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A Fazenda Monte Alegre, de propriedade da Ferrovia Paulista S.A - Fepasa, administrada pela Companhia Agrícola Imobiliária e Colonizadora (CAIC), era uma antiga área de plantio de eucalipto. Com 7300 hectares de terra, a Monte Alegre guarda a unidade geográfica e os limites definidos nos anos vinte do século XX. No

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entanto, em 1940 o governo do Estado de São Paulo adquiriu as terras, que passaram a pertencer ao domínio público.

A constatação de que as terras da fazenda Monte Alegre pertenciam ao Estado e eram exploradas por empresas com investimento em eucalipto, foi feita pelo Sindicato dos Trabalhadores de Araraquara:

“Nós encontramos na Monte Alegre um espaço de terras públicas, com mais de 6000 hectares de terras do governo de São Paulo ocupada por grandes empresas de investimento em eucalipto, que era administrada então pela Companhia Agrícola Imobiliária e Colonizadora - CAIC, que depois virou Companhia de Desenvolvimento Agrícola de São Paulo - Codasp, em 1987. A CAIC, ligada à secretaria da Agricultura, se apropriou daquelas terras no período do regime militar, fez um mega investimento em bolsa. Então banqueiros, grandes multinacionais faziam parte de um mega investimento e iam ganhar dinheiro com eucalipto. O governo militar dava incentivo fiscal para quem produzisse eucalipto porque tinha interesse no carvão e na indústria de papel. A partir disso, fizeram contratos milionários de dinheiro público, porque é dinheiro de incentivo fiscal, isto é, deixavam de recolher imposto para poder aplicar no plantio de eucalipto. Por ser uma empresa pública administrada, a Codasp não corria risco. E como a área que receberia o eucalipto também era terra pública, tratava-se de um alto negócio na década de 70. Nós descobrimos esse alto negócio e passamos a fazer as ocupações”.26

A partir da constatação da existência dessas terras, que se tratava de um alto negócio da década de 70, membros do sindicato rural de Araraquara mapearam toda a fazenda para descobrir as divisas das terras públicas: “juntei mais dois companheiros e fizemos todo o levantamento da fazenda. Porque daí foi organizar o povo e descobrir os mecanismos de disputa”. 27

Esta identificação concreta serviu de suporte para os diálogos estabelecidos na sede da CAIC, responsável na época pela exploração dos domínios da fazenda Monte Alegre. A CAIC se opôs vigorosamente à entrada dos boias-frias sobre suas terras, mas continuaram as negociações entre este órgão, a Secretaria da Agricultura, o escritório regional de Governo e o Sindicato. Os trabalhadores avisaram as autoridades competentes que, na ausência de resposta, ocupariam as terras (CHONCHOL, 2003).

26 Entrevista realizada com Élio Neves, presidente da Feraesp, em outubro de 2011. 27 Idem, 2011.

No dia 4 de julho de 1985, um grupo de 44 famílias oriundas do interior paulista, município de Pontal, Urupês, entre outros, ingressou na Fazenda Monte Alegre em dois caminhões de mudança, dispostos a ocupar as terras. O relato de Élio Neves revela as características da luta, cuja ocupação ocorreu pela porta da frente da fazenda:

“Nós organizamos uma ocupação pela portaria da fazenda. Do lado de dentro da porteira estava o gerente da usina, defendendo a propriedade, e do lado de cá da estrada, nós com os caminhões. Sabe o que o povo fez? Arrancou a porteira e pulou pra dentro, na cara dos caras”28

Os caminhões foram interceptados pelos veículos da CAIC após terem percorridos dois quilômetros no interior da fazenda Monte Alegre, e os trabalhadores foram para a sede do sindicato e montaram acampamento. Após uma semana, no dia 11 de julho, as famílias puderam ocupar as terras, sob decisão da Secretaria da Agricultura, da qual depende a CAIC, e constituíram o primeiro núcleo do assentamento (CHONCHOL, 2003).

Em outubro do mesmo ano, 42 famílias oriundas de Sertãozinho e região ocuparam o Horto da Fazenda Guarani, em Pradópolis, cuja terra era da Fepasa. Despejados desse local, os trabalhadores mantiveram o acampamento na beira da rodovia que liga Pradópolis a Jaboticabal e posteriormente foram alocados para constituir o segundo núcleo da Fazenda Monte Alegre. Sobre o processo de conquista da terra, Sr. Fagundes, morador do Monte Alegre II que participou dessa luta relata:

Eu fiquei acampado em Pradópolis. Eu trabalhava na usina São Martinho, eu cortava cana. Aí tinha um projeto, um plano de reforma agrária, e nóis era cortador de cana e tinha um desejo de ter uma terra. Aí surgiu na secretaria de Sertãozinho documentação sobre o plano de reforma agrária. Aí nós fizemos cadastramento, nós cadastramos, mas naquela época era difícil mesmo, ninguém pega terra fácil. Aí invadimos a Guarani em Pradópolis, depois colocaram nós na beira da pista e enquanto isso nós procuramos o governo Montoro e ele trouxe nós pra cá e deu essa terra pra nós29.

28 Ibidem, 2011.

O desejo de ter uma terra fez com que Sr. Fagundes e muitas outras famílias se cadastrassem no plano de reforma agrária. Porém, como naquela época era difícil mesmo, ninguém pega terra fácil, a ocupação apareceu como uma possibilidade de acesso a terra: aí invadimos a Guarani em Pradópolis. A fala de S. Fagundes sinaliza que a luta pela terra avança alheia à existência ou não de um plano de reforma agrária, já que ela é uma luta popular e a reforma agrária, uma política pública de competência do Estado (FERNANDES, 2008). Segundo Fernandes (2001) esta ação de resistência é inerente à formação camponesa no interior do processo contraditório de desenvolvimento do capitalismo, e neste sentido, os acampamentos seriam a expressão da luta popular de resistência do campesinato para sua criação e recriação.

Em outro relato, Wanderley, que também participou do início da luta, destaca a participação do Sindicato Rural no processo:

Eu comecei a participar das reuniões do sindicato lá em Sertãozinho, aí invadimos lá e conseguimos a área. Desde que invadimos até ganhar a terra foram 26 dias: 12 dias na fazenda com mais 14. Eles foram lá falar com o governador e ele liberou a gleba aqui. Nós invadimos em Pradópolis e ganhamos aqui em Monte Alegre.30

Os núcleos III e IV do assentamento foram formados em 1986, por trajetórias bem distintas. O III foi formado por boias-frias oriundos de Minas Gerais que estavam ligados ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais Assalariados de Araraquara - STRA, responsável por cadastrar e selecionar esses trabalhadores para a instauração de mais um núcleo. Logo, essas famílias foram selecionadas oficialmente para habitar uma terceira área na Fazenda Monte Alegre, e não passaram pelo processo de ocupação, como as demais. E em agosto de 1986, foram oficialmente constituir o núcleo III.

Já o núcleo IV foi formado por trabalhadores de Guariba que não possuíam vínculo com o sindicato, mas contavam com o apoio de lideranças políticas locais e regionais. Em 27 de maio de 1986, 60 famílias ocuparam a área dentro da fazenda Monte Alegre, que estava sendo preparada para a constituição do núcleo III do assentamento, onde iriam ser assentados o grupo selecionado pelo STRA e IAF.

Pressionados a desocupar o local, o grupo conseguiu negociar, juntamente com as lideranças regionais, sua transferência para outra área do assentamento. Após seis meses, em novembro de 1986, as 22 famílias remanescentes do grupo de Guariba puderam ocupar oficialmente uma área na fronteira leste da fazenda Monte Alegre – o núcleo IV.

Em 1987, uma quinta área da fazenda Monte Alegre foi ocupada por 65 famílias provenientes de Sertãozinho-SP; destas, 35 permaneceram. O grupo foi alocado para lotes vazios nos núcleos já existentes: 12 famílias foram para o núcleo I, 11 famílias foram colocadas no núcleo IV, e, 12 famílias restantes foram transferidas, no ano seguinte, para outro Projeto de Assentamento (Assentamento Bela Vista do Chibarro em Araraquara). Esta quinta área ficou desocupada até novembro de 1989, quando 42 famílias a ocuparam, reivindicando a área. Dessas 42 famílias, 35 persistiram no local e foram regularizadas em 1991, formando o núcleo V do Monte Alegre (KURANAGA, 2006).

Dada à existência de 22 lotes agrícolas vazios nas áreas já implantadas, em julho de 1990 foi aberto cadastramento para seleção de novos beneficiários e, em novembro do mesmo ano, os lotes foram ocupados.

Em 1997, 250 famílias ocupam a última área do Projeto de Assentamento Monte Alegre, das quais 179 são assentadas: 88 ficam na área ocupada que constitui o núcleo VI e as 91 famílias restantes são distribuídas em lotes vagos dos núcleos I, II, III e IV (GAVIOLI, 2010).

Em 1998, nova ocupação foi realizada na fazenda por 27 famílias de trabalhadores rurais na área da sede da Fazenda Monte Alegre (escritório central), administrada pela Companhia de Desenvolvimento Agrícola do Estado de São Paulo (CODASP), após inscrição/cadastramento destas famílias. Em novembro do mesmo ano, 19 delas foram assentadas nesta área, hoje denominada Projeto de Assentamento Horto de Silvânia, considerada um anexo do Projeto de Assentamento Monte Alegre, enquanto as outras oito famílias restantes foram assentadas em 2002.