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4. A LEI Nº 13.491, DE 13 DE OUTUBRO DE 2017

4.1. Histórico da Lei (do projeto à sanção)

A Lei nº 13.491/17 é resultado da aprovação do Projeto de Lei da Câmara nº 44, do ano de 2016, tendo como autor do projeto original (PL 5.768/16, de 6 de julho de 2016) o Deputado Federal Esperidião Amin (PP/SC), cujo objetivo era alterar o Decreto-lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969 (Código Penal Militar) para dispor sobre a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra vida cometidos por militares das Forças Armadas, bem como proceder a outras alterações legislativas

Em sua justificativa, no projeto original (PL 5.768/16), o Deputado Federal Esperidião Amin (PP/SC), ao tratar especificamente dos militares federais, justificou seu projeto da seguinte maneira:

Quanto à alteração a ser procedida no inciso III do § 2º almeja-se consignar, de forma expressa, a competência da Justiça Militar da União no processamento e julgamento de militares que, no contexto de atuação em

operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), venham a praticar crimes

dolosos contra a vida de civil. Embora a atual redação faça menção à Lei Complementar nº 97, de 1999, e tal lei venha a tratar justamente da atuação do militar na faixa de fronteira e em operações de garantia, da lei e da ordem, não há alusão expressa à atuação do militar em ações de GLO, somente sendo mencionada a atuação do militar em ação militar, operações de paz e ação subsidiária, que podem não compreender a atuação do militar em GLO, pois não há consenso, no âmbito jurídico, acerca da natureza dessas ações. Assim, não havendo expressa alusão a atuação dos militares no

contexto de operações de GLO, e não havendo um consenso acerca da natureza dessas ações, corre-se o risco de não ser-lhes assegurada a proteção e a segurança jurídica que o diploma legal busca conferir.

(CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2016, grifo nosso)

Ainda na Câmara dos Deputados, o Relator, Deputado Júlio Lopes (PP-RJ) apresentou um substitutivo, uma espécie de emenda que altera a proposta em seu conjunto, substancial ou formalmente. Recebe esse nome porque substitui o projeto. O substitutivo é apresentado pelo relator e tem preferência na votação, mas pode ser rejeitado em favor do projeto original (CÂMARA DOOS DEPUTADOS, 2019).

Tal Substitutivo alterou o texto original do PL nº 5.768/16, ficando o mesmo prejudicado, seguindo o novo texto para o Senado Federal, no dia 07de julho de 2016, impressionantes dois dias após a apresentação em plenário.

Na chegada do PL nº 5.768/16 (agora PLC nº 44/2016) no Senado Federal, em 7 de julho de 2016, o mesmo sofreu apenas uma tentativa de emenda (Emenda

nº 1-Peln.), de autoria da Senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), numa tentativa de não desnaturar a futura lei, no que diz respeito à sua vigência, já que o período de vigência da lei, conforme o projeto original, deveria ser até o dia 31 de dezembro de 2016 e tal projeto ainda tramitava no Senado Federal no ano de 2017. Eis a justificativa apresentada pela Senadora Vanessa Grazziotin em sua Emenda:

O Projeto de Lei da Câmara Nº 44 de 2016 prevê a vigência da Lei até o dia 31 de dezembro de 2016 e, após essa data, a repristinação da legislação por ela modificada. A presente emenda visa retomar a intenção original do autor do projeto em estabelecer um período razoável de vigência para os efeitos da nova Lei. A atualização da data se faz necessário considerando que o tempo de tramitação da matéria extrapolou a expectativa original. (SENADO FEDERAL, 2017)

A Senadora propôs que a data da vigência da norma fosse alterada para 31 de dezembro de 2017 e assim sanar o problema da vigência, já que “o tempo de tramitação da matéria extrapolou a expectativa original” (SENADO FEDERAL, 2017). Outro ponto latente que marcou a tramitação do PL nº 44/2016 foi o posicionamento do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, o qual, em Carta, de 15 de setembro de 2017, encaminhada ao Presidente do Senado Federal, demonstrou profunda preocupação com a possível aprovação do referido projeto.

Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, o projeto afrontaria instrumentos internacionais assinados e ratificados pela República Federativa do Brasil, como por exemplo, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em seus artigos 14.1 e 8.1, respectivamente, in verbis:

Todas las personas son iguales ante los tribunales y cortes de justicia. Toda persona tendrá derecho a ser oída públicamente y con las debidas garantías por un tribunal competente, independiente e imparcial, esta blecido por

la ley, en la substanciación de cualquier acusación de carácter penal formulada contra ella o para la determinación de sus derechos u obligaciones de carácter civil. La prensa y el público podrán ser excluidos

de la totalidad o parte de los juicios por consideraciones de moral, orden público o seguridad nacional en una sociedad democrática, o cuando lo exija el interés de la vida privada de las partes o, en la medida estrictamente necesaria en opinión del tribunal, cuando por circunstancias especiales del asunto la publicidad pudiera perjudicar los intereses de la justicia; pero toda sentencia en materia penal o contenciosa será pública, excepto en los casos en que el interés de menores de edad exija lo contrario, o en las acusaciones referentes a pleitos matrimoniales o a la tutela de menores. (Pacto

Internacional de Derechos Civiles y Políticos, 1966, grifo nosso) Artigo 8. Garantias judiciais

1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e

dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na

apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.(Convenção Americana sobre Direitos Humans, 1969, grifo nosso)

O que se observa é que em ambos os instrumentos internacionais, o foco reside no fato de que aquele que tiver de ser processado e julgado, o deve ser perante um tribunal competente, independente e imparcial.

Nesse sentido, o Alto Comissariado das Nações Unidas rechaçou veementemente a aprovação do PL nº 44/2016, uma vez que alegou, como dissemos anteriormente, ser uma alteração legislativa que ampliaria a competência da justiça militar e, por consequência, mais militares passariam a ser processados e julgados por tribunais militares, sejam da União, seja dos Estados ou Distrito Federa, o que na ótica do Alto Comissariado, deixaria a imparcialidade dos julgamentos comprometida. Arrematou o Representante Regional do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Amerigo Incalcaterra, ponderando que:

Dessa forma, vê-se que a proposta de ampliação da jurisdição militar promovida pelo Projeto de Lei em questão, vai em direção contrária ao que as normas internacionais e as recomendações que os mecanismos de proteção de direitos humanos têm reiterado e, portanto, deve ser desde já rechaçada.

A especialidade e excepcionalidade da Justiça Militar mostra-se essencial para a garantia de julgamentos justos e imparciais, o respeito aos direitos humanos e às obrigações internacionais contraídas pelo Estado brasileiro (INCALCATERRA, 2017)

Entretanto, mesmo com a propositura de uma única emenda, a qual foi rejeitada pelo Relator, o Senador Pedro Chaves, e o posicionamento contrário à aprovação do PL nº 44/2016 por parte dos órgãos internacionais de direitos humanos, o projeto seguiu para votação em Plenário, sendo aprovado no dia 10 de outubro de 2019, com 48 votos favoráveis, seguindo para sanção presidencial, a qual ocorreu em 13 de outubro de 2017.

Rodrigo Foureaux assim criticou a rápida sanção e ausência de debates mais profundos:

Nota-se, portanto, que em nenhum momento houve menção à ampliação da competência da justiça militar, nem houve debates no Congresso Nacional. (...) Logo, é possível concluir que houve falha na técnica legislativa. Isso porque durante os debates discutiram somente a questão do julgamento

dos militares das Forças Armadas nos crimes dolosos contra a vida de civis

pela Justiça Militar da União, sendo que a alteração que ocorreu é profundamente significativa e, historicamente, a tendência sempre foi excepcionar e limitar a competência da Justiça Militar. O legislador e o Supremo Tribunal Federal sempre trataram a competência da Justiça Militar como restritiva. (FOUREAUX, p. 09, grifo nosso)

O que ocorreu foi uma vertiginosa ampliação da competência da justiça militar, decorrência lógica da ampliação do conceito de crime militar. Fato este não debatido pelos Deputados e Senadores, nem muito menos pelos grupos sociais interessados na matéria. A Lei nº 13.491/17 foi muito além do que os legisladores se propuseram a normatizar.

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