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1 O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE LEONEL FRANCA: UM AGENTE

2.1 Homem de confiança de Dom Leme: o religioso

Ao voltarmos nossos olhares às décadas da primeira metade do século XX, quando a Igreja Católica estava – por longo período – sob a liderança do arcebispo

Dom Leme, podemos afirmar que a presença religiosa, em contraponto à sociedade, estava embasada por dois parâmetros. O primeiro sugeria um esforço da instituição “[...] mediante uma ampliação mais expressiva, e uma melhor organização dos seus quadros, mantendo sempre o caráter clerical e a direção hierárquica” (AZZI, 2008, p. 124); por outro lado, necessitava de ações sociais pelo direcionamento político, além dos “[...] valores éticos e religiosos que tradicionalmente haviam pautado a atuação católica dentro do regime de cristandade” que asseguravam o direcionamento católico na sociedade (AZZI, 2008, p. 124).

Notamos que a Igreja, assim como temos acompanhado na construção deste texto, por meio de princípios religiosos, assevera ter o domínio da solução mais adequada para resolver as crises sociais, culturais e políticas. Azzi (2008) aponta que, apenas após a década de 1950, com a Conferência dos Bispos do Brasil de 1952, a instituição passa a analisar – para resoluções das crises da República – também as questões políticas e econômicas estatais.

O fortalecimento da Igreja Católica, após 1890, foi determinante para o futuro da instituição. Skalinski Junior (2015, p. 26) afirma que “[...] ao final do padroado [...] a Igreja Católica encontrava-se mal organizada no Brasil” e, por esta razão, Roma assumiu a responsabilidade de reconstituir o clero, para isso foram enviados “[...] um enorme contingente de padres e freiras europeus com a finalidade de fundar colégios, obras de caridade e assistência social, além de uma grande quantidade de missionários” (RODRIGUES, 1981, p. 5). Com isso:

Significativamente, a remoção das barreiras estatais acelerou a europeização do clero, permitindo a entrada no Brasil de uma avalanche de padres religiosos estrangeiros. [...] O subsequente crescimento no número de religiosos estrangeiros superou com grande vantagem o aumento de brasileiros. Entre 1880 e 1930, mais de três dúzias de ordens religiosas masculinas entraram no Brasil, e todas as ordens tradicionais do Brasil, menos uma, haviam sido restauradas (SERBIN, 2008, p. 95).

Um censo, realizado em 1920, aponta um grande número de imigrantes no país, no qual não faziam distinção entre religiosos e diocesanos, porém, para Serbin (2008), a maioria dos estrangeiros eram os padres religiosos. A “desnacionalização” do clero, em virtude dos desconfortos da Igreja Católica com o Estado – como, por exemplo, a inserção da laicidade em âmbito nacional –, levava as ordens a solicitar constantemente padres da Europa, ou do exterior em geral. Alguns padrões iam se

delineando, na nova fase, definitivamente “[...] ser padre no Brasil era ser branco. Ressurgiram os velhos preconceitos sobre a inadequação dos brasileiros para a vida sacerdotal” (SERBIN, 2008, p. 95).

Durante todo o período varguista, a Igreja obteve subsídios governamentais auxiliando em atividades não apenas religiosas mas também sociais. Os recursos providos do Estado auxiliavam a Igreja na reconstrução de sua infraestrutura no país. Os investimentos direcionados aos seminários eram um exemplo dessa aliança financeira:

Os seminários educavam candidatos ao sacerdócio e dezenas de milhares de meninos e homens que depois escolhia outras carreiras. [...] A partir da era Vargas, agências federais, estaduais e municipais forneceram recursos aos vicentinos. Logo muitos outros seminários passaram a receber sua parte. Documentos do arquivo de Gustavo Capanema, ministro da Educação de Vargas e protegido de Alceu Amoroso Lima, demonstram que ele e seus assessores cogitaram em transformar a subvenção aos seminários em política explícita do governo brasileiro durante o Estado Novo (SERBIN, 2008, p. 101). Serbin (2008) afirma que essa poderia ser denominada de uma versão moderna do padroado colonial, considerando que aqueles que não levassem em diante o sacerdócio poderiam prestar serviços ao Estado. Assim, este acabava “[...] educando milhares de homens e fornecendo às escolas professores instruídos na rigorosa tradição clássica, os seminários serviram de válvula de escape a um Estado que negligenciava o ensino público” (SERBIN, 2008, p. 117). Esse fato pode auxiliar nas explicações dos motivos de o Estado ter voltado a subsidiar os seminários ainda na primeira metade do século XX.

Com base nisso, podemos afirmar que, à medida que essa reconstrução foi desenvolvida, no país, alargou-se o fortalecimento da Igreja Católica, principalmente pelos religiosos estrangeiros que aqui implantaram suas tradições católicas e propagaram os dogmas da Santa Sé.

O ganho desse catolicismo europeizado, mais intelectual e racionalista, vai se dar justamente no seio das elites também europeizadas, e é entre elas, abaladas pelas guerras e pelo fim do mito do progresso e da racionalidade capitalista e liberal, que a Igreja vai colher uma série importante de conversões de homens de letras, homens de Estado, diplomatas e cientistas. Muitos retornaram à fé de sua infância e de seus pais (FAUSTO, 2007, p. 345).

foram necessários mais reforços e manifestações de intelectuais da classe dirigente eclesiástica do país para que fossem demarcadas as opiniões e decisão da Igreja frente ao exposto da Carta Magna, modificada pelo marechal Deodoro da Fonseca. A partir de 1880, principalmente com este marco, alguns líderes eclesiásticos passam a anteceder os próximos passos da igreja e iniciam um movimento de presença mais marcante na sociedade, o que leva à neocristandade.

O modelo de neocristandade adotado pela igreja apresentava-se como forma de superação do estado governamental, assim agiam com os interesses da igreja demonstrando domínio da “[...] influência católica sobre o sistema educacional a moralidade católica, o anticomunismo e o antiprotestantismo [...] a Igreja revitalizou sua presença dentro da sociedade” (MAINWARING, 2004, p. 43). Esta era uma forma de lidar com a fragilidade da instituição sem modificar seu conservadorismo de base. Mais tarde, por volta dos anos 30, persistindo nas estratégias aqui descritas, a igreja reverte – consideravelmente – seu estado de participação estatal.

Não é possível falar do período em questão, tampouco da Ação Católica desempenhada no Brasil por Leonel Franca, sem analisar, antes, o posicionamento e sua relação religiosa e política com Dom Leme. O arcebispo nasceu em 1882 no Espírito Santo do Pinhal (SP), foi professor primário do ensino público, ingressou no seminário em 1894 e viajou à Roma secular em 1904 (por 08 anos). Estudou no Colégio Pio Latino-Americano e na Universidade Gregoriana e formou-se doutor em teologia e filosofia.

No que diz respeito aos grupos familiares, Dom Leme foi primo materno de dom Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti - um intelectual católico militante e atuante politicamente. A trajetória episcopal de Leme ficou marcada por sua militância religiosa em Olinda (1916) e Rio de Janeiro (1921). Foi ordenado cardeal em 1930 e exerceu o cargo eclesiástico até a sua morte, em 1942 (MICELI, 2009).

Provocamos a abertura deste tópico ao analisarmos que, além de aproximações religiosas de confiabilidade, podemos identificar em Franca um dos “braços direitos” de Dom Leme. O jesuíta enquadra-se em certa identificação com a postura e histórico do arcebispo. Ambos possuem trajetórias familiares similares:

[...] Sebastião Leme perdeu o pai pouco depois de nascer, despejando a família que então se iniciara em uma situação de insegurança econômica, agravada pela morte de seu padrasto. Além de assumir diversos trabalhos menores, sua mãe se viu obrigada a pôr o jovem Sebastião para trabalhar na venda de um tio. De lá,

Sebastião Leme saiu quando ingressou no Seminário (ARDUINI, 2014, p. 58).

O último fato tem relação com todo o discurso tecido até aqui para justificar um dos motivos dos jovens ingressarem nos seminários, além do fato, no que diz respeito a Dom Leme, de este ter parentesco com Dom Arcoverde – situação também muito próxima à de Leonel Franca, que tinha parentesco com líderes católicos. Outros pontos devem ser levados em consideração na relação entre os dois padres. Arduini (2014) relata que o fato de terem sido fartamente recompensados pela Igreja Católica, por assumirem um esforço durante o período de formação romana, também pode tê-los aproximado. Os dois enfrentaram problemas de saúde, com riscos permanentes, sugerindo cuidados para a possível trajetória eclesiástica.

Como apontamos no capítulo anterior, Franca teve que recusar o convite para compor vaga na Universidade Gregoriana por seu estado de saúde, enquanto Dom Leme também foi impedido de convites parecidos por sofrer de uma disfunção da glândula tireoide. Acreditamos que essa limitação seja um dos motivos da participação de tantos fiéis e leigos na administração rotineira das atividades de sua diocese, dentre eles, Leonel Franca (ARDUINI, 2014). Acreditamos que as ações do padre Franca foram diretamente inspiradas nos discursos e posicionamento do arcebispo. Além do respeito à hierarquia, princípio fundamental aos inacianos, por admirá-lo como líder daquela geração.

O cardeal Leme foi o segundo cardeal brasileiro. Assim como grande parte do corpo eclesiástico que se destacou na instituição católica, estudou na Pontifícia Universidade Gregoriana (PUG), em Roma, entre 1897 e 1904. Pouco mais de dez anos após sua ordenação, foi consagrado bispo de Recife e, após, de Olinda. Posterior à morte do cardeal Arcoverde (de quem, além de primo, foi auxiliar), foi transferido para ser sucessor daquele no Rio de Janeiro – uma sucessão familiar de cargos eclesiásticos.

Ao tomar posse da arquidiocese de Olinda, escreveu carta pastoral pública que, “[...] para além de mostrar a situação da Igreja Católica no Brasil, propunha caminhos para sua restauração tanto religiosa quanto política” (SKALINSKI JUNIOR, 2015, p. 30). Na carta, intitulada Carta Pastoral de Dom Sebastião Leme, arcebispo metropolitano de Olinda, saudando os seus diocesanos, datada e veiculada em 16 de julho de 1916, demonstrava seu descontentamento e asseverava os rumos

sociais, propostos pelo governo no que tangia à laicidade em todas as esferas sociais.

Somos a maioria absoluta da nação. Direito inconcussos nos

assistem com relação à sociedade civil e política, de que somos a maioria. Defendê-los, reclamá-los, fazê-los acatados, é dever inalienável. E nós não o temos cumprido. Na verdade, os católicos,

somos a maioria do Brasil e, no entanto, católicos não são os princípios e os órgãos da nossa vida política. Não é católica a lei que nos rege. Da nossa fé prescindem os depositários da

autoridade. Leigas são as nossas escolas; leigo, o ensino. Na força armada da República, não se cuida da Religião. Enfim, na

engrenagem do Brasil oficial não vemos uma só manifestação de vida católica. O mesmo se pode dizer de todos os ramos da vida

pública (LEME, 1916, grifo nosso)27.

A carta de Sebastião Leme chama a atenção à fragilidade da igreja, das deficiências das práticas religiosas, à limitada influência política e a crítica situação financeira. Repercutiu na sociedade entre os intelectuais católicos e não católicos “[...] e deu início ao que se convencionou chamar ‘reação católica’ que, embora tivesse como base a capital da república, foi um projeto de alcance nacional” (SKALINSKI JUNIOR, 2015, p. 31). A credibilidade dessa carta pode também ter sido levada em consideração pelo fato de Dom Sebastião Leme ser, pelo ponto de vista católico, “[...] considerado um notável estrategista, criador de formas de convivência com o novo regime e de apoio mútuo entre Igreja e Estado” (CAMPOS, 2010, p. 43). Por isso consideramos fundamental nos deter à organização social por meio dos intelectuais e suas divulgações teóricas nos espaços culturais.

Para Mainwaring (2004), o marco da neocristandade culminou com a Carta Pastoral, em 1916, no entanto os 25 anos que a antecede foi significativo para a igreja. Sem este processo o modelo de neocristandade não atingiria seu apogeu de 1930 até 1945 - quando Getúlio Vargas encontra-se na presidência da República. A igreja permanece conservadora, continua se opondo à secularização e prega a hierarquia da ordem. Lustosa (1990, p. 25) aponta que “[...] a maioria dos católicos do Brasil na Primeira República era conservadora em política e ultramontana em religião. Por isso [...] a dificuldade de muita gente da Igreja em aceitar o regime republicano [...]”. Ao definir a dificuldade dos católicos brasileiros em aceitar o período republicano, Lustosa (1990) auxilia na interpretação de que os católicos, na

27 Demos continuidade à nossa opção de manter todos os textos, ao transcrevê-los, fiel e de acordo com o original; assim prosseguiremos por todo o capítulo.

conjuntura citada, organizavam-se, em meio a suas dificuldades, para combater o espírito republicano e, consequentemente, para instruir também seus leigos.

Neste sentido, a carta foi provincial considerando que a igreja apresentava-se em situação complexa. A fragilidade da instituição apresentou seu ponto mais preocupante no século XIX, quando muitos padres passaram a constituir família e se dedicar pouco às atividades eclesiásticas (MAINWARING, 2004). Os seminários “[...] estavam deficientes em termos de número e de qualidade; o chefe titular da Igreja era o imperador brasileiro, no caso, Dom Pedro II (1840-1889), que era um católico pouco fervoroso [...]” (MAINWARING, 2004, p. 41) e a Carta Pastoral vem, também, ao encontro a solucionar esses problemas. Esta situação ocasionou com os conflitos políticos e constitucionais, pois

Embora o Vaticano oficialmente considerasse a separação legal entre a Igreja e o Estado como sendo uma heresia da modernidade, no Brasil esse desmembramento legal libertou a Igreja de uma relação de subserviência ao Estado. O fato de sentir-se ameaçada levou a Igreja a realizar reformas internas que ajudaram a melhorar sua imagem (MAINWARING, 2004, p. 42).

De um lado, os católicos mostravam-se reformistas, seguindo os direcionamentos do clero brasileiro e incorporando as ideias iluministas dos liberais; a outra parte era romana, seguia o direcionamento tridentino e apropriava-se dos ideais do Vaticano, por conseguinte, a favor do ultramontanismo (CAMPOS, 2010; GAETA, 1991). A Igreja Católica, a partir da colonização do Brasil e – sobretudo – no período imperial, manteve fortes alianças (ora dominadora, ora dominada) com os altos comandos estatais. Porém, isso não é negativo, do ponto de vista da Igreja, à medida que a Santa Sé apropriava-se, também, de benefício econômico; “[...] a obediência ao poder civil rendeu ao clero uma estreita ligação com as oligarquias, que teve como consequência e participação na riqueza; [...] domínio exclusivo da educação” (CAMPOS, 2010, p. 38).

Ficava a cargo do episcopado nacional as reações sociais contra os ditames estadistas. Dentre posicionamentos de bispos28 e clérigos, destacamos o de dom

Leme, que foi uma das principais figuras e apoiadores das realizações de Leonel Franca em sua atuação intelectual na sociedade carioca católica. Com a Carta

28Para mais informações sobre o posicionamento do episcopado e a ação católica brasileira, indicamos CAMPOS, Névio de. Intelectuais e igreja católica no Paraná: 1926 – 1938. Ponta Grossa: Editora UEPG, 2010.

Pastoral, de 1916, posiciona-se como um antimodernista e manifesta seu descontentamento com os rumos sociais por afastarem-se de Deus e lembra aos leigos e fiéis os escritos impressos nas encíclicas de Pio X sobre os maus ocorridos pelo distanciamento divino, sendo,

[...] a falta de amor entre os homens, o desprezo da autoridade, a luta injusta entre as diversas classes e a desmedida ambição dos bens da terra. A instrução religiosa e a ação católica foram indicadas como as atividades principais do ministério católico para o seu tempo (DIAS, 1993, p. 102-103 apud CAMPOS, 2010, p. 57). De acordo com o ponto de vista religioso, essa ação de dom Leme foi uma ação para mobilizar os intelectuais e os fiéis. Além disso, duas questões precisam ser consideradas: por uma face, a Igreja Católica direcionava a formação de uma elite pensante que servisse aos ideais clericais católicos; por outra, procurava, de certa forma, estabelecer alianças estadistas. O líder católico chamava a atenção para a ausência de intelectuais no país e isso fez com que o tom da discussão fosse alterado. Dom Leme afirmava que “[...] a Igreja precisava cristianizar as principais instituições sociais, desenvolver um quadro de intelectuais católicos e alinhar as práticas religiosas populares aos procedimentos ortodoxos” (MAINWARING, 2004, p. 42).

Ao desempenhar esse jogo dual, ela não se veria desamparada por ambas as partes. É possível observar o poder do intelectual religioso ao realizar tais intervenções. Para Campos (2010, p. 43), Dom Leme conseguia “[...] mobilizar entre a intelectualidade, o estudo e o debate das ideias e do pensamento católico e estabelecer boas relações com as autoridades políticas do Brasil republicano”. Com isso:

É possível afirmar que uma série de bispos receberam sua formação em instituições vinculadas ao projeto romanizador, procurava implementar nas diversas cidades e Estados brasileiros o programa de reação ao laicismo que postulava uma sociedade desvinculada do ideário católico, das autoridades eclesiásticas e das instituições católicas (CAMPOS, 2010, p. 44).

Essa formação romana diz respeito também aos atos de Leonel Franca. Enquanto jesuíta, por meio do apoio de D. Leme, realizava suas ações político- institucionais católicas com os objetivos de divulgar e propagar a fé cristã católica e os ideais da Santa Sé, impressos na sociedade brasileira. Gaeta (1991, p. 168)

levanta a chave dessa questão quando afirma que:

[...] não bastava formar o clero num seminário rigorista reformador, nem usar da autoridade para punir os clérigos indisciplinados. Era preciso estimular os padres a se consagrarem inteiramente às atividades pastorais junto aos leigos.

Esse estímulo era, nítida e claramente, o papel de Dom Leme no incentivo aos seus pares – inclusive Leonel Franca. As lutas e disputas, travadas no campo clerical em prol da conservação dos ideais católicos na sociedade, e em contraposição aos feitos governamentais, levam-nos a observar que, independente do posicionamento estadista, a postura católica mantinha-se e conservava-se. Suas alterações davam-se, monárquica ou republicanamente, para impedir que o laicismo avançasse e tomasse conta das ondas sociais e culturais na sociedade, no caso, a brasileira. Os discursos de D. Leme, por exemplo, demonstram a astúcia episcopal com que realizava contraposição “[...] aos anticlericais e promovia um estreitamento das relações com as autoridades políticas” (CAMPOS, 2010, p. 46). O campo religioso:

[...] caracteriza o clérigo, cuja encarnação ideal-típica é o padre católico, como mandatário de um corpo sacerdotal que, enquanto tal, é detentor do monopólio da manipulação legítima dos bens de salvação e que delega a seus membros, tenham eles carisma ou não, o direito de gerir o sagrado (BOURDIEU, 2004, p. 120).

Para Pierre Bourdieu, o campo religioso possui muitas ambiguidades e isso acontece por ele ser dissolvido num campo de poder simbólico. O campo está “[...] colorido de moralismo e os próprios não-religiosos cedem com frequência à tentação de transformar saberes positivos em discursos normativos capazes de exercer uma forma de terrorismo legitimado pela ciência” (BOURDIEU, 2004, p. 123). A carta pastoral e as ações de Dom Leme representam essa afirmação.

Martins (2017), em artigo ao centenário da carta pastoral, Um projeto político via instrução: 100 anos da Carta Pastoral de Dom Leme, auxilia na compreensão de que um dos objetivos que perpassa todo o teor daquele comunicado está diretamente ligado a aspectos educacionais. O autor afirma que a educação teria a responsabilidade de salvar o povo da profunda crise, em diversos aspectos, principalmente religiosos, em que se encontrava o país.

A carta, que indicava a educação e a instrução como solução à ignorância religiosa, influenciou os movimentos educacionais da época. Claramente ela se

referia a tantas outras, e profundas, questões sobre o cenário daquele período. No entanto, nossa preocupação é analisar os fatores educacionais e culturais indicados que podem ter levado Leonel Franca a “aderir” à ideia da recristianização, vendo a educação como potencial solução dos males do século XX.

Na análise de Martins (2017), a carta foi dividida em quatro partes. Na primeira, Dom Leme se propôs a expor o mal da falta de instrução religiosa. Na segunda, apontou a ignorância religiosa no meio intelectual e, também, nas camadas populares. Enquanto, na terceira parte, defendeu a instrução religiosa como remédio para os males do Brasil. E, por fim, concluiu com o objetivo inicial: saudar os diocesanos de modo a anteceder sua chegada.

Ao falar sobre a ignorância religiosa, ele destacou as camadas sociais e as dividiu em povo e intelectuais, sendo os segundos “[...] homens de letras, estudados, de ciências, gente ledora e lida que pontifica no magistério e na imprensa” (LEME, 1916). Fica registrada a preferência por esta camada que ficará ainda mais forte após a criação de organizações e centros, com apoios incondicionais a líderes católicos, como o padre Franca.

Ainda sobre os intelectuais católicos, após os convocar para o combate religioso, Leme se protegeu dos julgamentos: “[...] não nos levem a mal o lhes termos posto a mão na ferida” e reafirmou que sua crítica era ao povo, de modo geral, já que muitos “[...] não lhes escasseia conhecimentos profundos no campo das ciências e das letras. Conhecimentos religiosos, precisos, claros, fundamentados, em geral, não os têm. E é um mal” (LEME, 1916).

Ao tratar a educação e instrução como fundamento e remédio para os males