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Ligação do gás natural ao petróleo

No documento A utopia na história do petrólio (páginas 62-65)

No período inicial da exploração do petróleo, o gás associado produzido era considerado um by-product, sem qualquer valor comercial, sendo queimado nas flares243 existentes nos campos de produção. Neste período da história do petróleo não existiam ainda campos de exploração de gás. Com a importância crescente da energia na sociedade, a que não foi alheio o aumento do seu valor económico, o gás natural passou a ser aproveitado como fonte energética a partir da segunda metade do século XX.

241 Cf. «In London in 1900, an estimated 300,000 horses pulled cabs and omnibuses, as well as carts, drays

and haywains, leaving a swamp of manure in their wake. The citizens of New York, which was home to 100,000 horses, suffered the same blight; […] By 1912 cars in New York outnumbered horses, and in 1917 the last horse-drawn streetcar was retired in Manhattan. It marked the moment wnhen oil came of age. » in Gordon Ballard et all., “Breaking the habit – Special Report Oil” in The Economist, vol. 421, Number 9017, 2016, p. 3.

242 International Energy Agency, World Energy Outlook 2014, Paris, International Energy Agency, 2014,

p. 56, http://www.worldenergyoutlook.org/weo2014 (consultado a 8 Novembro 2015).

243 Pode ser traduzido para português como “fachos”; são sistemas industriais localizados nas saídas das

chaminés para onde foram conduzidos os gases inflamáveis produzidos na unidade industrial que devem ser queimados por razões de segurança.

61 O gás natural é formado por uma mistura de hidrocarbonetos gasosos nas condições normais de pressão e temperatura do meio ambiente. Existem reservatórios de gás natural no subsolo que permitem a extracção deste produto directamente para a superfície usando sistemas convencionais de produção. Quando esta extracção é feita juntamente com pequenas quantidades de líquidos, estes são separados em unidades de tratamento de superfície e, à componente gasosa assim obtida, chama-se dry gas, reconhecido, na nossa língua, como gás natural. É sob esta forma “dry” que a maior parte do gás natural é produzido a partir dos reservatórios de gás descobertos na Terra, embora, em menor escala, também possa existir produção de gás natural em simutâneo com a extracção do petróleo. Neste segundo caso, quando o petróleo chega à superfície da Terra, a mistura de hidrocarbonetos separa-se em duas fases e o produto gasoso multicomponente então formado é conhecido como gás associado. Este, após tratamento adequado, pode ser comercializado como gás natural. Dum modo geral, a produção do petróleo é uma operação que está associada à produção de gás natural que, nos primeiros tempos desta indústria, era completamente queimado à saída dos poços, atendendo à enorme dificuldade do seu transporte até aos centros consumidores.

A partir de meados do século XX, com as convulsões ligadas à subida do preço de petróleo e ao aumento das necessidades energéticas requeridas pelo desenvolvimento civilizacional, o gás natural começou a ter valor económico e a sua utilização como combustível passou a ser viável. Nesta perspectiva, o gás constitui uma forma de energia capaz de substituir o petróleo ou o carvão para a produção de electricidade, com a vantagem de ser um combustível cuja queima origina efluentes gasosos menos poluentes que os do petróleo ou do carvão. Por outro lado, enquanto a produção de petróleo está concentrada em determinadas regiões do globo, o gás natural pode ser economicamente produzido num maior número de regiões, permitindo que haja um maior número de países com jazidas de gás natural,244 comparativamente ao número de países produtores de petróleo. Este facto poderia permitir um maior equilíbrio nas relações entre produtores e consumidores de gás, mas as variações bruscas do preço do petróleo bruto, ao qual aparece indexado o preço do gás natural, nunca permitiram uma estabilização nos preços de gás natural.

Também cedo se compreendeu que o conjunto das vantagens do gás natural em relação ao petróleo não era indiscutível; o transporte do gás natural dos países produtores

244 O gás natural tem as suas reservas dispostas numa geografia mais dispersa e apenas 1/3 das reservas

62 para os mercados consumidores exige maiores investimentos, por se tratar do transporte dum material gasoso e por percorrer distâncias enormes. O seu transporte por terra implica a construção duma rede de tubagens, cujos investimentos elevados obrigam a períodos prolongados de utilização para serem amortizados. Mais, esta solução amarra o consumidor a uma fonte única de abastecimento, reduzindo-lhe a possibilidade de recorrer a outros fornecedores. Sendo o gás forçado a percorrer grandes distâncias até chegar aos consumidores, outro desafio aparece: o acordo sobre o direito de passagem nos países atravessados pelas tubagens de transporte, obrigando a difíceis negociações políticas, que muitas vezes não são duradouras.245

O transporte de gás por mar, além de exigir maior complexidade técnica operacional, também obriga à necessidade de maior volumetria nos navios de transporte, em comparação com os navios de transporte de líquidos, como é o caso do petróleo.

Procurando outra forma de transporte do gás natural, foram desenvolvidas técnicas para a sua movimentação em fase liquefeita (LNG246) por via marítima, directamente do fornecedor (terminal de liquefacção) até ao porto do país consumidor. Economicamente, o forte investimento envolvido neste processo de transporte por mar não anulou o transporte por meio de tubagens em terra, pois este requer investimentos comparativamente inferiores. No fim do século XX, o balanço dos volumes transferidos indica que o gás transportado no estado liquefeito representava uma pequena fracção do gás consumido, embora se espere um forte crescimento deste tipo de movimentação num futuro próximo.247

O gás natural surgiu como uma esperança para a prosperidade da sociedade, tentando contribuir para a melhoria da qualidade de vida do homem, mas a visão utópica desse lugar óptimo, mostra, ao mesmo tempo, a impossibilidade em chegar até lá, criando- se a anti-utopia. Desfazendo esperanças iniciais, este terceiro combustível fóssil – gás natural – continuará ligado ao petróleo, quer como associado ao seu processo de extracção, quer como alternativa energética à sua utilização final. A esperada evolução

245 Como exemplo, o diferendo Rússia-Ucrânia de 2006 mostra o grau das tensões atingidas sobre

pagamentos e fornecimento de gás natural.

246 Liquefied Natural Gas.

247 Os EUA prevêem tornarem-se exportadores de gás natural, atingindo em 2050 o valor aproximado total

de 9 Tcf (triliões de pés cúbicos), sendo cerca de 5 Tcf na forma de LNG. Cf. United States Energy Information Administration, Annual Energy Outlook 2018 With Projections to 2050, Washington, U. S. Energy Information Administration-Office of Energy Analysis-U.S. Department of Energy, 2018, p. 73, https://www.eia.gov/outlooks/aeo/pdf/AEO2018.pdf (consultado a 7 Março 2018).

63 de técnicas novas na operação com o gás,248 vai fazer renascer, de novo, a utopia da utilização do gás no século XXI, que lhe permitirá assumir uma autonomia própria e independência em relação ao petróleo.

No documento A utopia na história do petrólio (páginas 62-65)