• Nenhum resultado encontrado

2 SANTA RITA DE CÁSSIA NA CIDADE DE SANTA CRUZ: PRÁTICAS CULTURAIS EM MOVIMENTO

2.1.1 Histórica

Por volta de 1597, todo o território potiguar estava habitado por populações indígenas: no litoral, a Tupi, e, no interior, a Gê ou Tapuia. Dentre elas, registram-se as tribos nômades Paiacus, Parins, Monxorós, Pegas, Caborés, Panatis, Canindés, Janduís e Potiguares. Provavelmente, devido às ossadas humanas e aos objetos de uso encontrados, os índios Tapuios foram os primeiros habitantes de Santa Cruz e tiveram permanência na Serra do Catolé, na Serra do Ronca e na Serra da Tapuia. Os habitantes concebiam o rio Trairi33 como

33 Vem do tupi (outras variações: taraíra, tararira e tarira. Sinônimos: dorme-dorme, maturaqué, robafo, rubafo) e significa traíra, um tipo de peixe distribuído por todo o Brasil, que tem dorso negro, flancos pardo-

escuros, abdome branco, manchas escuras irregulares pelo corpo e desprovido de nadadeira adiposa. Seus dentes são muito cortantes, é carnívoro e considerado um dos maiores inimigos da piscicultura. Seu comprimento pode chegar até a 40 cm (FERREIRA, 2009, s.p.).

a principal fonte de água necessária à sobrevivência e, em virtude dela, a possibilidade de povoamento da área (BEZERRA, 1993).

Os fundadores de Santa Rita da Cachoeira foram o Capitão João da Rocha Freire e seu irmão Lourenço da Rocha Freire, prováveis potiguares, e o cearense José Rodrigues da Silva. Esse último era proprietário da Fazenda Cachoeira, uma localidade inicialmente oportuna para ser o marco da fundação da cidade. Entretanto, o lugarejo não oferecia condições suficientes para formação de uma comunidade, devido à carência de água para abastecimento humano. Como consequência, a sede desse povoamento foi transferida para as margens do rio Trairi, para a Fazenda Malhada do Trairi, onde os irmãos potiguares possuíam terras, dando início ao povoamento com a construção de algumas casas residenciais e a edificação de uma pequena capela católica dedicada a santa italiana Rita de Cássia (AMORIM, 1998; BEZERRA, 1993; CASCUDO, 1998; SANTOS, 2010; SILVA, 2003).

O ano de 1831 é tido como sendo a data de fundação de Santa Cruz, embora não seja consenso por parte dos autores da historiografia da cidade. Isso se dá pelo fato de ter sido encontrada uma telha datando o ano de 1825 quando se fez a demolição da Igreja Matriz34 para a construção de outra maior no mesmo local, exprimindo a possibilidade de Santa Cruz ter sido fundada juntamente com a construção do espaço religioso, seis anos antes da data oficial. Reforça essa tese o fato de a religião oficial no Brasil ser, na época, o Catolicismo Romano e o regime de governo, o Imperial. Assim, a fundação das cidades estava sempre atrelada à construção de uma capela (BEZERRA, 1993).

Em se tratando dessa conjuntura, os municípios brasileiros eram representados por um padroeiro (defensor, protetor, patrono), no intuito de pedir que os “problemas” daquela localidade fossem afastados, ou mesmo, amenizados. Dessa tradição, por exemplo, tem-se o relato da moradora santa-cruzense Maria Tavares da Silva.

A Serra do Pires, pouco explorada e de abundantes matas, as quais, refúgio de cobras venenosas, era perigo de vida para os seus habitantes. Estes deram, então, preferência para seu padroeiro, o patriarca São Bento, que a Igreja o tem como protetor contra a mordida de cobras (BEZERRA, 1993, p. 24).

O lugar Serra do Pires, onde essa senhora viveu com a família, recebia parte do nome de seu avô, o sesmeiro Antônio Pires Ferreira. Contudo, com o padroado de São Bento, o lugar passou a ser conhecido como Serra de São Bento.

34 Para este estudo, Igreja Matriz sempre estará se referindo à Paróquia de Santa Rita de Cássia, em Santa Cruz.

Os topônimos da cidade transitaram de Malhada do Trairi, Santa Rita da Cachoeira, Vila do Trairi, Santa Cruz da Ribeira do Trairi, Santa Cruz do Inharé35, até chegar a Santa Cruz. Esse último não recebe uma justificativa esclarecedora para receber tal nomeação em registros oficiais, mas relembramos, com base na história do Brasil, no período de 1500 a 1530, que o território brasileiro foi chamado de Terra de Santa Cruz. Como consequência da colonização portuguesa, a tradição cristã-católica foi incluída na cultura brasileira e, por sua vez, na cultura do Rio Grande do Norte, e, talvez, seja uma homenagem a essa época. Ademais, consoante Bezerra (1993, p. 37), “é parecer de alguém que o nome de Santa Cruz pode ter se originado pela existência de um antigo Cruzeiro, localizado e colocado em um alto pedestal em frente à Igreja”. Em termos de analogia, no Brasil, a palavra santa-cruz, com hífen, tem sinônimo de capelinha ou cruz à beira de estrada, erigida, não raro, em memória de alguém que ali foi morto (FERREIRA, 2009, s.p.).

De acordo com Cascudo (1998), a dupla toponímia era uma prática muito comum no registro nominal da localidade por parte do governo brasileiro naquela época: atribuir um nome para o lugar, sem prévia consulta simultânea, e o povo nomear com outro o mesmo espaço. Esse pesquisador norte-rio-grandense ressalva ainda que Trairi ficou sendo chamada pela voz da administração pública, mas nunca pelos moradores da região, os quais sempre disseram Santa Cruz do Inharé. Com a Lei 372, de 30 de novembro de 1914, a Vila de Santa Cruz passou ao predicamento de cidade, contemplando, em parte, o nome a gosto da população.

No plano historiográfico, Santa Cruz do Inharé era o nome do lugar onde os irmãos fundadores – Lourenço da Rocha e João da Rocha – e família residiam, o qual distava, aproximadamente, 18 km do povoado. No plano figurativo, em Santa Cruz do Inharé havia circunstâncias particulares para se viver lá, conforme uma lenda contada na cidade sobre o passado imaginado do local.

Muitos anos, já ia adiantada a colonização do alto sertão e as terras das cabeceiras do Potengi e do Trairi continuavam despovoadas. Diziam os primeiros que ali se aventuraram que era impossível viver naquelas paragens, porque, ao quebrarem os ramos do inharé, a árvore sagrada, as fontes secavam e todos os animais tornavam-se ferozes. Um santo missionário lembrou-se um dia de fazer uma cruz dos ramos do Inharé: os malefícios cessaram como por encanto; das fontes, jorrou a água cristalina; as aves cantaram o hino da natureza em festa. A terra ficou, desde então, conhecida com o nome S. Cruz do Inharé (DANTAS, 2008, p. 34).

35 Onde havia inharés era sinal de terreno fresco. Em tupi, inharé significa tendência para água; o que vai para a