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CAPÍTULO I. Representações do Heroísmo de Zumbi na Historiografia

1.2. Historiografia colonizada

A nossa aspiração em identificar este momento da historiografia brasileira sobre a população negra, o Quilombo dos Palmares e Zumbi dos Palmares, consiste na possibilidade de a recortarmos a partir da visão que Frantz Fanon desenvolveu sobre os mecanismos de dominação presentes no sistema colonial: o colonizador e o colonizado. Em Pele negra, máscaras brancas, o pensador negro martinicano nos apresenta a busca do colonizado pela assimilação por meio da troca de pele a fim de que possa adotar para si o complexo de autoridade do branco. Esse desejo, para Fanon, corresponde ao contexto da sociedade em que o colonizado vive:

Se ele se encontra a tal ponto submerso pelo desejo de ser branco, é que vive em uma sociedade que torna possível seu complexo de inferioridade, em uma sociedade cuja consistência depende da manutenção desse complexo, em uma sociedade que afirma a superioridade de uma raça; é na medida exata em que esta sociedade lhe causa dificuldades que ele é colocado em uma situação neurótica (2008, p. 95).

Raimundo Nina Rodrigues, que voltou os seus trabalhos para o estudo das culturas afro-brasileiras, considerava que, segundo Flávio dos Santos Gomes, por conta da existência de raças inferiores, como a indígena e a negra, era preciso que o Estado os tutelasse, estabelecendo uma legislação especial para eles, mesmo reconhecendo que a sociedade brasileira se formou a partir do complexo conjunto de conexões que se estabeleceram entre eles e os brancos. Nina Rodrigues temia a africanização da sociedade brasileira.

No contexto dessas preocupações de Nina Rodrigues que, entre outros autores, Zumbi surge para a historiografia brasileira como um sujeito histórico, para além do ―título honorífico do Quilombo‖, pelo qual era pensado até então, em que pese, tanto ele quanto

mestres da sua ciência, que mediam crânios e pesavam cérebros para neles encontrar as provas de uma delinquência orgânica ou atávica‖ (2002, p. 167).

43Andressa Reis nos informa que Nina Rodrigues aplica o epíteto ―Tróia Negra‖ a Palmares, por considerar que a ―associação entre a Guerra de Tróia e o Quilombo dos Palmares ocorreu por causa da semelhança física entre as duas cidades e também ao longo cerco realizado contra a muralha de ambas as cidades‖ (2004, p. 65).

Alfredo Brandão44, não descartarem a hipótese de Zumbi também existir como um lugar social dentro do grupo. Além disso, segundo Andressa Reis, ―Nina Rodrigues, em 1905, baseado nesta documentação45 teria sido o primeiro a refutar a versão do suicídio‖ (2004, p. 36).

Sobre Palmares, Nina Rodrigues discute em Os africanos no Brasil, as procedências africanas dos negros brasileiros, e afirma: ―Também bantu46 foi seguramente Palmares‖

(RODRIGUES, 2010, p. 40). Outro destaque deve ser dado a sua proposta para entender a trajetória do quilombo47, que o faz ―marcar na sua história três períodos distintos: Palmares holandês destruído em 1644 por Bareo; Palmares da restauração pernambucana, destruído pela expedição de D. Pedro de Almeida48; Palmares terminal, definitivamente aniquilado em 1697‖ (2010, p. 80). Chega mesmo a ressaltar o feito palmarino:

Difícil assim decidir hoje que nações pretas as promoveram, a que móveis imediatos obedeciam, quais os intuitos a que se propunham. Todavia, mesmo assim desconhecidas, de algumas se tem feito grandiosas epopeias da raça negra. E a mais sabida, sem dúvida a mais notável, dentre todas a que melhor escapou ao ingrato olvido dos pósteros, foi aquela que impròpriamente se crismou de República dos Palmares. (2010, p. 79).

Em torno dos destaques elogiosos a Palmares, continua Nina Rodrigues:

O sentimento de simpatia pela mísera sorte dos Negros escravizados, que é a generosa característica da nossa época; a justa admiração pelo valor e denodo com que Palmares soube defender-se; e mais ainda o sacrifício de seus chefes, preferindo o suicídio ao cativeiro ou à punição, no que se quer

44 De acordo com Andressa Reis, ―O único autor a concordar em parte com Nina Rodrigues foi Alfredo Brandão,

pois este autor acreditava também na existência de vários Zumbis no Quilombo, contudo Brandão inferia que havia o grande Zumbi, sendo a respeito deste que a documentação colonial tratava‖. (2004, p. 85).

45

Segundo Andressa Reis, essa documentação refere-se às correspondências ―que noticiara a morte de Zumbi por tropas paulistas, quase dois anos depois à queda do macaco‖. Reis ainda ressalta que a defesa de Rodrigues fora baseada num texto de Mattoso Maia que, ―em 1881, em um compêndio de História do Brasil, já se referia ao assassinato, e não ao suicídio de Zumbi (2004, p. 36). Entre os seus contemporâneos, para Andressa Reis, aparecem também em Mario Behring e em Alfredo Brandão (2004, p. 67).

46 Sobre as referências banto, Yeda Pessoa de Castro apresenta a tese de que a língua falada em Palmares teria sido de base banto, a partir ―da sua antroponímia (Ganga Zumba, Zumbi, Dandara), datoponímia (Dambe, Osengo, Andalaquituxi, etc.) e da própria palavra quilombo‖ (2005, p. 66). Sobre isso, Castro destaca a incorreção de autores clássicos, cuja tendência é apontar a origem sudanesa para Palmares e suas lideranças, como ocorre com Décio Freitas. Já Nina Rodrigues ―não teve como negar que ‗Banto foi seguramente Palmares‘ (p. 35)‖ (2001, p. 66).

47

Nina Rodrigues não reconhece a existência do Quilombo dos Palmares no século XVI, apenas a partir da ocupação holandesa no século XVII.

48 Explica Arthur Ramos que D. Pedro de Almeida assumiu o governo de Pernambuco em 1674 e, em sua gestão, são organizadas duas expedições vitoriosas contra Palmares: ―A primeira partiu em fins de 1675, e era comandada pelo sargento-mor Manuel Lopes Galvão‖ (1956, p. 63). [...] ―A segunda expedição foi comandada pelo capitão Fernão Carrilho, que partiu em 4 de outubro de 1676, à frente de 180 homens. Foi uma série de vitórias e reveses, em que os quilombos destruídos aqui, se reconstruíam mais além‖ (1956, p. 64).

encarnar um culto heróico à liberdade, tem fascinado a muitos historiadores e publicistas que, na exaltação da República, quase chegam a lamentar o seu extermínio. (2010, p. 85).

Outro destaque importante de Nina Rodrigues sobre o Quilombo dos Palmares está na forma pela qual ele concebe a sua organização política, social e econômica. Nesse sentido, o destaque que fazemos a seguir permite-nos entender a leitura que Andressa Reis faz sobre a crítica que Rodrigues faz à analogia do quilombo com uma República, uma vez que entre os negros de Palmares, a escolha do chefe se faz com base no prestígio obtido ―na guerra ou no mando‖:

O que se apura, em resumo, das descrições conhecidas é que em liberdade os negros de Palmares se organizaram em um estado em tudo equivalente aos que atualmente se encontram por toda a África ainda inculta. A tendência geral dos Negros é a se constituírem em pequenos grupos, tribos ou estados em que uma parcela variável de autoridade e poder cabe a cada chefe ou potentado. Cada vez que aparece um chefe de maior prestígio e felicidade na guerra ou no mando, esses pequenos estados se subordinam a um governo central despótico que se pode considerar eletivo neste sentido de tocar sempre ao que dá provas de maior valor ou astúcia. Palmares não é um caso especial e sem exemplo na história dos povos negros. (2010, p. 84-85). Mas, trazendo outra perspectiva àquela exposta por Andressa Reis, segundo a qual ―O que o diferenciou dos seus contemporâneos foi um tom de simpatia quanto às instituições do Quilombo‖ (REIS, 2004, p. 43), Alfredo Bosi chama a atenção para o fato de que:

Temendo a disseminação da raça negra por via da mestiçagem indiscriminada, Nina refere-se com alívio ao arrasamento dos Quilombos dos Palmares, obra das tropas coloniais chefiadas pelo Bandeirante

Domingos Jorge Velho nos fins do século XVII. Chega a louvar ―a

benemerência das armas portuguesas destruindo o formidável quilombo dos

Palmares‖. (BOSI, 2002, p. 166).

Nesta passagem que segue abaixo, Nina Rodrigues é enfático:

A todos os respeitos menos discutível é o serviço relevante prestado pelas armas portuguesas e coloniais, destruindo de uma vez a maior das ameaças à civilização do futuro povo brasileiro, nesse novo Haiti, refratário ao progresso e inacessível à civilização, que Palmares vitorioso teria plantado no coração do Brasil. E esse sucesso não foi produto de uma ação fácil e sem perigo. Custou ao contrário à tenacidade e previdência do governo colonial grandes sacrifícios de homens e de dinheiro. (NINA RODRIGUES, 2010, p. 85-86).

De acordo com Funari e Carvalho, ―As investigações de Nina Rodrigues foram bem recebidas nos grupos de intelectuais brasileiros e logo inspiraram outros trabalhos, como por exemplo, os de Arthur Ramos‖ (2005, p. 35-36). Disso resultou que Ramos, subsidiado pelo mesmo método comparativo desenvolvido por Nina Rodrigues, estabeleceu como objetivo:

traçar as origens e os padrões culturais dos negros em toda a América. Para isso, ele visava a relacionar cada quilombo a um determinado local na África, o que lhe permitiria entender os costumes e, principalmente, as diferenças entre os assentamentos de quilombolas. (2005, p. 36).

Autores como Andressa Reis (2004), Funari e Carvalho (2005), Flávio dos Santos Gomes (2006) apresentam Arthur Ramos como culturalista. Sobre essa perspectiva, Andressa Reis destaca:

Por fim foram analisados os autores Arthur Ramos e Edison Carneiro, como os principais representantes dos estudos culturalistas. Estes procuraram apreender o Quilombo como o local privilegiado para o escravo desenvolver práticas culturais africanas adaptadas ao novo meio. Mais tarde, esta assertiva permitiu que a essência da história do Quilombo fosse alterada de resistência à aculturação, para a primeira luta de classes no Brasil. Enfim, foi a partir deste novo paradigma que se delineou a associação da história palmarina com os autores marxistas (2004, p. 19).

Por este viés culturalista, Arthur Ramos, segundo Andressa Reis, entende o quilombo ―como um espaço de reminiscências da cultura africana‖ (2004, p. 73), na perspectiva de um ―esforço ‗contra-aculturativo‘, uma resistência à ‗aculturação‘ européia a que eram submetidos os escravos na senzala‖ (REIS; GOMES, 1996, p. 11).

As reflexões de Arthur Ramos giram em torno da concepção de que o negro fora um bom trabalhador e um mau escravo, capaz de reagir violentamente ao seu estado de escravizado. Os quilombos, durante quatro séculos (do XVI ao XIX), sob este contexto, se tornaram agrupamentos organizados de negros fugidos, principalmente no século XVII, quando existiu a ―célebre república de Palmares‖ (RAMOS, 1956, p. 42).

Para Arthur Ramos, o Quilombo dos Palmares, enquanto um estado negro, mesmo com a difícil distinção entre o que fora experiência histórica e o fora lenda, se tornou tão importante para os negros fugidos no Nordeste que ele acabou virando modelo para as mobilizações posteriores. As informações de Arthur Ramos vêm de Nina Rodrigues.

Para Flávio dos Santos Gomes, residia na concepção de aculturação elaborada por Ramos um problema epistemológico grave:

Nos quilombos  e especialmente neles  recriar-se-ia a genuína cultura de origem africana, pois estaria longe de um sistema aculturativo encontrado nas senzalas, imposto pelos senhores. Também já é sabido que o principal problema desse tipo de análise foi a conceituação de cultura. Em grande

medida, esta foi vista como uma experiência social ―estática‖ ou com

mudanças históricas lineares, enfatizando a idéia de difusão (2005b, p. 27).

Mas o cerne da abordagem de Arthur Ramos pode ser compreendido por uma questão colocada por Beatriz Nascimento. Afirma a historiadora sergipana: enquanto que, em fins do XIX, ―o quilombo recebe o significado de instrumento ideológico contra as formas de opressão‖ (NASCIMENTO, 2008, p. 86), tornando-se símbolo de resistência, no século XX, o quilombo consolida-se no seu papel ideológico de fornecer material que realce ―seus aspectos positivos como reforço de uma identidade histórica brasileira‖. (NASCIMENTO, 2008, p. 87).

A partir de Beatriz Nascimento, é possível entendermos que os textos de Arthur Ramos, mesmo tendo sido publicados posteriormente à Semana de Arte Moderna de 1922, contribuíram para reforçar a mística de Palmares e Zumbi e passar a ―alimentar os anseios de liberdade da consciência nacional‖ (NASCIMENTO, 2008, p. 87).

Rachel Rocha de Almeida Barros afirma em O lugar social das palavras africanas no português do Brasil que Arthur Ramos estudou, sob o prisma da mestiçagem como um traço característico do grupo, o papel dos negros bantos para a cultura brasileira (BARROS, 2006, p. 11). Mas em relação aos termos raça e mestiçagem, ele preferia usar cultura e aculturação, conceitos que ele julgava, criticamente, atuais para o seu tempo. Arthur Ramos considerou necessária esta transubstanciação conceitual para que fosse possível investigar, no Brasil, o Quilombo e Zumbi dos Palmares: ―Os usos e costumes dos quilombos dos Palmares copiavam as organizações africanas de origem bantu, mas com as modificações introduzidas com os hábitos aprendidos no Novo Mundo‖ (RAMOS, 1956, p. 69).

Arthur Ramos via o Quilombo dos Palmares como um local privilegiado, pois, como os negros africanos que o constituiu se caracterizava pela variedade racial dos povos bantos, haveria de ter nele uma prática social multicultural. No entanto, em razão das dificuldades para se saber mais sobre esses povos, que certamente eram majoritários na constituição étnica de Palmares, Arthur Ramos propõe, no capítulo IV, ―Os cultos de procedência bantu‖, da sua obra O negro brasileiro (1988), investigar a contribuição linguística desses povos.

A priori, ele considera que o pouco conhecimento que se tem dos povos bantos, vem da hegemonia nos estudos da religiosidade sudanesa, resultante da influência dos trabalhos de Nina Rodrigues:

a pobreza mythica bantu, em relação aos sudanezes, facto reconhecido por todos os ethnographos, o que resultou na quasi total absorpção, no Brasil, pelo fetichismo gêge-nagô. Outra razão reside no facto de terem sido iniciados na Bahia os estudos sobre as religiões negras com Nina Rodrigues, ponto onde o tráfico de escravos foi principalmente de negros sudanezes, o que influenciou todos os trabalhos ulteriores sobre o assumpto. (RAMOS, 1988, p. 75).

No entanto, para Arthur Ramos, esse contexto se apresenta de forma paradoxal dentro dos estudos sobre o negro no Brasil, uma vez que temos ―de um lado, a riqueza de contribuições linguisticas [grifo do autor] de orígem bantu em detrimento de pesquizas congêneres de procedência sudaneza‖ (1988, p. 75-76). Assim, segundo Ramos, as únicas referências encontradas por ele sobre a religiosidade banta, veio dos estudos de Nina Rodrigues sobre os termos religiosos de origem bantu, tais como: Zambi, Gane, Iomba, Gana Zona, Ganga Zumba, ngana e Zambi. Dessa forma, prossegue ele:

Entre os povos bantus, que forneceram escravos ao trafico para o Brasil, o deus principal é Nzambi ou Zambi, em Angola, o mesmo Nzambiam-pungu ou zambi-ampungu, no Congo. [...] Em algumas tribos de Angola, chamam Ngana Nzambi (o senhor Deus). [...] Assim adoram Zambi na forma de qualquer objecto. Com a catechese dos missionários catholicos, deram aos crucifixos o nome de Zambi, que ora traziam pendurados ao pescoço como iteque (amuleto), ora o guardavam em logar especial em suas casas. (RAMOS, 1988, p. 78-79).

Em sua explicação, recorrendo mais uma vez aos estudos de Nina Rodrigues em A Troia Negra, Ramos destaca o problema da grafia destas palavras, principalmente a de Zambi, ressaltando que, entre os povos bantos Zambi é utilizada para referir-se a Deus, enquanto que Zumbi é utilizada para referir-se a espírito.

Assim, em sua obra O negro na civilização brasileira, ao falar da ―República de

Palmares‖, Arthur Ramos vai optar por utilizar a grafia Zambi  referindo-se ao mesmo sentido de Deus dado por seus antecessores  para referir-se a Zumbi no contexto da sua rebelião contra a liderança de seu tio Ganga Zumba, até então, líder de Palmares:

Mas Zambi, sobrinho do rei Ganga Zumba desconfiou da promessa dos portuguêses. Rebelou-se contra o se tio, matando-o, reuniu os seus cabos de guerra, proclamou-se rei e declarou a luta. Ia começar o período mais turbulento de Palmares. O Zambi já era, àquele tempo, um chefe famoso, cujas façanhas deixaram atônitos os próprios soldados brancos (RAMOS, 1956, p. 65).

No entanto, muito mais do que um cargo, como outros se referiram antes dele, Ramos parece dar pessoalidade ao sujeito histórico Zambi, mesmo que não ocupe muito da sua escritura para destacar o líder palmarino. Arthur Ramos usa, inclusive, expressões que dão o tom da nossa percepção de textualidade histórica. São elas ―sobrinho rebelado‖, ―chefe famoso‖, ―guerreiro experiente‖.

Segundo Arthur Ramos:

Com a experiência das lutas anteriores, os Negros, agora dirigidos pelo Zambi, trataram de se concentrar num grande núcleo, criando uma grande fortaleza central que servisse de refúgio aos mocambos de menores proporções, da periferia (1956, p. 65).

Para Arthur Ramos, se fossemos seguir a perspectiva de Rocha Pita, Zambi era um rei de uma república rústica, escolhido eletivamente, que mais parecia, para o próprio Arthur Ramos, um rei eletivo de uma monarquia, uma vez que, assim como seus capitães executores de ordens, era escolhido entre os ―chefes militares mais valentes e capazes‖ (1956, p. 68). Um rei que possuía uma casa maior do que as demais  que inclusive servia de conselho e quartel , guarda pessoal, ministros, mulheres e súditos que ―obedeciam-no cegamente e só lhe falavam de joelhos‖ (RAMOS, 1956, p. 69).

Nessa caminhada historiográfica encontramos, entre os autores destacados, perspectivas diversas sobre Zumbi dos Palmares. Para Rocha Pitta, o nome do príncipe Zombî significava ―diabo‖. Para Robert Southey, ―Zombi‖, e para Nina Rodrigues ―Zambi‖ é um cargo, que pode ser militar, político ou mesmo religioso. Vale destacar também que, segundo este último, a grafia ―Zumbi‖ é de apelo popular, designando ―um ser misterioso algo de feiticeiro, escuso e retraído, só trabalhando e andando às desoras‖ (2010, p. 100). Para Arthur Ramos, a grafia de Zumbi aparecia, de acordo com as línguas bantu, da seguinte forma: ―Zambi‖ como Deus e ―Zumbi‖ como espírito.

O que nos parece é que a perspectiva trazida por Ramos denota a sua preocupação com a necessidade de se afirmar os elementos culturais ainda constituintes de uma cultura popular negra de influência africana, muito mais do que uma perspectiva de base marxista, como pretendeu destacar Andressa Reis (2004). Segundo Lívio Sansone (2004), autores como o ogã Arthur Ramos buscaram nos africanismos49 um conhecimento maior sobre as origens da

49 Em nota, Lívio Sansone considera que ―‗africanismos‘ são traços ou artefatos culturais cuja origem Herskovits

atribuiu à cultura africana ocidental anterior à escravatura. Naturalmente, pode-se argumentar que reduzir a complexidade das culturas africanas a um grande padrão cultural da África Ocidental, como postulou esse autor, é hoje teoricamente insustentável‖ (2003, p. 303).

cultura negra (p. 93). O Brasil de Ramos é o lócus privilegiado para o desenvolvimento desses estudos.