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Histórias infantis e matemática: Estudos que investigam o professor em exercício

FORMAÇÃO DE PROFESSORES

2. A ACIEPE HISTÓRIAS INFANTIS E MATEMÁTICA NAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

2.2. Histórias infantis e matemática: Estudos que investigam o professor em exercício

Neste item apresentam-se os estudos que enfocaram o processo de aprendizagem percorrido por professores em exercício ao produzirem livros infantis com conteúdos matemáticos.

Oliveira e Passos (2008) investigaram quarenta professores que realizaram, no 2º semestre de 2005, um curso de formação continuada, desenvolvido de modo semelhante a ACIEPE, que fazia parte de um programa da política da rede de ensino do Estado de São Paulo de capacitação de professores denominado Teia do Saber.

Esse curso foi dividido em dois módulos: “Práticas de Leitura na Escola: ler para aprender e comunicar aos outros” e “A produção de livros infantis com conteúdo matemático”, que envolveram estudos teóricos e debates sobre a temática, implementação de práticas de ensino de livros infantis disponíveis nas bibliotecas das escolas com posterior análise das mesmas e a construção de materiais didáticos, que se configuraram como livros infantis com conteúdo matemático. Totalizando a elaboração de 16 livros infantis que abordaram os seguintes conteúdos matemáticos: frações, simetria, formas geométricas, contagem, seqüência e sistema monetário.

De acordo com as autoras foram utilizados os seguintes procedimentos para a produção de livros infantis:

Levantamento bibliográfico de produções literárias infantis da escola e análise de suas características;

Estudo da fundamentação teórica da proposta;

Escolha de um conteúdo matemático para ser abordado e do enredo da história infantil explicando a sua pertinência no Ensino Fundamental;

Apresentação da proposta do grupo para toda a turma, com análise e discussões a respeito da sua relevância e possibilidades de execução;

Estudo e análise da linguagem adequada para a criação dos textos em que os conteúdos matemáticos seriam integrados às histórias infantis;

Criação de ilustrações para o livro e apresentação de um esboço do livro; Realização de pareceres sobre o esboço apresentado por colegas; Discussão dos pareceres e elaboração da 2ª versão do livro;

Apresentação do conjunto de livros produzidos em um seminário ao final do curso; Elaboração de um plano de atividades para a aplicação da obra em sala de aula. (p. 325 – 326).

Na investigação realizada, Oliveira e Passos (2008) destacam as dificuldades apresentadas por esses professores ao elaborarem os livros e as aprendizagens dos mesmos. Evidenciaram-se dificuldades dos professores em compreenderem o conteúdo matemático e a forma de abordá-lo nos livros. As aprendizagens envolveram diferentes dimensões como: o conteúdo específico, as estratégias de ensino, as formas de avaliar os alunos, abordar temas variados nas aulas, como por exemplo, inclusão, multiculturalismo, internet, higiene entre outros.

As autoras também verificaram quais foram as fontes dessas aprendizagens docentes, ou seja, quais situações, quais contextos proporcionaram as aprendizagens: (1) reflexão sobre a prática partilhada no grupo colaborativo; (2) busca por aprender os conteúdos matemáticos abordados nos livros e a forma como poderiam ser abordados; (3) participação em uma tarefa que envolvia a interdisciplinaridade e a ação criativa (construção de um livro). Sobre isso as autoras afirmam que

O redimensionamento do conhecimento profissional em relação a conteúdos, estratégias de ensino e de avaliação foi possível mediante a combinação de fatores como a reflexão sobre a prática partilhada no grupo, que, em diferentes momentos, estimulou os depoimentos, acatou as diferentes opiniões, referendou posicionamentos e escolhas, aplaudiu conquistas etc. [...] O fato de precisarem construir um livro que tivesse conteúdo matemático os levou a: pesquisar, adquirir novos conhecimentos, buscar na interlocução com os pares as definições de enredo, personagens etc., negociar a escolha do conteúdo matemático que trouxesse mais resultados, tendo como referência sua prática em sala de aula e seus alunos. As tentativas de aproximar diferentes áreas em um trabalho interdisciplinar, além do acesso a outros conteúdos culturais, a atitudes e valores apontam também possibilidades promissoras de mudanças na prática. O desenvolvimento profissional dos professores depende de investimento pessoal, e os dados indicam sucesso na mobilização dos participantes para essas ações e satisfação pelos resultados alcançados (OLIVEIRA e PASSOS, 2008, p. 328-329).

Deste modo, constata-se que a elaboração de livros infantis em um contexto de um grupo com características de trabalho colaborativo pode proporcionar que o docente pesquise e adquira conhecimentos e compartilhe com os pares suas dúvidas e suas experiências, gerando uma interlocução entre os docentes que auxilia na elaboração do livro, definindo enredos, personagens, modos de abordar a linguagem matemática e a língua materna, diferentes formas de abordar um conteúdo específico, entre outros elementos.

Em suma, de acordo com as autoras a elaboração de materiais pelos professores

[...] deve ser concebida como etapa fundamental para a consecução dos objetivos educacionais que têm como horizonte a autonomia, o espírito crítico e a solidariedade - na medida em que envolve grupos de professores refletindo e atuando conjuntamente para propor soluções inovadoras para os desafios da nossa escola tão necessitada de espírito criador e de vivências em grupos colaborativos neste século (OLIVEIRA e PASSOS, 2008, p. 329).

Souza, R. D. (2008) desenvolveu uma pesquisa de mestrado que envolveu o mesmo curso investigado por Passos e Oliveira (2008), porém ao contrário dessas autoras, que analisaram o desenvolvimento de todos os participantes no decorrer do curso, Souza, R. D. (2008) configurou sua pesquisa como um estudo de caso de dois livros elaborados.

A autora buscou investigar como se caracterizam as aprendizagens da docência relacionadas ao conteúdo matemático e ao ensino deste conteúdo que ocorrem durante a participação em um processo formativo voltado para a construção de histórias infantis para ensinar matemática. A metodologia de pesquisa se configurou com o estudo de caso sobre a elaboração de dois livros: “Viagem ao Egito” e “O Uso da Geometria”. Para tanto Souza, R. D. (2008) analisou seu diário de campo elaborado no decorrer do curso, as atividades desenvolvidas pelos docentes e as entrevistas realizadas após o término do curso.

De acordo com a autora, as professoras estranharam a princípio a proposta de elaborar um livro infantil com conteúdo matemático, algumas, inclusive, questionaram a própria capacidade para realizar essa atividade. Contudo, esse estranhamento inicial foi superado e o curso proporcionou diversas aprendizagens que enriqueceram a base de conhecimento para o ensino dessas professoras.

Segundo a autora, ao realizarem o curso as professoras desenvolveram uma observação

[...] mais cuidadosa para as produções encontradas na biblioteca da escola em que trabalham; à identificação da Matemática e de outras áreas o conhecimento nesses livros; à percepção da possibilidade de utilização desses materiais no ensino e na aprendizagem, mesmo que o livro não apresente tal intenção declarada e à percepção da possibilidade de criação dos seus próprios materiais curriculares, demonstrando o protagonismo dessas docentes (SOUZA, R. D., 2008, p. 229).

Ou seja, o curso possibilitou que essas professoras desenvolvessem uma atitude de pesquisa diante de livros paradidáticos, identificando conteúdos específicos (seja de matemática ou de outras áreas do conhecimento) nesses livros e compreendessem que é possível criar seus próprios materiais a serem utilizados nas aulas. Esse “novo olhar” também foi direcionado para os livros didáticos, algumas professoras relataram que a partir do curso desenvolveram uma leitura mais crítica desse tipo de material.

Essas professoras, mesmo que muitas vezes ficassem inseguras e hesitantes frente aos conceitos matemáticos, perceberam a importância de pesquisar os conteúdos matemáticos e os modos como eles podem ser ensinados.

Apesar de não ser um dos objetivos do curso, ele permitiu também que as professoras aprofundassem seus conhecimentos sobre como o aluno aprende e como o docente avalia esse aluno. Assim como possibilitou realizar reflexões a propósito das necessidades dos alunos e definir metas e objetivos que proporcionem as aprendizagens dos mesmos.

Souza, R. D. (2008) afirma que o processo de elaboração do livro infantil foi a fonte primordial para as aprendizagens mencionadas anteriormente.

Destacando especialmente o processo de produção do livro, verificamos que a partir dele algumas professoras refletiram sobre parte do raciocínio pedagógico e sua ação quando perceberam que seria importante incluir com mais freqüência em sua prática docente o planejamento das aulas, envolvendo pesquisas sobre o conteúdo e seu ensino. A professora Márcia relatou que em muitos momentos o livro didático pode acomodar o professor. O processo de construção do livro infantil também desenvolveu conhecimentos sobre como o aluno aprende e como o professor o avalia e, também, como corrigir os erros nesse processo (ibid., p. 231).

Esse processo de construção do livro infantil também proporcionou conhecimentos específicos sobre determinados conteúdos.

De acordo com a autora, os momentos do curso destinados à correção dos livros elaborados foram importantes para o processo de aprendizagem das professas, pois em alguns casos essas correções e posterior re-escrita dos textos se configuraram como uma oportunidade de reflexão sobre o ensino e a aprendizagem, porém para algumas professoras esse processo gerou insegurança principalmente as correções referentes aos conteúdos matemáticos.

Por fim, Souza, R. D. (2008) constatou que aprendizagens se refletiram na prática das docentes.

Os depoimentos das professoras e os materiais produzidos por seus alunos mostraram que a integração entre a Matemática e a Língua Materna passou a ser utilizada na prática docente. Essas professoras transferiram atividades desenvolvidas no curso para sala de aula, realizaram leitura e discussão de livros paradidáticos com seus alunos, propuseram a elaboração de textos individuais ou coletivos e também a elaboração de livros como produto final de projetos, tanto para aulas de Matemática quanto nas outras áreas do conhecimento (ibid., p. 230).

Outro estudo a ser apresentado é o de Montezuma (2010) que, em sua pesquisa de mestrado, investigou professoras que atuavam nos anos inicias do Ensino Fundamental e participaram de um curso de extensão que propunha integrar a Matemática com a Literatura

infantojuvenil. A pesquisadora buscou analisar os saberes mobilizados, construídos e/ou ressignificados dessas professoras ao participarem do curso.

O referido curso foi organizado com os objetivos, semelhantes aos da ACIEPE,

[...] das professoras identificarem e analisarem obras de literatura infantojuvenil que abordam conceitos e noções matemáticas; discutir as possibilidades de utilização dessas produções em contextos escolares, analisando-as frente às expectativas de aprendizagem previstas para a série em que atuam; vivenciar práticas pedagógicas de conexão da literatura infantojuvenil com a conexão em Matemática e em outras áreas do conhecimento; refletir antes, na e sobre a ação pedagógica docente; analisar a pertinência e a adequação do uso desta metodologia de ensino no processo de ensino e de aprendizagem; identificar as contribuições do curso para o desenvolvimento profissional dela e para a atuação docente. (MONTEZUMA, 2010, p. 61).

Neste curso, as participantes realizam estudos teóricos sobre a temática, analisaram livros infantis com conteúdos matemáticos existentes no mercado e livros produzidos pelos participantes da ACIEPE Histórias Infantis e Matemática nas Séries Iniciais, da disciplina de metodologia de ensino da Matemática e nos cursos oferecidos pela Teia do Saber. Além dessas atividades, as professoras tiveram momentos para experienciarem práticas pedagógicas que conectassem histórias infantis e matemática. Por fim o último momento do curso foi dedicado à socialização da utilização dos livros em sala de aula. Nesse momento as professoras refletiram sobre o processo formativo percorrido, havendo, também, a possibilidade de analisarem as aulas ministradas, que foram vídeogravadas pela pesquisadora.

A pesquisadora acompanhou o desenvolvimento deste curso e utilizou os seguintes instrumentos para a coleta dos dados: questionário inicial semiestruturado; gravações em audio visual, com posterior transcrição, dos encontros dos cursos e das aulas nas quais utilizaram os livros; narrativas orais e escritas e entrevistas com as professoras, aplicadas ao final do curso.

Os resultados da pesquisa mostram que no decorrer do curso as professoras mobilizaram saberes múltiplos e originários de diferentes fontes, saberes com relação a Educação em geral e específicos ao ensino da Matemática.

De acordo com a autora

Os dados sinalizaram para melhorias nos conhecimentos matemáticos, didáticos e curriculares das professoras colaborados, quando fazem uso das relações entre teoria e prática, planejam situações de aprendizagem de fazem análises de aplicação desses conhecimentos em sua prática docente, mobilizando-se para refletir na e sobre suas ações. (MONTEZUMA, 2010, p. 122).

O estudo de Montezuma (2010) vai ao encontro das perspectivas teóricas que apontam a multiplicidade dos saberes docentes e que o domínio do conteúdo específico é

importante para a atuação docente, mas ressalta que a gama dos saberes docentes não se limita a eles.

Algumas aprendizagens, segundo Montezuma (2010), referem-se ao conhecimento pedagógico geral: ampliação do repertório didático-metodológico; aprendizado sobre a flexibilidade do planejamento, pois a aula possui momentos imprevisíveis que exigem que o professor tome algumas decisões imediatas; reforçar a crença de que é importante o docente praticar o respeito e ser aberto ao dialogo; aprender que é possível diversificar o uso dos recursos didáticos; aprender a analisar criticamente livros paradidáticos refletindo se são adequados ou não a proposta que se pretende desenvolver.

Montezuma (2010) também identificou a mobilização de saberes da ação pedagógica quando, no decorrer do curso, uma professora resgatou uma aprendizagem realizada em outro momento de formação e compartilhou com o grupo. Assim como, quando essa professora afirmou que o curso possibilitou que ela conectasse algumas de suas ações pedagógicas às leituras teóricas realizadas no decorrer do curso e assim legitimasse essas ações.

De acordo com Montezuma (2010) também foi possível identificar a mobilização em relação aos saberes profissionais. Neste caso uma professora afirmou que ficou satisfeita com o curso, pois este possibilitou conectar teoria e prática. Montezuma (2010) também apontou que os saberes profissionais dessas professoras foram ressignificados, pois “elas passaram a observar a Matemática presente nos livros paradidáticos de forma diferente” (ibid., p. 122).

Os saberes experienciais também foram mobilizados, ou seja, segundo a pesquisadora os discursos das professoras mostram que durante o curso elas colocaram em movimento saberes, segundo elas, aprendidos na experiência: saberes sobre o planejamento das aulas, sobre determinados conteúdos específicos, a necessidade de adequar o trabalho docente ao perfil dos alunos, a importância da contextualização de um novo conteúdo, a reflexão na ação entre outros.

De acordo com a autora também houve aprendizagens referentes ao conhecimento específicos dos conteúdos abordados nos livros analisados e nas aulas desenvolvidas.

Também foi possível identificar aprendizagens em relação ao conhecimento pedagógico do conteúdo, como por exemplo, aprendizagem sobre as diferentes significações das frações e suas formas de representação. Outras aprendizagens referem-se a conhecer diferentes estratégias de ensino.

Além disso, a pesquisadora constatou uma mudança de olhar das professoras para os livros paradidáticos que, no decorrer do curso, começaram a analisar esses livros considerando critérios como:

[...] a identificação da Matemática e de outras áreas do conhecimento nesses livros; à percepção da possibilidade de utilização desses materiais no ensino e na aprendizagem, mesmo que o livro não apresente tal intenção declara e à percepção da possibilidade de criação dos seus próprios materiais curriculares, demonstrando possibilidades para o protagonismo dessas docentes (MONTEZUMA, 2010, p. 117).

Além de identificar as aprendizagens e saberes mobilizados pelas professoras, Montezuma (2010) verificou que trabalhar com determinadas estratégias formativas – reflexão, narrativas orais e escritas, trabalho em grupo, mediação pedagógica, análise reflexiva das aulas ministradas – potencializou a mobilização e construção dos saberes docentes.

Sobre a sustentabilidade da implantação da proposta metodológica de conectar histórias infantis e matemática Montezuma (2010) tece considerações pertinentes afirmando que essa sustentação depende da postura das professoras em relação à sua profissão e ao seu desenvolvimento profissional, depende também do domínio dessas professoras do conteúdo específico e dos elementos que envolvem as formas de ensiná-los. Mas, segundo a autora, essa sustentabilidade também depende de outros fatores como: necessidade de tempo na escola para as professoras estudarem e preparem os materiais para o desenvolvimento das aulas; recursos financeiros para a aquisição de materiais didático-pedagógicos; uma gestão que trabalhe cooperativamente permitindo a concretização de momentos de reflexão crítica sobre as ações e para a tomada de decisões que envolvem os agentes educacionais.