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4. A LEI Nº 13.491, DE 13 DE OUTUBRO DE 2017

4.2. Uma norma híbrida (Lei nº 13.491/17)

No que diz respeito às normas penais materiais, estabelece a Constituição federal em seu art. 5º, que a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu (BRASIL, 1988), o que é também explicitado no art. 2º, § 1º do código Penal Militar, onde a lei posterior que, de qualquer outro modo, favorece o agente, aplica-se retroativamente, ainda quando já tenha sobrevindo sentença condenatória irrecorrível (BRASIL, 1969).

Destaque para o que assevera Norberto Avena, em sua obra Processo Penal Esquematizado:

Normas mistas ou híbridas são aquelas que apresentam duplicidade de caráter, vale dizer, incorporam tanto um conteúdo processual quanto um conteúdo material. A relevância desta constatação repercute diretamente no aspecto relacionado à eficácia da lei no tempo. Isto porque, detectada a natureza mista no âmbito de um determinado regramento, será inevitável, no aspecto relativo ao seu conteúdo material, o reconhecimento da retroatividade em relação a atos já realizados ou decisões já consumadas. (AVENA, 2016, p. 42-43)

Já em relação às normas de caráter processual, ou seja, formais, predomina o princípio tempus regit actum, onde as novas regras aplicam-se imediatamente após a sua publicação, sem que se invalide os atos já praticados. E foi o que aconteceu com as recentes alterações do Código Penal Militar e refletindo na competência da Justiça Militar, seja da União, seja na dos Estados.

Interessante alerta se faz necessário no sentido de que mesmo havendo uma alteração processual penal (competência) por reflexo da mudança material (conceito de crime militar), institutos processuais penais comuns não poderão ser aplicados nos novos crimes militares, uma vez que o art. 12 do Código Penal Comum dispõe que as regras gerais deste Códex aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso.

Exemplo de institutos do processo penal comum que não poderão ser aplicados nos novos crimes militares são a multa, as penas restritivas de direitos (art. 44 do Código Penal) e a pena de advertência (Lei nº 11.343/06), uma vez que o Código Penal Militar, em sua parte geral, não as contempla (ROTH, 2017, p. 34).

Isso com vistas a evitar hibridismos (combinação de leis), onde a bel prazer do aplicador da lei, aplicar-se-iam ao caso concreto apenas os institutos mais favoráveis ao réu, independentemente se de cunho material ou formal, o que é vedado pelo ordenamento jurídico nacional, como arrazoado pelo Supremo Tribunal Federal, em decisão recente12.

12 AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. PENAL MILITAR. REITERAÇÃO DOS ARGUMENTOS EXPOSTOS NA INICIAL QUE NÃO INFIRMAM OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. PACIENTE CONDENADO PELO CRIME MILITAR DE DESERÇÃO. ART. 187 DO CÓDIGO PENAL MILITAR. REGIME PRISIONAL FECHADO. POSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 84 COMBINADO COM O ART. 59 DO CPM. COMPATIBILIDADE CONSTITUCIONAL DA RESTRIÇÃO PREVISTA NO ART. 88, II, A, DO CPM. PRECEDENTES DESTA SUPREMA CORTE. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

V – É firme a orientação jurisprudencial desta Suprema Corte no sentido de que, na hipótese de crime de competência da justiça militar, “somente a falta de um regramento específico em sentido contrário é que possibilitaria a aplicação da legislação comum”, ante a “impossibilidade de se mesclar o regime

processual penal comum e o regime processual penal especificamente militar, mediante a seleção das partes mais benéficas de cada um deles, pena de incidência em postura hermenêutica tipificadora de hibridismo ou promiscuidade regratória incompatível com o princípio da especialidade das leis” (HC 105.925/SP, Rel. Min. Ayres Britto).

VI – Nessas circunstâncias, fica afastada a possibilidade de fixação do regime prisional à luz da aplicação analógica das regras estabelecidas no art. 33 do Código Penal comum.

VII – Agravo regimental a que se nega provimento. (STF, HC 150443 AgR/DF, relator Ministro Ricardo Lewandowski, julgamento realizado em 22/03/2019, Segunda Turma, acórdão publicado no DJe-074, disponibilizado em 09/04/2019 e publicado no dia 10/04/2019, grifo nosso).

Há que se salientar que, com a nova competência em matéria penal das Justiças Militares da União e dos Estados, todos os processos em curso na Justiça Comum, deveriam ter sido remetidos para a justiça castrense, desde que fossem relativos a crimes cometidos nas circunstâncias do art. 9º, do Código Penal Militar (ROTH, 2017, p. 34).

Ocorre que mesmo com a inovação processual penal militar, muitos processos ainda tramitam em na justiça comum, por exemplo, e como consequência, todos os atos praticados, desde a sanção da Lei nº 13.491/17 são nulos de pleno direito, em homenagem ao princípio do Juiz Natural, insculpido na Carta Política de 1988, onde ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente (BRASIL, 1988).

Outro aspecto a ser levado em consideração é a estrutura mínima de que dispõe a Justiça Militar, se comparada com as outras Justiças do Brasil. Uma problemática que se faz pertinente é sabe se essa remessa dos processos em curso na Justiça Comum para a Justiça Militar não geraria um caos de forma a emperrar a tramitação dos processos que porventura seriam recebidos pelas Justiças Militares?

Nesse sentido, o nobre mestre Aury Lopes Júnior, assevera, inteligentemente que:

Enfim, a nova lei vai muito além da questão da competência do júri. Representa uma significativa ampliação da competência das Justiças Militares da União e dos estados, que agora terão de dar conta de uma imensa demanda para a qual não estão preparadas e tampouco foram criadas. Esse entulhamento exigirá um substancial investimento na estrutura das Justiças Militares e também na própria investigação preliminar no âmbito militar, o que dificilmente ocorrerá a médio prazo. Como se trata de lei processual penal, com aplicação imediata – inclusive para processos em curso, repita-se -, é evidente que esse deságue inesperado de processos irá gerar grande impacto na administração da Justiça Militar. (LOPES JR, 2017)

Portanto, a novel legislação trata-se de uma norma híbrida, sendo constituída de elementos penais e processuais penais. Penal ao ter inovado na ampliação do rol de crimes militares ao dispor que tais crimes serão os crimes previstos no Código Penal Militar e os previstos na legislação penal... (BRASIL, 1969), devendo portanto, ser aplicada regra da retroatividade naquilo que for mais favorável ao réu. Processual penal ao ampliar a competência das Justiças Militares da União e dos Estados, aplicando-se o tempus regit actum, e todos os processos que versem

sobre os novos crimes militares já deveriam ter sido remetidos às Justiças Militares da União e dos Estados, sob pena de nulidade absoluta dos atos lá praticados após o nascedouro da Lei nº 13.491/17.

5. ALGUMAS QUESTÕES PROCESSUAIS PENAIS MILITARES NO TOCANTE

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