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A fundação de Santa Maria, em um amplo sentido, decorreu de uma discórdia

(presente na raiz histórica – colonização/ocupação) dentre muitas reinantes entre portugueses

e espanhóis, irrompida definitivamente em 1797. Institui-se a partir do acampamento da 2ª

Subdivisão Demarcadora de Limites, pertencente à Coroa Portuguesa que, juntamente com

idêntica comissão espanhola, estava em campo para providenciar a demarcação dos territórios

luso e castelhano, em decorrência do Tratado Preliminar de Restituições Recíprocas,

assinado entre aqueles reinos em 1º de outubro de 1717, concluído em 1777, e que teve

começo com as respectivas comissões demarcadoras nomeadas e em campo, em 1784. A

finalidade prática dessas comissões foi a demarcação dos limites entre os domínios da Espanha e

o Sul do Brasil, “restituindo, amigavelmente, uma nação à outra, tudo aquilo que por força das

armas, indevidamente, houvesse sido arrebatado em guerras passadas”

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O fato de a 2ª Subdivisão de Demarcação de Limites da Coroa Portuguesa

estabelecer-se aos pés da serra geral, no que hoje se encontra o centro da cidade, deveu-se à

abrupta finalização das atividades demarcatórias de portugueses e espanhóis, por conta da

retirada destes para seus domínios, quando já se encontravam na região hoje pertencente a

Santo Ângelo. As mútuas queixas e acusações de má-fé encaminharam a missão bilateral a

um fim tragicômico na opinião de Belém

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, sendo vários os documentos oficiais que o

Arquivo Histórico Nacional guarda em seus livros, das cartas e ofícios daquela época –

referendando, por assim dizer, a sempre reinante animosidade entre os dois países.

Assim ocorrendo – e por precaução – os portugueses foram orientados a retroceder

para seus domínios guarnecidos, ou seja, o local por onde executaram seus últimos trabalhos:

um acampamento montado a 15 ou 16 de abril de 1787, próximo aos arroios Santa Maria e

dos Ferreiros que originavam o rio Arenal ou Bacacahy-Mirim, pois,

Conforme determinação do Governador Sebastião Xavier da Câmara, a Partida da 2ª Subdivisão ao mando do coronel Francisco João Roscio, a qual se achava em Santo Ângelo, retrocedeu até o Arroio dos Ferreiros, fazendo aí ponto central para escolher, dentro de um raio de duas a três léguas, sítio apropriado para seu acampamento.

E o local escolhido, então, foi a colina onde, hoje, assenta-se a cidade de Santa Maria. Em novembro de 1797, chegou a expedição ao ponto referido, surgindo, como por encanto, do seio da floresta virgem, a povoação de Santa Maria, sem Boca do Monte, apêndice que só mais tarde lhe foi adicionado.

Surgiu, como por encanto, porque devendo nesse sítio permanecer por muito tempo a 2ª Subdivisão a fim de concluir os trabalhos de gabinete relativos à Demarcação procedida, imediatamente ordens foram dadas para a derrubada da floresta no cimo do outeiro, levantando-se em seguida o quartel para a tropa, o escritório para a comissão técnica, os ranchos para os oficiais, e a indispensável Capela em obediência à vontade soberana decorrente do espírito religioso da época.73

Foi a partir daquelas pessoas que constituíram o acampamento da 2ª Subdivisão

Demarcadora, em torno de 100, segundo Belém

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, é que gradativamente o lugar se expandiu

até a extinção desta “partida” militar em 1801, quando, então, Santa Maria deixou de ser

acampamento para se tornar uma povoação. Juntamente com a desconstituição da 2ª

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BELÉM, João. História do Município de Santa Maria 1797-1933. 3. ed. Santa Maria: Ed. da UFSM, 2000. p. 21.

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Idem p.30-31

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Subdivisão Demarcadora, foi extinta a Capela, pelo que os moradores remanescentes

constituíram os oratórios em determinadas localidades, onde os ofícios religiosos e,

principalmente, os batizados e casamentos eram realizados. A situação perdurou até 1810,

quando a população passa a reivindicar das autoridades eclesiásticas a provisão de uma capela

curada – até porque o “governo” espiritual estava sediado em Cachoeira (atual município de

Cachoeira do Sul).

Então, a 27 de julho de 1812, por provisão assinada pelo senhor Agostinho José

Mendes dos Reis, visitador-geral das igrejas, capelas e oratórios do sul do bispado do Rio de

Janeiro, é instituído o Curato da Capela de Santa Maria da Boca do Monte, emancipada da

Freguesia de Cachoeira do Sul. Assim, a povoação tem atendidas as suas necessidades

espirituais, sem esquecer que a Capela instituída já nasce com patrimônio próprio pela doação

de terras numa extensão de mais de meia légua de sesmaria. Por este ato de natureza

eclesiástica o acampamento de Santa Maria passa à condição de povoação, provido de sua

capela, ao que a historiografia caracteriza como a própria fundação da povoação, que só mais

tarde, em 1837, passa à condição de Freguesia, pela Lei provincial nº 6, de 17 de novembro.

Passados vinte anos, em 16 de dezembro de 1857 a Freguesia de Santa Maria da Boca

do Monte é elevada à categoria de vila (Lei Provincial nº 400), sendo que em 17 de maio do

ano seguinte é instalado o município, com uma população de 2.905 habitantes, de um total de

285.444 habitantes em toda a província do Rio Grande do Sul, conforme relata Belém

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.

O início da povoação foi descrito da seguinte forma:

Pequenos comerciantes para aqui vieram, estabelecendo-se com vendas, para fornecimento de fumo, aguardente e outras mercadorias; cultivadores das vizinhanças aí construíram palhoças, para se abrigarem nos dias em que viessem assistir missas. A guarda foi retirada, os comissários passaram para outros lugares, mas a aldeia subsistiu com o nome de Acampamento de Santa Maria. Entretanto ela aumentou pouco a pouco, os habitantes obtiveram permissão para construir uma capela dependente da paróquia de Cachoeira e, no momento, pleiteiam torná-la sede de paróquia autônoma. Esta aldeia, geralmente chamada Capela de Santa Maria, situa-se em posição bucólica, a meio quarto de légua da Serra. É construída sobre colina muito irregular. De um lado, avista-se alegre planície, cheia de pastagens e bosquetes e do outro lado a vista é limitada por montanhas cobertas de espessas e sombrias florestas. A aldeia compõem-se atualmente de 30 casas, que formam um

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Idem p. 32.

par de ruas [atuais ruas do Acampamento e Dr. Bozano], onde existem várias lojas, muito bem montadas. A capela, muito pequena, fica numa praça, ainda em projeto. Nos arredores de Santa Maria existem muitos estancieiros, os quais além da criação de gado, dedicam-se à agricultura. Os produtos da lavoura são consumidos aqui mesmo. Todavia são exportadas pequenas quantidades para a Capela de Alegrete, onde os proprietários, tendo quase os mesmos hábitos dos gaúchos, ainda não se dedicam à agricultura.76

O desenvolvimento econômico não era ainda um traço marcante na recém instalada

Vila, porque o Rio Grande do Sul ainda convalescia das enormes perdas patrimoniais e

produtivas decorrentes da Revolução Farroupilha, com interrupção dos serviços de campo e

inatividade da lavoura por 10 anos (1835-1845), e, portanto, quando se instituía a Vila haviam

decorrido apenas 13 anos da assinatura da paz entre farroupilhas e imperiais, de modo que:

A sede da povoação, que tinha 160 casas de moradia, em 1835, poderia ter duplicado; entretanto, não acrescera mais que 60, tendo apenas 220 quando a freguesia foi elevada à categoria de vila.

O comércio, porém, era um milagre germânico.

Os alemães que dele se apoderaram no momento crítico que atravessou a povoação, agora, desafogados, donos da terra, comercialmente falando, ampliaram seus estabelecimentos [...] 77

A característica que se vislumbra é a da manutenção dos elementos produtivos

clássicos do Rio Grande do Sul, quais sejam, a pecuária em distinta posição seguida da

atividade agrícola (lavoura) num patamar menos significativo, acompanhado por um

incipiente e florescente comércio local detido pelo povo germânico, sendo que as famílias de

imigrantes que se instalaram em Santa Maria influenciaram a cultura e economia local.

Interessante frisar que a inserção de alemães na Vila de Santa Maria dá-se por dois

fatos: primeiro, a recente imigração de alemães para o sul do Brasil, estabelecendo-se, entre

outros, no Vale do Rio dos Sinos e do Taquari, que face a algumas dificuldades acabaram

dispersando-se por outras regiões. O outro fato indica que em 1828 esteve acantonado em

Santa Maria o 28º Batalhão de Alemães, tropas que se instituíram pelo Império, as quais

foram dissolvidas em 1831. Alguns de seus integrantes retornaram à Alemanha, porém, vários

permaneceram em solo brasileiro. E dentre estes, alguns resolveram estabelecer-se em Santa

Maria, dando origem a alguns empreendimentos distanciados da atividade pecuária e agrícola,

como comércio, prestação de serviços e construção civil. E as atividades mantiveram-se,

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MARCHIORI, José Newton Cardoso e NOAL FILHO, Valter Antonio. Santa Maria: Relatos e Impressões de Viagem. Seleção, Introdução e Comentários. Santa Maria. Ed. da UFSM, 1997. p. 26.

apesar do conflito farroupilha, porque, no dizer de Belém

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, os germânicos estavam isentos

junto às facções em combate, e essa neutralidade permitiu-lhes manter seus negócios durante

o período do conflito regional.

Em 1876, a Vila é elevada à categoria de cidade. A elevação à categoria de cidade

deu-se, segundo Belém, pelo volume de recursos arrecadados na Vila, a título de impostos. O

regime republicano se instala no Brasil, a seguir, sem modificar fortemente o natural

andamento de Santa Maria, porque, naquela época, o desenvolvimento econômico e sócio-

cultural experimentado era de tal modo efetivo que a alteração política substancial não deixou

marcas profundas no município. Aliás, Belém

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assevera que a Câmara Municipal aderiu à

República já em 26 de dezembro de 1889, período em que a renda tributária anual do

município já atingia mais de 15 contos de réis. O que o historiador cita com mais ênfase para

o início do período republicano é justamente a remodelação dos serviços públicos que o novo

regime propunha, sob a direção das juntas governativas, até a nomeação do primeiro

Intendente Municipal, em 1º de setembro de 1892, a partir de quando muitos projetos de

melhorias da sede do município passaram a ser desenvolvidos na área de abastecimento e

saneamento, além da educação pública, iluminação elétrica, entre tantas outras que passavam

a constituir necessidades crescentes de uma cidade que avolumava sua importância no cenário

gaúcho, mercê da implementação de um vigoroso sistema ferroviário estadual, cujo

“quilômetro zero” estava, justamente, em Santa Maria, como elemento estratégico não só ao

sistema de transporte em geral, mas, principalmente, para o deslocamento de tropas militares.