livros para férias ou fim-de-semana prolongado. A minha prefe- rência vai para Karlen – é densamente informativo e útil.

McNeill é um professor de História e o seu livro tornou-se um clássico, mas tem várias inexactidões técnicas.

Outras referências citadas

Anderson RM. 1982. Directly transmitted viral and bacte- rial infections of man, p 1-37 In: Anderson RM (ed.) Population Dynamics of Infectious Diseases. Theory and Applications. Chapman and Hall, NY.

Hamer. 1906. Epidemic disease in England. Lancet, 1:733- 739

Kermack WO and McKendrick AG. 1927. A contribution to the mathematical theory of epidemics. Proc Roy Soc A 115:700-721.

Soper HE. 1929. Interpretation of periodicity in disease pre- valence. J Royal Statistical Society 92:34-73.

O livro de Anderson é fácil de obter. As outras três refe-

rências são citadas por Anderson e por outros livros. São

demasiado antigas para se obterem com facilidade.

(36)
(37)

DIVERSIDADE DAS DOENÇAS TRANSMISSÍVEIS

Doenças infecciosas e agentes etiológicos

Como em quase toda a literatura, doenças transmis- síveis e doenças infecciosas são considerados sinónimos. O dicionário de epidemiologia de John Last define uma doença infecciosa da seguinte forma:

A illness due to a specific infectious agent or its toxic products that arises through transmission of that agent or its products from an infected person, animal or reservoir to a susceptible host, either directly or indirectly throu- gh an intermediate plant or animal host, vector or inanimate environment.

—Last JM. 1988. A Dictionary of Epidemiology. Oxford Univ Press, Oxford.

Há muitos termos e conceitos nesta definição que requerem explicação. Começo pelos agentes infecciosos.

Estes agentes, causadores de doenças transmissíveis, são, globalmente, designados por parasitas e englobam uma

5

(38)

grande diversidade de formas e ciclos de vida, tais como vírus, bactérias, fungos, protozoários, nemátodos, céstodes, e artrópodes. Por uma questão de conveniência prática e porque os modelos epidemiológicos das doenças causadas por estes agentes têm características muito diferentes, divi- dem-se em dois grandes grupos:

a) Microparasitas (vírus, bactérias e protozoários) – Caracterizam-se por serem muito mais pequenos que os hospedeiros infectados, terem gerações curtas, taxas de reprodução no hospedeiro extremamente elevadas e tendência para induzirem, em geral, al- gum grau de imunidade à reinfecção, por parte dos hospedeiros que recuperam da primeira infecção. A duração da infecção é, em geral, curta, relativamente à esperança de vida do hospedeiro, mas há excepções, de que VIH, agente etiológico da sida, é apenas um exemplo. Devido ao tamanho muito reduzido dos mi- croparasitas e às dificuldades associadas à sua conta- gem no hospedeiro, a unidade de estudo da dinâmica destas doenças é o próprio hospedeiro. O estudo da doença na população segue a variação do número de hospedeiros infectados (e.g. susceptíveis e imunes), independentemente do número de microparasitas existente.

b) Macroparasitas (nemátodes, tremátodes, cesto-

des e artrópodes) – Caracterizam-se por ter gerações

muito mais longas que os microparasitas. Os ciclos

(39)

de vida são, também, mais complicados, raramente dependendo de um único hospedeiro. As respostas imunes que desencadeiam e a própria patologia de- pendem, em geral, da abundância de parasitas pre- sentes no hospedeiro infectado. As infecções causa- das por macroparasitas tendem a ser persistentes, podendo os hospedeiros ser reinfectados continua- mente, sem desenvolverem uma reacção imunitária, que confira protecção completa. Dada a relativa fa- cilidade (comparativamente aos microparasitas) com que os macroparasitas podem ser contados dentro (ou sobre) o hospedeiro, o seu número é, em geral, a unidade de estudo.

A divisão entre micro e macroparasitas é evidente-

mente uma simplificação e corresponde a dois extremos

de um continuum. Muitos parasitas não são facilmente

enquadráveis nesta dicotomia. Por exemplo, as infecções

causadas por muitos protozoários têm uma dinâmica que é

bem representada pelos modelos usados para microparasi-

tas, contudo, os seus padrões de persistência na população

hospedeira (os hospedeiros são repetidamente reinfecta-

dos) são mais semelhante às características dos macro-

parasitas. Com esta simplificação pretende-se enfatizar a

dinâmica populacional da interacção parasita-hospedeiro e

desenfatizar as distinções taxonómicas convencionais. Os

refinamentos tendentes a um maior realismo podem ser

acrescentados mais tarde - para já é necessário apreender

as noções básicas importantes.

(40)

Condições para a infecção

Tanto os microparasitas como os macroparasitas com- pletam os seus ciclos de vida passando de um meio infectado para um hospedeiro susceptível. Contudo, a compreensão da epidemiologia da infecção passa por um contexto bem mais vasto do que, apenas, o dueto parasita-hospedeiro. Para que a infecção ocorra é necessário reunir um conjunto de condições biológicas e ambientais favoráveis que se resumem em cinco pontos:

a) Tem de haver um hospedeiro susceptível, isto é, capaz de ser infectado. Embora todos os hospedeiros vivam mergulhados num mar de microrganismos, per- manecem, em geral, saudáveis, porque possuem defesas não específicas e específicas (mediadas por linfócitos B ou T), que travam a susceptibilidade à infecção, desde que o hospedeiro não se encontre imunodeprimido.

b) Tem de existir um parasita capaz de causar infecção.

c) Este parasita tem de ter um meio (ou reservatório) favorável à sua propagação, i.e., onde possa viver, repro- duzir-se e morrer. Reservatórios possíveis são os hospe- deiros humanos, não-humanos e o meio ambiente.

d) Tem de haver uma porta de saída do reservató- rio e uma porta de entrada no hospedeiro susceptível.

As portas de saída de um reservatório vivo são o trato

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(41)

respiratório, o trato geniturinário (e.g. urina e sémen), o tubo digestivo, os epitélios de revestimento (mucosas e pele), a placenta (na passagem mãe-feto) e o sangue.

As portas de entrada são, em geral, as mesmas, embora a transmissão pelo sangue requeira, por princípio, uma solução de continuidade cutânea ou a contaminação de uma mucosa. Alguns parasitas só causam doença no hospedeiro por vias específicas. Por exemplo, Shigella dy- sentery, causadora de diarreia grave, tem de ser ingerida;

Staphylococcus aureus pode causar doença quer entre pelo trato respiratório (pneumonia), pele (furúnculo), trato gastrintestinal (alimentos contaminados) ou pelo sangue (causando bacteriemia).

e) O parasita tem de ser deslocado, directa ou indirec- tamente, de um local para outro. O que abona da enor- me diversidade de meios de transmissão possíveis.

Formas de transmissão de microparasitas

As doenças podem resultar quer de flora microbia- na exógena ao hospedeiro (outros hospedeiros vivos, meio ambiente), quer da flora endógena. A flora endógena in- clui comensais habituais, em geral inofensivos, da pele, dos tratos respiratório, gastrintestinal e geniturinário e inclui, também, formas relativamente inactivas, que permanecem no hospedeiro em estado «latente». Entre os vírus há exem- plos familiares destes últimos, como os herpes (Herpes sim- plex, Varicella zoster, vírus citomegálico e vírus Epstein-Barr)

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(42)

e os vírus da imunodeficiência humana (VIH-1 e VIH-2). Ou- tros exemplos muito comuns são as bactérias, por exemplo Mycobacterium tuberculosis e Neisseria meningitidis e vários fungos (e.g. Blastomyces dermatitidis e Histoplasma capsu- latum). Para que a doença se desenvolva, a partir da flora endógena, deve ter havido algures no passado infecção com origem no exterior.

A transmissão é o mecanismo pelo qual um agente patogénico exógeno alcança e infecta um hospedeiro. A transmissão pode-se dar directa ou indirectamente, via um ou mais intermediários. A transmissão directa pode ocorrer por proximidade física entre os indivíduos (e.g. contacto com aerossol emitido por espirro, tosse ou fala, beijo ou contacto sexual) ou através de estádios mais ou menos especializados do parasita, que penetram no hospedei- ro, por exemplo por inalação, ingestão ou através da pele.

Um exemplo comum é a inalação de partículas víricas em suspensão (e.g. gripe, rubéola, sarampo, parotidite e vari- cela), mesmo quando não há proximidade física. Por vezes distingue-se entre transmissão por gotículas (do inglês dro- plet transmission) e transmissão por partículas infecciosas (airborne transmission). No primeiro caso, é necessário estar muito perto da fonte infecciosa de espirros, tosse ou fala.

No segundo caso, uma partícula infecciosa dissecada, muito leve, pode permanecer no ar e ser transmitida a grande dis- tância pelo sistema de ventilação.

Quando a transmissão directa decorre por contacto

sexual, diz-se tratar-se de uma infecção sexualmente trans-

missível (IST). O termo «doença venérea» é sinónimo, mas

(43)

caiu em desuso há algumas décadas. Estas infecções podem ser sintomáticas (e.g. gonorreia e sífilis) ou assintomáticas (e.g. VIH, hepatites B e C), pelo que se deve exprimir por IST.

A transmissão indirecta envolve os chamados vec- tores intermediários (e.g. moscas, mosquitos, carraças e mamíferos), que picam ou mordem e que servem como hospedeiros intermédios da infecção. Exemplos são os agentes causadores da malária, febre do Nilo Ocidental, febre escaronodular e febre amarela. Neste caso o agente pode viajar pelo ar a distâncias muito longas. O agente in- feccioso está, em geral, altamente adaptado ao vector, mas pode usá-lo apenas como meio de transporte (e.g. vírus da febre amarela) ou pode ter com ele interacções biológicas de que depende o seu próprio ciclo de vida (e.g. agente da malária). Quando a infecção se transmite de animais verte- brados para humanos, como é o caso da raiva, é designada por zoonose.

No processo de transmissão indirecta pode estar, ainda, envolvido um reservatório inanimado da infecção, como por exemplo a água, no caso da cólera e da doença do Legionário (Legionellae spp) ou o solo, no caso do tétano.

O esporo do tétano é capaz de permanecer viável durante anos no solo ou em objectos inanimados, antes duma opor- tunidade para se introduzir numa solução de continuidade da epiderme, por exemplo por um ferimento. O reservatório inanimado pode, também, ser um instrumento médico-ci- rúrgico ou uma seringa.

É interessante notar que as doenças colocadas na ca-

tegoria de transmissão indirecta são muitas vezes as mais

(44)

«transmissíveis». Na verdade, deve haver muito poucas in- fecções que não se transmitam caso o infectado e o suscep- tível tenham um contacto muito íntimo, como por exemplo a via sexual. Só os agentes patogénicos muito pouco resis- tentes ao ambiente fora do hospedeiro é que necessitam, em absoluto, deste tipo de contactos para se transmitirem.

Na maioria dos casos, a transmissão directa ou in- directa da infecção dá-se entre membros coexistentes da população hospedeira, a chamada transmissão horizontal.

Um caso especial de transmissão directa ocorre, contudo, quando a doença é transmitida de um ascendente para um descendente ainda não-nascido (ovo ou embrião). Nes- te caso, diz-se que houve transmissão vertical, um tipo de transmissão bastante frequente em artrópodes. No caso da transmissão vertical em mamíferos, por exemplo, o feto é infectado no útero por um agente transportado numa célu- la da linha germinal ou através de infecção da placenta ou do canal materno, durante o parto. Nos humanos, VIH, vírus da rubéola, vírus citomegálico, vírus da varicela-zoster, ví- rus herpes simplex, vírus da hepatite B e o agente da sífilis são reconhecidos com capacidade de transmissão vertical.

A transmissão vertical permite que a chamada «densida-

de populacional crítica» tenha valores muito baixos. Esta

densidade crítica é a densidade mínima de hospedeiros

necessária para que a infecção se possa manter endémi-

ca e, quando existe transmissão vertical, mesmo com pou-

cos hospedeiros o endemismo é possível, desempenhando

portanto um papel importante na epidemiologia de alguns

microparasitas.

(45)

Períodos de latência, incubação e infecciosidade. Recuperação da infecção

Habitualmente, a infecção começa com uma invasão localizada de uma superfície epitelial e prossegue, após uma ou mais fases de replicação do agente, com consequente crescimento da população do microrganismo – a chamada viremia – com a infecção dos órgãos alvos do agente (e.g.

pulmão, sistema nervoso ou pele). A taxa de crescimento populacional depende, em parte, da resposta imunitária do hospedeiro. Se for eficiente, a certa altura a taxa de cresci- mento torna-se negativa e a população de microrganismos decai até à extinção ou até níveis muito baixos (alguns vírus podem persistir em níveis muito baixos durante muito tem- po, causando viremias recorrentes, e.g. herpes simplex e vírus da varicela-zoster). Um factor importante que pode determi- nar se uma infecção desenvolve viremia ou não, é a dose (ou volume do inóculo), isto é, o número de microparasitas que realmente invade o hospedeiro. Uma dose maciça quase de certeza origina viremia no hospedeiro.

Em geral, um hospedeiro infectado não se torna ime- diatamente infeccioso, isto é, não adquire capacidade ime- diata de transmitir a infecção. A capacidade de transmissão depende da multiplicação do microparasita e da sua chega- da aos tecidos ou fluídos do hospedeiro (e.g. saliva, excre- ções do aparelho respiratório, fezes ou sangue), a partir dos quais ele é transmitido para o exterior. O período de tempo entre o instante da infecção e o momento em que começa a haver capacidade de transmissão da infecção (em geral ini-

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(46)

tuguês/inglês)Agente etiológico (vírus)IncubaçãoLatênciaInfecciosidadeImunidadeLetalidade

measlesmorbillivirus da fam. Paramyxoviridae (ARN)8-126-95-7permanentebaixaRubéola/rubellafam. Togaviridae (ARN)16-207-1413-15permanentemuito baixaVaricela/chickenpoxvaricela-zoster virus (ADN)14-178-1210-20permanentebaixaParotidite/mumpsfam. Paramyxoviridae (ARN)10-2010-187-11permanentebaixaVaríola/smallpoxorthopoxvirus da fam. Poxviridae (ADN)10-148-112-3permanentemuito baixa/baixa

influenzafam. Orthomyxoviridae (ARN)1-31-31-4baixabaixa/médiaPoliomelite/poliomyelitisPoliovirus 1, 2 e 3 (subgrupo dos picornavirus) (ARN) 7-121-314-20permanentemédia

AIDSV. imunodeficiência humana (VIH-1 e VIH-2) (ADN)8-10 anos5-201-2 anosnulamuito alta

herpes simplexHerpesvirus hominis (VHS-1 e VHS-2) (ADN)??Longa (recorrente) intermi-tente muito baixa teria/diphtheriaCorynebacterium diphtheriae (Gram+)2-514-21longamédiaTosse convulsa/whooping coughBordetella pertussis (Gram)7-106-715-21permanentebaixa/média Scarlet feverStreptococcus pyogenes (Gram+)2-31-214-21baixaTétano/tetanusClostridium tetani (Gram+)4-1321-30permanentealta óide/typhoid feverSalmonella typhi (Gram)5-507-21curtabaixa gonorrheaNeisseria gonorrhoeae (Gram)2-7>30muito baixabaixa

2 | Algumas doenças causadas por microparasitas (vírus e bactérias). Entre os vírus distinguem-se os retrovírus (ARN) dos adeno- entre as bactérias, as Gram+ das Gram–. Apresentam-se vários períodos epidemiologicamente relevantes na ausência de o – o período de incubação, de latência e de infecciosidade (em dias). Indica-se, também, a imunidade à infecção numa escala (imunidade activa, adquirida por vacinação ou recuperação da infecção/doença) e, também, a capacidade de a doença poder ser o adequado. As principais fontes são Anderson (1982) e Isselbacher et al. (1994).

(47)

ciado com a viremia), designa-se por período de latência. Na maioria das infecções é difícil determinar o período de latên- cia. Isto porque, por um lado, a ausência de manifestações clínicas, sugerindo a presença do microparasita, torna muito incerto o momento em que se deu a infecção e, portanto, o início do período de latência. Por outro lado, a ausência frequente de sintomas, quando se inicia a viremia e a trans- missão, torna difícil a identificação do final do período de latência.

Em geral, as manifestações clínicas da doença não

surgem, também, de imediato, após a infecção. O tempo de-

corrido entre o momento da infecção e o início dos sinto-

mas é denominado de período de incubação. O período de

incubação inclui o período de latência (quando este existe)

e prolonga-se, em geral, durante o período de infecciosi-

dade. O seu fim é identificado pelo início dos sintomas da

doença. Em muitas doenças, como é o caso de algumas ca-

racterísticas da infância (e.g. sarampo, varicela e rubéola), o

período mais infeccioso ocorre na fase final do período de

incubação. Este facto é importante, pois significa que o iso-

lamento do doente pouco tempo após o aparecimento dos

sintomas não é suficiente para travar a propagação da in-

fecção. O período de incubação conta-se, em geral, por dias

e é muito variável, não só de doença para doença, como de

indivíduo para indivíduo, dentro da mesma doença (Tabela

2). Isto deve-se a diferenças entre a capacidade de resposta

imunitária dos indivíduos, as quais, por sua vez, dependem

de factores genéticos e circunstanciais relacionados com o

estado dos indivíduos, a idade e o sexo.

(48)

Os sintomas causados por uma infecção têm uma ex- pressão muito vasta. Apenas as infecções sintomáticas são imediatamente detectáveis, porém, em epidemiologia de ISTs, a capacidade de transmitir o agente infeccioso é mais importante do que ser ou não sintomático. Muitas vezes um hospedeiro infectado não tem sintomas, embora se possa detectar serologicamente que o seu sistema imunitário reagiu à infecção. Nesse caso, diz-se que teve uma infec- ção subclínica (ou assintomática). Por exemplo, a maioria dos casos de poliomielite cursam sem sintomas e, por isso, passam indetectados, mas o risco de propagação do vírus é factual. A infecção por SARS-CoV-2 é outro exemplo em que a transmissão por assintomáticos é muito importante para a sua epidemiologia. Um hospedeiro assintomático, mas capaz de transmitir a infecção designa-se de portador.

A epidemiologia da polio e de SARS-CoV-2 não pode, por- tanto, ser compreendida sem uma avaliação do número de portadores. A maioria das infecções por vírus das hepatites e da tuberculose são, também, inaparentes, mas a capacida- de de transmissão da infecção é provada, pelo que têm de ser identificadas para fins de controle. Num outro extremo, estão doenças como o sarampo, em que a maioria dos casos cursa com sintomas e só uma minoria é assintomática.

Entre o instante em que se dá a infecção e o início

da recuperação da doença existem períodos de tempo em

que o infectado tem capacidade para a transmissão da in-

fecção. No seu conjunto, formam o período de infecciosi-

dade, o qual se inicia logo após o período de latência e é

de grande importância para o epidemiologista. O período

(49)

de infecciosidade inicia-se, com frequência, ainda durante o período de incubação e prolonga-se para lá deste, no pe- ríodo sintomático. Contudo, em geral, termina antes do fim dos sintomas. Infelizmente, para a maioria das doenças, não existe muita informação disponível sobre os diferentes ní- veis de capacidade de transmissão dos microparasitas, du- rante o período de infecciosidade. Contudo, em algumas do- enças, o período de infecciosidade é irregular, com picos de maior transmissibilidade espaçados por períodos de baixa ou nula transmissibilidade. A informação sobre este tipo de fenómeno deriva, em geral, da observação do nivel de anti- génios nos hospedeiros e não da observação de contágios que origina. VIH é um exemplo deste tipo de irregularidade na transmissão.

Um indivíduo que tenha sido infectado (a partir de um assintomático ou sintomático) com um agente patogé- nico ou que tenha sido vacinado, se mais tarde for de novo infectado não mostra sinais clínicos da nova infecção, diz-se imune. No entanto, pode-se demonstrar laboratorialmente que um indivíduo imune reinfectado reagiu à reinfecção aumentando a titulação de anticorpos contra o agente.

Chama-se a isto um boost ou estímulo natural do sistema imunitário.

No caso das infecções víricas (viroses), após a recupe-

ração, os hospedeiros ficam, em geral, inteiramente imunes

a nova infecção. Na espécie humana esta imunidade dura,

por vezes, a vida inteira. Em geral, desconhece-se a razão

exacta para o facto da imunidade ser tão prolongada. Pode

ser devida a exposição de novo aos agentes infecciosos

(50)

(sem que ocorram sintomas), que dão repetidos impulsos à resposta imunitária do hospedeiro, devido à presença de clones de linfócitos (células-memória T e B) de longa du- ração, capazes de reconhecer antigénios víricos e manter a produção de anticorpos na ausência de infecção ou, ainda, devido à presença do vírus no hospedeiro em densidades muito baixas.

As bactérias são, em termos antigénicos, muito mais complexas que os vírus. A resposta do sistema imunitário às bactérias é diversificada e o seu sucesso depende, em grande parte, do dano de componentes da parede celular da bactéria. Os anticorpos produzidos são, em geral, espe- cíficos de receptores na parede ou de toxinas produzidas pela bactéria. A imunidade conseguida, após a recuperação da infecção bacteriana, não é, por norma, nem tão completa nem tão duradoura quanto a imunidade às infecções víri- cas. No caso dos protozoários (e.g. Trichomonas) a resposta imunitária é, também, mais complexa do que nas viroses.

Os protozoários são maiores que os virus e bactérias e

despoletam a produção de antigénios mais variados e em

maior quantidade. As infecções por protozoários tendem a

ser mais persistentes, podendo assumir caracteristicas cró-

nicas. A imunidade adquirida raramente confere protecção

total contra reinfecções e a sua eficácia aparenta depender

da duração e da intensidade das infecções anteriores. Em

geral, os mecanismos que permitem a persistência do para-

sita e as reinfecções são muito mal conhecidos.

(51)

TRANSMISSÃO DA INFECÇÃO

Do ponto de vista individual, o percurso de uma do-

ença é descrito pelo que se passa entre o momento da

infecção e o momento em que os sintomas terminam. Do

ponto de vista epidemiológico, é muito mais importante a

distribuição no tempo e no espaço dos contactos infeccio-

sos, tidos pelo indivíduo infectado, com outros indivíduos e

a forma como tal se repercute na propagação da infecção

pela população. Pode a infecção individual originar uma

epidemia? Pode esta infecção permanecer endémica na

população? Como é que as proporções de indivíduos infec-

tados e susceptíveis vão evoluir ao longo do tempo? Quais

as consequências das medidas de controle, como a vaci-

nação, para a epidemiologia da doença? Embora ao nível

individual a sintomatologia, a patologia e os mecanismos

de transmissão da maioria das doenças infecciosas este-

jam razoavelmente compreendidos, para responder a estas

(52)

perguntas há que ter em consideração um número muito grande de factores supra individuais que complicam a in- vestigação. Entre estes factores incluem-se a biologia do agente infeccioso (e.g. ciclo de vida, taxas de reprodução e de mortalidade), as características populacionais do hospe- deiro (e.g. natalidade e mortalidade, rede de contactos en- tre indivíduos, grau de imunidade, sex ratio, aspectos socio- culturais e comportamentais) e as características da doença em si (forma de transmissão, dependência relativamente a factores climáticos). A complexidade do assunto implica, por conseguinte, a necessidade de conceptualizar ou mo- delar o problema, recorrendo a instrumentos apropriados, nomeadamente modelos matemáticos. É um assunto que extravasa largamente o âmbito do tema, contudo será em seguida introduzida uma simbologia mínima, que tornará a exposição mais fácil de compreender.

Terminologia básica dos modelos para microparasitas

Ao estudar determinada doença infecciosa, o parasito- logista e o médico preocupam-se em aprofundar os aspec- tos que tornam a doença única entre muitas outras. Nesta fase de introdução à epidemiologia de doenças transmissí- veis, pelo contrário, o principal objectivo é estabelecer uma terminologia e uma simbologia unificadoras, o mais abran- gentes possível no mundo das doenças infecciosas. Se não existisse um tal quadro unificador, cada doença tenderia a desenvolver a sua própria literatura e terminologia, que

9

(53)

seriam mais ou menos crípticas para o exterior. Uma vez fei- ta a unificação, será depois possível sistematizar as doenças infecciosas, partindo do geral para o particular, com base em critérios que se julguem relevantes. Então comece-se pelas variáveis e parâmetros que são comuns a quase todos os sistemas epidemiológicos.

Os indivíduos que compõem a população hospedeira são divididos em quatro categorias:

Susceptíveis – categoria que inclui todos os indivídu- os que podem contrair a infecção.

Latentes – inclui os indivíduos que já foram infecta- dos, mas que, ainda, não têm a capacidade de trans- missão.

Infecciosos – indivíduos capazes de transmitir a infec- ção a outros, sejam sintomáticos ou assintomáticos.

Removidos – inclui todos os indivíduos que foram removidos dos três grupos anteriores por qualquer razão, nomeadamente porque adquiriram imunidade ou porque foram isolados.

Estas quatro categorias não têm de estar sempre

todas presentes, quando se considera uma determinada

doença. A categoria de latentes, por exemplo, é frequente-

mente ignorada, quando se pode pressupor que o período

de latência é muito curto ou nulo. Os números absolutos

de indivíduos pertencentes a cada uma destas catego-

rias, são simbolizadas por S = susceptíveis, E = latentes,

I = infecciosos, R = removidos. Admitindo que as quatro

(54)

categorias cobrem de forma exaustiva todos os indivíduos da população,

S + E + I + R = N [9.1]

sendo N o número total de indivíduos na população.

As proporções de indivíduos em cada categoria são repre- sentadas por letras minúsculas s= S/N, e=E/N, i=I/N, r=R/N. A sua soma iguala a unidade:

s + e + i + r = 1

Nos modelos epidemiológicos, é muito frequente

pressupor que N, o efectivo populacional, é aproximada-

mente constante ou, pelo menos, que varia numa escala

temporal muito longa, comparativamente àquela escala em

que decorre o processo epidemiológico em estudo. De um

modo geral, este pressuposto é adequado a muitas popu-

lações de grandes dimensões, como é o caso da população

humana. Contudo, para o estudo de fenómenos epidemioló-

gicos, que decorrem numa escala temporal de muitos anos

numa população em crescimento, pode não ser adequado

pressupor N constante. No caso das populações humanas

dos países desenvolvidos, o pressuposto parece em geral

apropriado. Para populações humanas em países em vias

de desenvolvimento ou para não-humanas com grande va-

riabilidade de efectivo (e.g. artrópodes e populações mari-

nhas) só raramente o pressuposto será apropriado.

(55)

Modelação da transmissão: Contactos, incidência e força de infecção

A capacidade de transmissão do agente patogénico é uma propriedade fundamental das doenças transmissíveis e desempenha um papel crucial na sua dinâmica, por isso, lhe é dedicada uma atenção especial. Considere-se um in- divíduo infeccioso. Durante um certo período de tempo ele estabelece contactos com outros indivíduos da população, sejam eles da fracção S, E, I ou R. Designe-se por contacto efectivo, aquele em que a infecção pode ser transmitida, caso o indivíduo contactado seja susceptível. O adjectivo

«efectivo» serve, portanto, para distinguir entre contactos em que não possa haver contágio (mesmo que o outro in- divíduo seja susceptível) e os que permitem contágio. Nas secções que se seguem, sempre que se utilizar o termo con- tacto, subentende-se que se está a referir a contacto efec- tivo. Evidentemente, pode haver contactos efectivos com susceptíveis, latentes, removidos ou outros infectados. Ape- nas, no caso dos susceptíveis, a infecção será transmitida no momento de contacto.

Designe-se por a o número médio de contactos (efectivos) de um indivíduo infeccioso numa unidade de tempo, por exemplo um dia (as unidades físicas de a são

‘número por unidade de tempo’, ou seja, tempo

-1

). Enten- da-se que a é uma constante característica da infecção, numa dada população, durante um período de tempo re- lativamente longo; a não muda devido a campanhas de vacinação, mas pode mudar devido a mudanças de hábitos

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de higiene pessoal ou saúde pública, mudanças estas que costumam ser lentas.

Como se entende, a refere-se aos contactos do infec- cioso com indivíduos de qualquer categoria (S, E, I, R) da po- pulação. Agora, suponha-se que os indivíduos pertencentes a todas estas categorias estão homogeneamente misturados, os contactos ocorrem aleatoriamente e a população é mui- to grande. Se assim for, a proporção de contactos do infec- cioso, que ocorre com indivíduos susceptíveis, será igual à proporção de susceptíveis na população, isto é, s. O número médio de contactos do infeccioso com susceptíveis por dia será:

a s [9.2]

Se um infectado origina em média as novos infecta- dos por dia, para saber qual é o número total de novos in- fectados diários, isto é a incidência diária da infecção, basta multiplicar as pelo número total de infectados, ou seja I.

Assim, a incidência diária (=número médio de susceptíveis infectados por dia =número de novas infecções por dia), será:

a s I = a SI/N = a i S [9.3]

A quantidade asI é o número de susceptíveis conver- tidos em infectados durante o tempo a que a se refere.

Por outro lado, ai mede a «força» exercida pela infecção

sobre os susceptíveis, visando convertê-los em infectados;

Referências

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