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Capítulo 1 Ensino de Ciências e a História e Filosofia da Ciência

1.2. A História no Ensino de Ciências

É consenso, entre os filósofos contemporâneos, o entendimento de que a visão empírico-indutivista13

não serve como fundamentação epistemológica para a atividade científica contemporânea e a evolução do pensamento científico (MELO; PEDUZZI, 2007). No entanto, esta continua sendo a visão adotada pela maioria dos professores, principalmente aqueles da área das ciências naturais e exatas, que acabam, inclusive, defendendo-a como uma visão de ensino. Ainda inspirados nos trabalhos de Sir Francis Bacon, que propôs a existência do método indutivo para a construção do conhecimento científico, os professores o defendem na educação científica, como a forma de se chegar às “verdades científicas”. Muitos professores das Ciências Naturais, assim como fazia Bacon, defendem a idéia de que qualquer fenômeno físico, estudado através do método científico, não sofre interferência do observador (BORGES, 1991). No entanto, já há muito tempo, os filósofos da ciência não mais defendem essa visão de produção do conhecimento feita com fundamentação em um método científico que se inicia pela observação neutra. Há muito que as idéias de Bacon foram criticadas e rechaçadas. A partir dessas críticas, a maioria dos filósofos contemporâneos rompeu com essa visão de ciência, produzida a partir de passos bem definidos do “Método Científico” e externa à sociedade (Kuhn; Lakatos; Feyerabend e outros). Ocorre que esta imagem, apesar de já mostrada como problemática pela maioria dos filósofos, ainda é largamente disseminada na escola por professores e livros didáticos (EL-HANI; TAVARES; ROCHA, 2004; HARRES, 1999; MELO; PEDUZZI, 2007).

Harres (1999), em um estudo intitulado “uma revisão de pesquisas nas concepções de professores sobre a natureza da ciência e suas implicações para o ensino”, conclui que:

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O empírico-indutiva concebe que o conhecimento se origina numa realidade material e vem de fora para dentro. Os objetos materiais produzem sensações que são captadas pelos nossos sentidos e a partir disto convertidos em conhecimento. Os sujeitos são receptores passivos e devem assim permanecer. Precisam saber aprender a observar os fenômenos de forma objetiva e neutra, sem interferir neles.

(1) professores de ciências (independente do nível de atuação e do tipo de instrumento utilizado para investigá-los) possuem, em geral, CNC14 inadequadas, próximas a uma visão empirico-indutivista; (2) minoritariamente, especialmente quando a pesquisa propicia, pode-se encontrar concepções próximas a uma visão mais contextualizada e menos absolutista da ciência, embora distinta para diferentes aspectos; (3) estratégias para mudança de CNC inadequadas podem ter sucesso se dedicarem atenção especial à História da Ciência ou à sua natureza; (4) tendências homogenizadoras de formação podem explicar que variáveis acadêmicas e de experiência não se relacionam com o nível das CNC dos professores (p. 201).

Qual é a origem dessa concepção de ciência apresentada pelos professores? Certamente não são os escritos de Bacon. Arrisco-me a afirmar que, em boa parte, essa visão provém dos bancos escolares, transmitida e “martelada” nas nossas cabeças desde o Ensino Fundamental até o Ensino Superior. Forma-se então um circulo vicioso: o professor traz essa visão dos bancos escolares e acaba, mesmo sem querer, e na maioria das vezes até indiretamente, transmitindo-a a seus alunos, que por sua vez, no caso de se formarem professores, novamente, os transmitirão a seus alunos, fechando, assim, o círculo. É necessário ainda ressaltar que os livros didáticos, em geral de autoria de professores pertencentes a esse círculo, contribuem, também, para solidificar essa visão empírico-indutivista de ciência.

Para Harres (1999), uma das soluções para barrar esse círculo é, através da formação inicial e continuada, mudar as visões dos professores sobre a Natureza da Ciência, através de estudos de filosofia e história da ciência. No entanto, cabe lembrar que o círculo precisa começar a ser barrado e para isso significa que uma abordagem histórica da ciência, no Ensino Médio (EM), pode ajudar a amenizar o problema. Ao menos, alguns alunos já começam a ser retirados do círculo.

Por um lado, como se mencionou, o livro didático também tem contribuído fortemente para perpetuar uma imagem empírico-indutivista da ciência. Por outro, os currículos também contribuíram de forma decisiva para manter e solidificar essa imagem da ciência.

Apesar das transformações sociais dos últimos 60 anos, que fizeram avanços científicos e tecnológicos influenciarem as estruturas sociais, a cultura e a vida cotidiana de uma maneira que não tem precedentes, os currículos de Ciências praticamente não mudaram, retratando a prática científica como se fosse separada da sociedade, da cultura e da vida cotidiana, e não possuísse uma dimensão histórica e filosófica (EL-HANI; TAVARES; ROCHA, 2004,p.267).

É conhecido que o livro didático, ao acompanhar as tendências curriculares, continua sendo, na maioria das instituições públicas e privadas do país, praticamente o único recurso usado pelos professores de ciências para ensinar. Esses livros, via de regra, enfatizam os resultados da ciência, não discutindo seu funcionamento (Martins, 2006).

Para Martins (2006),

O estudo adequado de alguns episódios históricos permite compreender as interrelações entre ciência, tecnologia e sociedade, mostrando que a ciência não é uma coisa isolada de todas as outras, mas sim faz parte de um desenvolvimento histórico, de uma cultura, de um mundo humano, sofrendo influências e influenciando por sua vez muitos aspectos da sociedade (p.21).

No entanto, nos livros didáticos quase nunca são discutidas essas questões, que são muito importantes para que o aluno possa entender o funcionamento da Ciência. Dificilmente os livros trazem discussões tais como: a forma como as teorias e os conceitos se desenvolvem e como os cientistas trabalham; o contexto da descoberta e o da justificativa; as idéias aceitas no passado e que já não são mais aceitas hoje; e as várias relações entre ciência e política, economia, filosofia e religião, entre o desenvolvimento do pensamento científico e outros desenvolvimentos.