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2 HISTÓRIA E FILOSOFIA DA CIÊNCIA: ENSINO E APRENDIZAGEM

2.1 História e Filosofia da Ciência na educação científica: alcances e limitações

Algumas vantagens são apresentadas na literatura para o uso da história no ensino: (BRUSH, 1974; KAUFFMAN, 1989; LOMBARDI, 1997; MATTHEWS, 1994; SÀNCHEZ-RON, 1988)

™ melhoria da motivação e a possibilidade de trabalhar o conteúdo de modo mais criativo e integrado;

™ humanização da visão de ciência;

™ percepção do caráter dinâmico do conhecimento científico;

™ compreensão da articulação de eventos em determinados períodos da História e contextualização das descobertas;

™ conhecimento de problemas internos à comunidade científica e a valorização de debates científicos;

™ compreensão da gênese de conceitos e teorias.

Muitos educadores reconhecem que a História da Ciência não deve se deter meramente em apresentar conclusões obtidas por cientistas mas, mostrar como estas conclusões foram alcançadas e quais as alternativas existentes nos diferentes períodos. A compreensão da dinâmica da investigação científica pode acontecer através da sua história, incluindo tanto caminhos indutivos quanto dedutivos que são intercambiáveis (BRUSH, 1974; SCWAB, 1962 apud RODRÍGUEZ; NIAZ, 2002).

O conhecimento dos sucessos e insucessos das teorias, as grandes controvérsias científicas e as modificações nas imagens de natureza podem ajudar a esclarecer a provisoriedade dos resultados considerados como verdades absolutas. O papel da comunidade científica envolvida no processo e na validação dos resultados poderão ser evidenciados.

O estudo de controvérsias na História da Ciência é defendido por Freitas (1988), Madras (1955) e Silverman (1992) que consideram este tipo de estudo como capaz de ajudar o estudante a entender a Ciência através das circunstâncias sobre as quais problemas foram reconhecidos, dados acumulados, leis formuladas e teorias propostas. De acordo com Madras, as circunstâncias que determinaram o envolvimento dos cientistas em controvérsias estão intimamente relacionadas com os aspectos experimentais e interpretativos da ciência em um dado ambiente intelectual.

Algumas desvantagens para o maior uso da História no ensino das ciências são também apresentadas na literatura (BRUSH, 1974; LOMBARDI, 1997; SÀNCHEZ-RON, 1988):

™ o não reconhecimento dos diferentes pontos de vista e interesses do cientista e do historiador ;

™ a visão distorcida do passado e da História;

™ a decepção com o comportamento e posturas de alguns cientistas quando se conhece mais profundamente sobre sua história;

™ a complexidade de alguns episódios da História cuja simplificação pode ser muito prejudicial;

™ o uso de preconceitos e uma visão “presentista” para julgar fatos e narrativas históricas;

™ a questão da interpretação envolvendo a subjetividade do historiador no processo de reconstrução.

Muitos argumentos contra o emprego da História da Ciência no ensino questionam a necessidade de simplificação da própria história para fins didáticos, o que é indesejável por distorcer a própria História e diminuir a qualidade do seu conteúdo (BRUSH, 1974; WANDERSEE, 1992; WHITAKER, 1979).

Wandersee (1992), aprofunda a sua crítica introduzindo o conceito de quase- história ou seja, uma história simplificada, reescrita para fins didáticos e sujeita a distorções que podem influenciar nas concepções das ciências de cada professor.

Analisando alguns trabalhos sobre a utilização da história no ensino, Whitaker (1979) concluiu que muitos relatos históricos são elaborados ou com fins pedagógicos ou com objetivo de apoiar a concepção epistemológica do seu autor.

As críticas apresentam em comum dois pontos básicos: a questão da simplificação da história e a interpretação dos fatos históricos ou da sua reconstrução. Em ambas as situações, a subjetividade do autor é um fator determinante, podendo comprometer a qualidade da narrativa.

Embora se reconheça que a escolha do tema a ser discutido pode levar a um inevitável reducionismo, em função das condições reais para se trabalhar com o assunto na dinâmica da sala de aula e no pouco tempo disponível, estas dificuldades podem ser minimizadas se os materiais didáticos utilizados apresentarem “uma história

simplificada, que lance uma luz sobre os conteúdos discutidos e que não seja uma mera caricatura do processo histórico” (MATTHEWS, 1995, p.164). Este autor

reconhece que a simplificação deve considerar a faixa etária dos alunos e as especificidades do currículo de cada situação. Neste processo estão em questão também a visão de mundo do professor e as suas concepções de ciência, de ensino, etc. Argumentando sobre a importância da utilização pedagógica da História da Ciência, Matthews (1995) apresentou o seguinte comentário:

[...] O problema hermenêutico de interpretação na história, longe de dificultar ou impedir o uso da história, pode tornar-se uma boa ocasião para que os alunos sejam apresentados a importantes questões de como lemos textos e interpretamos os fatos, isto é, ao complexo problema do significado: a partir de seu dia a dia, os alunos sabem que pessoas vêem as coisas de forma diferente; portanto, a história da ciência constitui- se num veículo natural para se demonstrar como esta subjetividade afeta a própria ciência (MATTHEWS, 1994, p. 177).

Pesquisando sobre o uso da dimensão histórica, epistemológica e sociológica na educação em ciência em quarenta países, Wang e Schmidt (2001) concluíram que a inclusão destas dimensões no ensino não resultaram necessariamente num melhor rendimento relativo à aprendizagem dos conteúdos específicos. Estes pesquisadores

consideram que um maior conteúdo de História, Filosofia e Sociologia das Ciências na preparação e aperfeiçoamento do professor das ciências pode ser o meio para realçar a alfabetização científica dos alunos. Este estudo também revelou que as abordagens para a inclusão destas dimensões podem ser diferentes, não existindo um único meio de melhorar a qualidade da educação científica, considerando-se inclusive as diferenças culturais existentes em cada país.

A contribuição da História da Física para a Educação em Física também foi investigada por Seroglou e Koumaras (2001) ao longo do século XX. Estes pesquisadores constataram um gradual deslocamento no foco de interesse das pesquisas da dimensão cognitiva para a metacognitiva a partir de 1965. Este fato foi relacionado com uma maior valorização da natureza da ciência e do relacionamento entre a ciência e a sociedade através da inclusão de estudos da História da Física no ensino. Estes estudos contribuíram para o desenvolvimento de habilidades metacognitivas nos estudantes.

Segundo Wandersee (1992), além da inadequada formação profissional, em alguns trabalhos tem sido apontada uma dificuldade técnica para inclusão de um maior conteúdo de História, Filosofia e Sociologia da Ciência no ensino: o maior tempo necessário para uma abordagem neste contexto. Muitos professores reconhecem a importância de ajudar o aluno a compreender os mecanismos de produção e funcionamento da ciência, embora encontrem dificuldades em conciliar estas dimensões com o grande conteúdo a ser ensinado e a pouca atenção dispensada a estes conteúdos nos livros didáticos.

Algumas alternativas podem ser viabilizadas para superar essas dificuldades. Uma possibilidade envolve o processo de seleção cultural do conhecimento escolar

através de investigações que articulem a Didática, a História e a Filosofia da Ciência. Neste caso, deve-se buscar o necessário redimensionamento dos temas que são incluídos de modo acrítico nos currículos (ASTOLFI; DEVELAY, 1995; WORTMANN, 1996). Outra opção pode acontecer com o desenvolvimento de materiais didáticos apropriados que estabeleçam uma rede de relações conceituais, indispensável à compreensão de conceitos científicos estruturantes. As análises históricas e filosóficas podem possibilitar a identificação de “conceitos estruturantes” que “permitiram e

impulsionaram a transformação de uma ciência, a elaboração de novas teorias, a utilização de novos métodos e novos instrumentos conceituais” (GAGLIARDI 1988,

p.291).