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A luta pela terra no Brasil é sinalizada principalmente por duas manifestações políticas: a ocupação da terra que tem sido a principal forma de acesso a terra no País e as marchas de diversos movimentos camponeses para pressionar o Estado na realização de políticas públicas, como por exemplo: políticas de créditos, de educação e moradia, que acontecem periodicamente (FERNANDES, 2008). Ao conquistar a terra, eis que surge um novo desafio para o camponês: a luta na terra. Como garantir a permanência na terra?

No assentamento Monte Alegre foram inúmeras as dificuldades enfrentadas pelos camponeses. Segundo Antuniassi (1993), o Monte Alegre surge em quase completo isolamento dos centros comerciais da região, privado dos serviços de saúde e de educação, tanto pela situação geográfica das terras quanto pela falta de vias de acesso e de meios de transporte. A instalação da infraestrutura nos diversos núcleos do assentamento Monte Alegre (estradas, moradias, rede elétrica, irrigação, serviços de saúde e educação) ficou muito aquém das expectativas das famílias. Até 1992 algumas famílias ainda residiam em barracos, uma vez que o financiamento para as casas não havia sido liberado, outras somente depois de vários anos conseguiram os recursos para construir casa de blocos.

Fotografia 3 – Retrato das primeiras moradias do assentamento Monte Alegre I.

Fotografia 4 – Retrato das primeiras moradias do assentamento Monte Alegre I.

(Fonte: Arquivo ITESP, 1993)

Tendo realizado o sonho da terra própria, Aureliana, uma das pioneiras do assentamento II, recorda emocionada a história de vida/luta na terra. Ela relata às lágrimas o primeiro dia de sua família no assentamento Monte Alegre. As dificuldades relatadas por ela, que remetem ao início da luta na terra, têm, entretanto, o sabor da conquista:

Eu falei pra ele [para o marido], não vai perder todo aquele tempo que você ficou lá no acampamento. Compra um plástico, pede um caminhão na prefeitura e nós vamos pra lá. Nós viemos com a vontade de trabalhar, a esperança de melhora, com as crianças tudo pequenas. E nós pusemos um pau pra cima assim a lona em cima, todas as coisas no chão, galinha no meio sabe porque tinha muito escorpião e as galinhas ciscava e catavam os escorpiões. A gente cozinhava no fogão no meio do quintal. E ai quando a gente acabou de colocar as coisas embaixo e ai eu estava fazendo um arroz, e molhou e encheu de água e nós ficou tudo sem comida...A minha sorte é que meu menino mamava em mim, porque nós não tinha leite, não tinha nada. Ele mamou até os 3 anos. Durante o dia, aquela lona abaixava assim, murchava com o calor e ninguém conseguia ficar ali dentro. Ai eu pegava e falava para os meus filhos mais velhos: vão até os eucaliptos, fiquem lá embaixo até o sol abaixar. Ai depois eles chegavam, a gente dava banho. Para nós foi uma glória de Deus ganhar essa terra. Foi difícil, mas foi uma glória. 31

Sobre a escassa infraestrutura que acompanhou o início da constituição do assentamento, ela conta:

No início foi muito sofrido, mas hoje estamos no céu. Aqui teve muita fome, muito sofrimento, teve famílias aqui que morreram por falta de recurso, falta de condução pra levar. Só depois de um ano que começou a ter transporte para levar as crianças até a escola. Depois de uns 2 anos que começou a vir polícia, ambulância, porque até ai a gente ia daqui do assentamento até Bueno de Andrada32 carregando uma criança no ombro a pé pra poder passar no médico em Araraquara. Moramos em barraco de madeira, de lona. Água a gente pegava no rio, água suja.33

As dificuldades apontadas revelam a precariedade inicial do assentamento, cujas condições de saúde, transporte, abastecimento de água, entre outros, favoreceram o abandono dos lotes por muitas famílias. De acordo com as entrevistas realizadas entre os meses de novembro e dezembro de 2010, das 42 famílias pioneiras do núcleo II do assentamento Monte Alegre, somente cerca de 6 famílias permanecem hoje no local.

Aureliana também relata a “luta” para a construção da moradia:

Aqui não tinha nada. Os barracos fomos construindo através dos eucaliptos caídos, porque não podia pegar eucalipto porque era da Codasp, do governo, você não podia entrar lá para pegar, então quando caia algum eucalipto a gente pegava. Moramos em um barraco de lona durante uns 4 anos. Pra mim fazer essa casa aqui, meus filhos e marido trabalhavam na folhinha, tiravam os galhos do eucalipto para fazer óleo de eucalipto em Torinhas e eu saía às 6 da manhã, ia até Bueno de Andrada a pé, pegava o ônibus as 09h30min e ia para Araraquara fazer faxina para eu construir essa casa. Eu ganhava 26 cruzeiros por semana, ai eu dava para o pedreiro. Trabalhei 10 anos, e eu tinha que andar 10 km pra ir, e 10 km pra voltar.34

Aureliana e sua família moraram durante os quatro primeiros anos no Monte Alegre em barraco de lona. Para construir a casa, ela teve de combinar a força de trabalho familiar com a assalariada, que lhe proporcionou uma fonte de renda suplementar na unidade camponesa: eu saía as 6 da manhã, ia até Bueno de Andrada a pé, pegava o ônibus as 09h30min e ia para Araraquara fazer faxina para eu construir essa casa. O trabalho acessório é o meio através do qual o camponês

32 Bueno de Andrada é um distrito do município paulista de Araraquara.

33 Entrevista realizada com o Sr. Fagundes, assentado do Monte Alegre 2, em dezembro de 2010. 34 Idem, 2010.

transforma-se, periodicamente, em trabalhador assalariado, recebendo, via de regra, por período de trabalho (OLIVEIRA, 1990). Hoje, além do trabalho agrícola, ela administra junto com o marido o único bar do núcleo II do Monte Alegre (Fotografia 5) que fica repleto de pessoas nos finais de semana.

Fotografia 5 – Aureliana em seu bar.

(Fonte: BELLACOSA, J. 2011)

Em outro relato, Sr. Fagundes, ex-cortador de cana, fala com entusiasmo sobre a liberdade que adquiriu com a conquista da terra:

Como nós estamos falando, por exemplo, o plano de reforma agrária foi o melhor que teve para o pobre. Porque o pobre não tem nada, mas quando cria uma liberdade a vida é outra. Quando eu não tinha terra, antes eu não tinha liberdade, é difícil pra caramba estar trabalhando de empregado e principalmente no rural, quando a gente é empregado metalúrgico é diferente, mas rural não vai. Foi um sonho realizado, porque a gente tinha vontade. Quando nós chegou aqui tinha um barraco de lona, então foi lutando, lutando, fizemos uma casa de alvenaria, mas muito fraquinha também, que está lá hoje em pé. Eu tinha agrovila, tinha um lote agrícola separado. E hoje nois pode dizer que temos uma casa boa, confortável, sempre nossa mesa está enfeitada, sempre tem o que comer.35

A conquista da terra representa a liberdade, a autonomia que não se encontra no trabalho assalariado no campo: Porque o pobre não tem nada, mas

quando cria uma liberdade a vida é outra. Quando eu não tinha terra, antes eu não tinha liberdade, é difícil pra caramba estar trabalhando de empregado e principalmente no rural, quando a gente é empregado metalúrgico é diferente, mas rural não vai. A fala de Sr. Fagundes sinaliza o projeto de vida camponês, onde a terra é vista como patrimônio da família e a casa aparece como o centro, o espaço por excelência da construção da vida familiar, que guarda os sonhos de liberdade (D’AQUINO, 1996). A terra também simboliza para ele o fator que permite o sustento da família e a fonte da fartura: hoje nós pode dizer que sempre nossa mesa está enfeitada, sempre tem o que comer.

Dessa forma, a terra surge para o camponês como possibilidade do controle do processo de trabalho, portanto, condição determinante de sua autonomia, e também como meio de produção fundamental.

Assim como Aureliana, Sr. Fagundes também revela sua trajetória de luta na construção da nova vida na terra. Com o passar dos anos e através de muito esforço ele pode se orgulhar do que conseguiu: hoje nois pode dizer que tem uma casa boa, confortável. Nas Fotografias 6 e 7 é possível visualizar a evolução no padrão de habitação dos moradores do Monte Alegre, exemplos que se multiplicam no assentamento.

Fotografia 6 – Casa do Sr. Fagundes, resultado de anos de trabalho na terra.

Fotografia 7 – Exemplo da evolução no padrão de habitação no assentamento.

(Fonte: BELLACOSA, J. 2011)