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3. PRESSUPOSTOS PARA A COMPREENSÃO DO DIREITO TERRITORIAL

3.1 O histórico de esbulho das terras indígenas com base no relatório da Comissão

A Comissão Nacional da Verdade (CNV) foi um órgão temporário ligado à Presidência da República, instituído pela Lei nº 12.528, de 18 de novembro de 2011, para examinar e esclarecer as violações de direitos humanos ocorridas de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da Constituição, 05 de outubro de 1988. A CNV não teve um viés punitivo, pois a sua finalidade, segundo o art.3º da lei, foi a de reunir informações sobre casos de tortura, mortes, desaparecimentos, entre outras violências comuns no período supracitado, identificando os locais de tais violações e os possíveis autores para colaborar com a assistência às vítimas, tudo para efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional (art.1º).

No tocante às violações de direitos indígenas, o relatório da CNV, apresentado em 10 de dezembro de 2014, entre outras conclusões, enfatiza o esbulho das terras indígenas, processo que pode ser dividido em dois períodos: o primeiro, no qual a União favoreceu o

esbulho, marcado majoritariamente por sua omissão em relação às ações dos poderes locais e da iniciativa privada e deixando de fiscalizar a corrupção em sua estrutura funcional; e o segundo, iniciado com a aprovação do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968 (AI- 5), desta vez com destaque para o protagonismo da União, através de sua políticas, embora ainda sejam constatados casos de omissão, principalmente na área de saúde e no controle da corrupção (BRASIL. CNV, 2014, p.2014-205).

O esbulho, que já era praticado por governos estaduais, repercutiu nacionalmente com a "Marcha para o Oeste" do governo Getúlio Vargas, na década de 1940, quando, para estimular a ocupação da região Centro-Oeste, o governo federal contacta populações indígenas isoladas e facilita a invasão e a titulação de terras indígenas por terceiros (BRASIL. CNV, 2014, p.206).

O Relatório Figueiredo37, como ficou conhecido o Relatório da Comissão de Investigação do Ministério do Interior de 1967-1968, presidida pelo procurador Jader de Figueiredo Correia, com mais de 7.000 (sete mil) páginas e 30 (trinta) volumes (BRASIL. CNV, 2014, p.207), narra detalhes do tratamento degradante destinado aos índios durante o período de existência do Serviço de Proteção Índio (SPI)38 - criado em 1910 e substituído pela FUNAI em 1967, como visto no capítulo anterior. Eles eram manipulados pelos agentes do órgão e espoliados de suas terras, bens e rendas do trabalho. Segundo o relatório,

O índio, razão de ser do SPI, tornou-se vítima de verdadeiros celerados, que lhe impuseram um regime de escravidão e lhe negaram um mínimo de condições de vida compatível com a dignidade da pessoa humana. [...] Nêsse regime de baraço e cutelo viveu o SPI muitos anos. A fertilidade de sua cruenta história registra até crucificação, os castigos físicos eram considerados fato natural nos Postos Indígenas. Os espancamentos, independentes de idade ou sexo, participavam da rotina e só chamavam a atenção quando, aplicados de modo exagerado, ocasionavam a invalidez ou a morte. Havia alguns que requintavam a perversidade, obrigando pessoas a castigar seus entes queridos. [...] O "tronco" era, todavia, o mais encontradiço de todos os castigos, imperando na 7º Inspetoria. Consistia em trituração do tornozelo da vítima, colocado entre duas estacas enterradas juntas em ângulo agudo. As extremidades, ligadas por roldanas, eram aproximadas lenta e continuamente. [...] Sem ironia pode-se afirmar que os castigos de trabalho forçado e

37 O Relatório Figueiredo foi fruto do trabalho de uma comissão instaurada no âmbito do Ministério do Interior

para apurar irregularidades no Serviço de Proteção ao Índio (SPI). O relatório traz uma série de ações cometidas pelos agentes do SPI contra os índios, como assassinatos, trabalho escravo, castigos, prostituição de índias, dilapidação do patrimônio indígena (venda de gado, venda de artesanato indígena, arrendamento de terras, doação de terras, etc.), entre outras atrocidades. Há ainda no documento a identificação de muitos desses agentes e das ações por eles praticadas, além da estimativa de alguns valores subtraídos dos índios, para fins de ressarcimento, e da descrição de atos fraudulentos, como a adulteração de documentos oficiais, a admissão irregular de funcionários e o desvio de verbas públicas (BRASIL, 1968, p.4916). O Relatório Figueiredo estava desaparecido, ressurgindo apenas em novembro de 2012 (BRASIL. CNV, 2014, p.207).

38 O Relatório Figueiredo foi determinante na extinção do SPI. No entanto, o órgão já vinha envolvido em

escândalos de corrupção generalizada e de abuso de poder, com repercussão internacional, tendo sido investigado em Comissões Parlamentares de Inquérito em 1955, 1963 e 1968. Sua sucessora, a FUNAI, também foi alvo de CPI em 1977 (BRASIL. CNV, 2014, p.208).

de prisão em cárcere privado representavam a humanização das relações índio-SPI. Isso porque, de maneira geral, não se respeitava o indígena como pessoa humana, servindo homens e mulheres como animais de carga, cujo trabalho deve reverter ao funcionário. [...] O trabalho escravo não era a única forma de exploração. Muito adotada também era a usurpação do produto do trabalho. Os roçados laboriosamente cultivados, eram sumariamente arrebatados do miserável sem pagamento de indenização ou satisfação prestada. [...] Durante cêrca de 20 anos a corrupção campeou no Serviço sem que fôssem feitas inspeções e tomadas medidas saneadoras. Tal era o regime de impunidade, que a Comissão ouviu dizer no Ministério da Agricultura, ao qual era subordinado o SPI, que cêrca de 150 inquéritos ali foram instaurados sem jamais resultar em demissão de qualquer culpado. Contando com a boa vontade dos diversos setores da administração do Ministério da Agricultura a CI resolveu requisitar os processos de inquéritos administrativos do SPI. Infelizmente os arquivos daquela Pasta já haviam sido transferidos para Brasília e foram destruídos pelo incêndio que queimou o edifício sede, juntamente com a sede do SPI instalada no mesmo edifício. Os poucos processos salvados do incêndio dão a impressão de protecionismo, pois havia em todos uma característica comum, um traço dominante: a existência de um vício processual que determinava sua anulação e arquivamento, sem que jamais se voltasse a instaurá-lo novamente ou, depois, nem ao menos nêles se falava mais (BRASIL, 1968, p.4912-4915).

Especificamente em relação ao esbulho, são descritos no Relatório Figueiredo inúmeros casos, sendo alguns deles adiante reproduzidos:

Citaremos, entre outros a chacina do Maranhão, onde fazendeiros liquidaram toda uma nação, sem que o SPI opusesse qualquer reação. Anos depois o Departamento Federal de Segurança Pública tomou a iniciativa de instaurar inquérito, em vista da completa omissão do SPI. O episódio da extinção da tribo localizada em Itabuna, na Bahia, a serem verdadeiras as acusações, é gravíssimo. Jamais foram apuradas as denúncias de que foi inoculado o vírus da varíola nos infelizes indígenas para que se pudessem distribuir suas terras entre figurões do Govêrno. [...] Em Mato Grosso, as ricas terras do Nabileque foram invadidas por fazendeiros poderosos e é muito difícil retirá-los um dia. Os Kadiueus (antigos Guaiacurús), donos das ricas terras que lhes deu o Senhor D.Pedro II pela decisiva ajuda à tropas brasileiras naquela região durante a Guerra do Paraguai, sentem-se escorraçados em seus domínios, o seu gado vendido e suas mulheres prostituídas. A imensa fazenda S.Marcos, em Roraima, na IR-1, está próxima de liquidação, com suas terras invadidas e suas dezenas de milhares de bovinos reduzidos a cêrca de 2.000, somente. Tudo o que se disse acima pouco representa do que acontece verdadeiramente no SPI. [...] Abatem- se as florestas, vendem-se gados, arrendam-se terras, exploram-se minérios. [...] Basta citar a atitude do Diretor Major Aviador Luis Vinhas Neves, autorizando tôdas as Inspetorias e Ajudâncias a vender madeira e gado, e arrendar terras, tudo em uma série de Odens de Serviço Interna cuja sequência dá uma triste idéia daquela administração, (fls. 4065 a 4088). [...] Mas não para ainda a espoliação do índio. Aquilo que não podia render dinheiro farto e fácil podia ser distribuído ou tomado por poderosos locais, por seus afilhados ou testas de ferro. Os dirigentes do SPI nada diziam ou providenciavam para obstaculizar. Assim foi o que o SPI perdeu uma vastíssima área. Incluindo-se entre elas, pela extensão e valor, a reserva de Mangueirinha no Paraná e a Colônia Tereza Cristina, em Mato Grosso. Em ambos os casos a SPI, ou a futura Fundação do Índio, tem condições e obrigação de recuperá-las. Muitos outros casos existem, alguns dos quais na dependência de solução judicial porque alguns servidores mais zelosos felizmente ainda os há - se insurgiam contra o esbulho e intentaram a defesa do Patrimônio Indígena (BRASIL, 1986, p.4916-4920).

Pelos excertos do Relatório Figueiredo, percebe-se que o esbulho de terras indígenas ocorreu de várias formas: através da ação violenta de fazendeiros, da disseminação de epidemias e do arrendamento e distribuição de terras pelo SPI. O Relatório da CNV também cita outros meios de prática do esbulho. Um deles é a produção de vazios demográficos através de: separação de famílias e/ou subgrupos; transferências compulsórias para áreas habitadas por povos inimigos; casamentos forçados com povos inimigos; sequestro de crianças; e perseguições, humilhações e prisões (BRASIL. CNV, 2014, p.223). Foram atingidos por essas formas de esbulho os Xetá, os Tapayuna e os Avá-Canoeiro, por exemplo. Os Xetá, habitantes da Serra dos Dourados no Paraná, passaram a ser perseguidos desde que suas terras foram alvo do plano oficial de colonização dirigida do governo do Paraná, sendo cedidas à companhia colonizadora Suemitsu Miyamura & Cia. Ltda em 1949, substituída em 1951 pela Companhia Brasileira de Imigração e Colonização (Cobrinco), empresa do grupo Bradesco. Muitas crianças da etnia foram sequestradas por fazendeiros e funcionários das colonizadoras e do SPI, e distribuídas entre famílias não indígenas. Em 1957, o SPI inicia um processo de dispersão dos Xetá, tranferindo-os para áreas indígenas Guarani e Kaingang em outras regiões do Paraná. Separados em diversas reservas indígenas, foram considerados oficialmente um povo extinto. Na década de 1990, os sobreviventes iniciaram uma luta pelo reconhecimento e pela retomada de sua terra tradicional. Assim como os Xetá, os Tapayuna, do oeste de Mato Grosso, também foram privados de suas terras pelo governo estadual, as quais foram cedidas a empreendimentos locais. Em 1971 a FUNAI transfere os sobreviventes para o Parque do Xingu, porém, aloca-os próximos a povos rivais, ocasionando muitas mortes e fugas (BRASIL. CNV, 2014, p.223-227).

Já os Avá-Canoeiro, de Tocantins, habitantes da região de Mata Azul, eram frequentemente caçados por fazendeiros em represália a roubos eventuais de gado e de cavalos. Em 1972, com a instalação de uma Frente de Atração, a FUNAI começa a capturá- los, o que acabou beneficiando o grupo Bradesco e os proprietários da fazenda Canuanã, que tinham uma parceria para a criação de gado na região. Os Avá foram transferidos pelo Estado para junto de seus adversários históricos, os Javaé, passando a viver como verdadeiros cativos. As terras indígenas ficaram, assim, livres para a colonização. Na década de 1980, a FUNAI ainda tentou transferir os Avá-Canoeiro do Parque Indígena do Araguaia para a TI Avá-Canoeiro, estimulando casamentos com parceiros previamente escolhidos pelo órgão (BRASIL. CNV, 2014, p.228-229).

O AI-5 de 1968, como visto, foi um divisor do histórico de esbulho das terras indígenas. Com ele, a política indigenista tornou-se mais rígida, havendo inclusive a criação

de presídios para índios. Tamanha repressão justifica-se na medida em que as ações estatais continuam a demandar a liberação das terras indígenas, o que acarretaria conflitos inevitáveis e violentos. A concretização de projetos grandiosos como o Plano de Integração Nacional (PIN), de 1970, com foco na ocupação da Amazônia através do assentamento de famílias ao longo das estradas - notadamente a Transamazônica e a BR 163- que fossem construídas na região, dependiam do apoio do órgão indigenista, agora a FUNAI, para controlar os contingentes indígenas resistentes às remoções de seus territórios. Remoções foram igualmente necessárias para a viabilização, entre 1970 e 1980, da exploração de minério no sul do Pará que culminaria no Projeto Grande Carajás. A Hidrelétrica de Tucuruí e a estrada de Ferro Carajás, obras previstas no âmbito do projeto, afetaram vários povos indígenas, a exemplo dos Parakanã, removidos para dar lugar ao lago de Tucuruí, mas que já haviam sido deslocados anteriormente em virtude da Transamazônica (BRASIL. CNV, 2014, p.209-210).

Também colaborou para o esbulho de terras indígenas a emissão fraudulenta de certidões negativas de existência de índios pela FUNAI, muito comum em relação à região amazônica, vez que a apresentação de tais certidões era um requisito para acessar programas de financiamento na Amazônia Legal. No âmbito de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instaurada em 1977 para investigar a FUNAI, restou comprovada a emissão indiscriminada de muitas certidões, tanto atinentes a áreas sabidamente ocupadas por índios - às vezes por mais de um povo - quanto se referindo a territórios sobre os quais o órgão sequer possuía informações precisas. Para ilustrar esse tipo de prática, cita-se o exemplo dos Nambikwara, provenientes do Vale do Guaporé, em Mato Grosso. Após a criação da Reserva Indígena Nambikwara, em 1968, a FUNAI começou a emitir certidões negativas de existência de índios no referido Vale, fazendo com que a iniciativa privada fosse beneficiada com recursos da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) e que o vale fosse tomado pela atividade pecuária na década de 1970. Ocorre que muitos índios que ali permaneceram, resistindo às várias tentativas de transferência para a reserva, passaram a viver em condições precárias, acometidos por doenças e sem a garantia do seu território. Posteriormente, instalam-se na região as atividades madeireira e garimpeira, agravando a situação de vulnerabilidade dos índios (BRASIL. CNV, 2014, p.221-222).

A CNV enfatiza bastante a questão do esbulho em seu relatório porque foi a partir da privação do território que decorreram outras violações de direitos humanos dos povos indígenas no período por ela analisado, muitas das quais permanecem até os dias atuais. Os exemplos aqui citados, que são uma pequena amostra dos casos examinados no relatório, permitem demonstrar que o esbulho foi uma escolha política perpetuada ao longo de vários

governos a fim de efetivar seus projetos de desenvolvimento econômico. Diante desse quadro, a CNV fez as seguintes recomendações ao Estado Brasileiro:

- Pedido público de desculpas do Estado brasileiro aos povos indígenas pelo esbulho das terras indígenas e pelas demais graves violações de direitos humanos ocorridas sob sua responsabilidade direta ou indireta no período investigado, visando a instauração de um marco inicial de um processo reparatório amplo e de caráter coletivo a esses povos.

- Reconhecimento, pelos demais mecanismos e instâncias de justiça transicional do Estado brasileiro, de que a perseguição aos povos indígenas visando a colonização de suas terras durante o período investigado constituiu-se como crime de motivação política, por incidir sobre o próprio modo de ser indígena.

- Instalação de uma Comissão Nacional Indígena da Verdade, exclusiva para o estudo das graves violações de direitos humanos contra os povos indígenas, visando aprofundar os casos não detalhados no presente estudo.

- Promoção de campanhas nacionais de informação à população sobre a importância do respeito aos direitos dos povos indígenas garantidos pela Constituição e sobre as graves violações de direitos ocorridas no período de investigação da CNV, considerando que a desinformação da população brasileira facilita a perpetuação das violações descritas no presente relatório.

- Inclusão da temática das “graves violações de direitos humanos ocorridas contra os povos indígenas entre 1946-1988” no currículo oficial da rede de ensino, conforme o que determina a Lei nº 11.645/2008.

- Criação de fundos específicos de fomento à pesquisa e difusão amplas das graves violações de direitos humanos cometidas contra povos indígenas, por órgãos públicos e privados de apoio à pesquisa ou difusão cultural e educativa, incluindo-se investigações acadêmicas e obras de caráter cultural, como documentários, livros etc.

- Reunião e sistematização, no Arquivo Nacional, de toda a documentação pertinente à apuração das graves violações de direitos humanos cometidas contra os povos indígenas no período investigado pela CNV, visando ampla divulgação ao público. - Reconhecimento pela Comissão de Anistia, enquanto “atos de exceção” e/ou enquanto “punição por transferência de localidade”, motivados por fins exclusivamente políticos, nos termos do artigo 2º, itens 1 e 2, da Lei nº 10.559/2002, da perseguição a grupos indígenas para colonização de seus territórios durante o período de abrangência da referida lei, visando abrir espaço para a apuração detalhada de cada um dos casos no âmbito da Comissão, a exemplo do julgamento que anistiou 14 Aikewara-Suruí.

- Criação de grupo de trabalho no âmbito do Ministério da Justiça para organizar a instrução de processos de anistia e reparação aos indígenas atingidos por atos de exceção, com especial atenção para os casos do Reformatório Krenak e da Guarda Rural Indígena, bem como aos demais casos citados neste relatório.

- Proposição de medidas legislativas para alteração da Lei nº 10.559/2002, de modo a contemplar formas de anistia e reparação coletiva aos povos indígenas.

- Fortalecimento das políticas públicas de atenção à saúde dos povos indígenas, no âmbito do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena do Sistema Único de Saúde (Sasi-SUS), enquanto um mecanismo de reparação coletiva.

- Regularização e desintrusão das terras indígenas como a mais fundamental forma de reparação coletiva pelas graves violações sofridas pelos povos indígenas no período investigado pela CNV, sobretudo considerando-se os casos de esbulho e subtração territorial aqui relatados, assim como o determinado na Constituição de 1988.

- Recuperação ambiental das terras indígenas esbulhadas e degradadas como forma de reparação coletiva pelas graves violações decorrentes da não observação dos direitos indígenas na implementação de projetos de colonização e grandes empreendimentos realizados entre 1946 e 1988 (BRASIL. CNV, 2014, p.253-254).

A constatação de que o esbulho das terras indígenas ocorreu, direta ou indiretamente (via omissão) pelo Estado não é nova, ela já vinha sendo sustentada por pesquisadores, pelos movimentos indígena e indigenista e cabalmente comprovada por testemunhos e dossiês independentes, além de estar fartamente registrada em arquivos públicos. Mas o fato de a CNV ter compilado todos esses dados históricos e buscado aprofundá-los em seu relatório é relevante em um momento no qual a configuração do esbulho está sendo analisada em recentes decisões da mais alta corte judiciária do país. Ademais, ressalta-se que o relatório da CNV é um documento produzido pelo próprio Estado, tratando-se, portanto, de um reconhecimento da responsabilidade pelos atos de esbulho praticados, cujo teor deve ser considerado na (re)discussão da teoria do fato indígena, assim como na interpretação do direito constitucional à terra.