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História do Futuro de Pe António Vieira

No documento A utopia na história do petrólio (páginas 32-34)

2.4 Importância da energia e do petróleo em obras utópicas

2.4.5 História do Futuro de Pe António Vieira

Embora editada em 1718,86 a História do Futuro começou a ser escrita pelo Pe. António Vieira a partir de 1649. Fundamentalmente, projecta a formação dum reino divino na Terra que ficará conhecido como o Quinto Império,87 sucedendo assim aos impérios Assírio, Persa, Grego e Romano.88 Reflectindo a sua preocupação pelo futuro

82 Cf. «[…] temos calor de estrumes, dos ventres e mandíbulas de seres vivos, e de seu sangue e corpos;

[…]», Idem, ibidem.

83 Idem, ibidem. 84 Idem, ibidem. 85 Idem, ibidem.

86 Cf. «[…] edição princeps de 1718», Padre António Vieira, História do Futuro e Voz de Deus ao Mundo,

a Portugal e à Baia, Direcção José Eduardo Franco, Pedro Calafate, Lisboa, Temas e Debates, 2015, p. 30.

87 Cf. «É conclusão certa e de fé que este Quinto Império de que falamos, anunciado e prometido pelos

profetas, é o Império de Cristo e dos cristãos», Idem, ibidem, p. 457.

88 Cf. «Em respeito pois e suposição destes 4 impérios, chamamos Império Quinto ao novo e futuro que

31 de Portugal, Vieira junta a sua profecia sobre este império a um objectivo político, ao proclamá-lo como o Império Português. Seria um Reino de Deus estabelecido sobre uma união perfeita entre todos os reinos do mundo, cujos povos e nações viveriam sem guerras e em paz duradoura.89 Este Quinto Império era promovido por dois Imperadores: o Sumo Pontífice como Imperador Espiritual e o Rei de Portugal como Imperador Temporal. Esta posição foi logo atribuída a D. João IV90 – rei de Portugal nessa época – porque para Vieira não havia vazio no tempo. Doutra forma: considerando a urgência no cumprimento das metas deste projecto, Vieira identifica, imediatamente, o cenário plausível e os protagonistas do Quinto Império. Ou seja, a consistência assumida nos seus ideais e a fé para a sua realização, foram os principais factores que o ajudaram a vencer a escala normal do tempo.

Era como se a falta de rapidez na execução da acção atraísse Vieira para a inquietação, como se evidencia com a transfiguração do lugar do Paraíso em Inferno num trecho do Livro Anteprimeiro da História do Futuro: «[…] porque o que se não pode dar logo, não se há de prometer. […] Tais são as esperanças dilatadas; se nelas se promete a vida, são morte; […] se nelas se promete o Paraíso, são Inferno. E porquê? Porque era um lugar onde se esperava tantos anos pelo Paraíso».91 Neste trecho, Vieira identifica a ansiedade causada pelo tempo de espera como uma possibilidade para a passagem do Paraíso ao Inferno. Para este autor, “tantos anos” de espera pelo Paraíso inalcançado já constitui, em si, um Inferno. Tal como mencionado anteriormente em 2.1, a impossibilidade em atingir o objectivo utópico planeado vai gerar um clima de frustração e desespero que motiva o aparecimento da anti-utopia.

Numa outra vertente, as actividades desenvolvidas por Vieira orientam-se na procura de equilíbrios como é exemplo a sua defesa dos índios, o seu abeiramento para com os judeus ou o elo criado entre a Europa e o Brasil. Paulo de Assunção no ensaio O

Pensamento Económico do António Vieira refere a este propósito:

Vieira é defensor de uma política de equilíbrio e neste sentido demonstra ser um verdadeiro jesuíta. […]. Na lógica do seu discurso o que define a acção era a busca do equilíbrio. Todos os esforços deveriam ser empreendidos para que isto acontecesse, pois

sucessão em que o romano se seguiu ao grego, o grego ao persa e o persa ao assírio.», Idem, ibidem, pp. 435-436.

89 Cf. «[…] o Império de Cristo é juntamente espiritual e temporal, e que segundo estas duas jurisdições,

ambas supremas, se compõe a coroa de Cristo de duas coroas: uma coroa universal Senhor e legislador in

spiritalibus, […] e outra coroa de universal Senhor e legislador in temporalibus» Idem, ibidem, p. 526.

90 Sobre este tema ver “Livro 7º. Pessoa que será o Primeiro Imperador Instrumento Temporal do Dito

Império”, Cf. Idem, ibidem, p. 577.

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tal como um corpo, cada um dos órgãos teriam a sua função para manter o organismo vivo, ou seja, equilibrado.92

Procuraram-se, então, encontrar na História do Futuro referências relacionadas com o equilíbrio entre a Natureza e o homem, tema a ser desenvolvido em 3.7. desta dissertação. O afastamento da preocupação sobre a envolvente ecológica das actividades antropogénicas na época de Vieira, justifica o vazio na recolha de quaisquer dados sobre este assunto.

Resultado idêntico se verificou quando se procurou, nesta obra, referências relacionadas com a energia no significado que hoje se atribui a este vocábulo. A ausência encontrada nesta pesquisa, deve-se a que o significado actual para “energia” não era conhecido na época de Vieira. Contudo, a palavra “energia” aparece várias vezes citada na História do Futuro,93 mas com outro sentido: ligado à “força” do discurso, ou seja, dirigido à “energia da palavra”. Por exemplo, num trecho relativo à criação do mundo por Deus e ao aparecimento da terra, Vieira refere-se à “energia da palavra latina praeparavit” no modo seguinte:

[…] E porque é Senhor da terra? Porque a fundou e é Senhor de seus habitadores, porque, fazendo que fosse superior ao mar e aos rios, a fez habitável.94 Essa é a energia da palavra:

praeparavit, porque, fazendo a terra superior à água, a preparou e acomodou a que se

pudesse habitar.95

Em conclusão, exceptuando os casos em que o vocábulo “energia” é citado com o sentido anteriormente explicado, nesta obra de Vieira não foram encontradas referências ao uso, manuseio ou produção de energia, tal como hoje este conceito é entendido.

2.4.6 Lettres persanes de Montesquieu

Esta obra é formada por cem cartas escritas por um persa de visita a Paris e enviadas para a sua terra natal, provocando as respostas dos destinatários residentes na Pérsia. Deste modo, o autor mostra o choque existente entre as culturas das duas sociedades nos seus aspectos sociais, morais e organizacionais. Nas Lettres persanes,

92 Paulo de Assunção, “O Pensamento Económico do António Vieira: um mar de pensamentos na busca

de soluções para Portugal” in Entre a Selva e a Corte: Novos Olhares sobre Vieira, José Eduardo Franco (coord.), Lisboa, Esfera do Caos, Lda., 2009, p. 193.

93 Padre António Vieira, op. cit., pp. 152, 156, 183, 184, 186, 195 e 552.

94 Cf. texto completo: «Domini est terra et plenitudo ejus, orbis terrarum et universi qui habitant in eo; quia

ipse super maria fundavit eam, et super flumina praeparavit eam» in Padre António Vieira, op. cit., p. 183 (sublinhado meu).

No documento A utopia na história do petrólio (páginas 32-34)