• Nenhum resultado encontrado

2. IDEOLOGIA E ALIENAÇÃO NO PROCESSO DO CONHECIMENTO NUMA PERSPECTIVA DA FILOSOFIA DA PRÁXIS.

2.1. O HOMEM SER SOCIAL

O homem, para ser homem, não pode ficar só na subjetividade, deve objetivar-se e estar presente como ser social.

O processo de produção este é apresentado por Marx nos Manuscritos de 1844. Conforme Vázquez, é lá que o trabalho começa a assumir dimensão essencial para Marx. A dimensão do trabalho não é determinada pelo conteúdo meramente econômico, pela produção de objetos que satisfazem as necessidades humanas. Trata-se, fundamentalmente, de conteúdo filosófico. A produção para Marx é representada por autoprodução ou autocriação do homem.

O papel da produção, que nos Manuscritos começa a esboçar-se sob o conceito econômico-filosófico de trabalho alienado, se revelará já claramente como premissa fundamental de toda a história humana e, desse modo, os Manuscritos constituem uma contribuição decisiva para a formação do pensamento de Marx. (Vázquez, 1977, p.140).

Nos Manuscritos de 1844, como explica Vázquez, Marx elabora o conceito de capital de produção para explicar a alienação do trabalho. São obras que já se aproximam da posterior fundamentação materialista da história.

A produção à qual Marx se refere, está relacionada à necessidade humana de subsistência. O homem, como ser de necessidades, produz para satisfazê-las. No animal também há necessidade de produzir de certo modo. Entretanto, embora tanto

o animal como o homem produza, é necessário entendermos como se relacionam a necessidade e a produção no homem:

[...] para que o homem satisfaça propriamente suas necessidades, ele tem que se libertar delas superando-as, ou seja, fazendo com que percam seu caráter meramente natural, instintivo, e se tornem especificamente humanas. Isso quer dizer que a necessidade propriamente humana tem que ser inventada ou criada. O homem, portanto, não é apenas um ser de necessidades, mas sim o ser que inventa ou cria suas próprias necessidades. (Vázquez, 1977, p. 142).

A produção é a criação de um mundo objetivo. Só pode dar-se pelo próprio homem, conforme sua necessidade. Dá-se, afinal, num processo sem fim. O tipo de produção particular vivido no século XIX é o de uma produção alienada. Se a objetivação se revestiu historicamente da forma de uma objetivação alienada, no entanto, o homem não deixou de produzir a si mesmo como ser social. Sua autoprodução o eleva sobre a natureza exterior e sua própria natureza, numa objetivação que, em vista de dominar a natureza, conduz a uma dependência em relação aos outros. É até verdadeiro que se pode dizer que a alienação aparece como fase necessária do processo de objetivação e que a alienação será superada pelo homem quando se verificarem aquelas condições necessárias para que se justifique sua verdadeira essência. Portanto, há uma dupla exigência para a práxis material: de um lado, que objetivação e alienação se ponham em relação e, de outro, que distingam. (Vázquez, 1977, p. 143).

O homem só existe como tal e se autoproduz como ser que se objetiva e produz um mundo humano. Mas essa objetivação assume, necessariamente, mas não essencialmente, um caráter alienado. Precisamente por isso a alienação pode ser superada; o mesmo não acontece com a objetivação que é, podemos dizer; constitutiva, essencial para o homem. Por isso, dizíamos anteriormente, a produção é essencial e fundamental na vida social. Contudo o problema das relações entre sujeito e objeto, não só num sentido ontológico como também gnoseológico, tem que ser examinado à luz da práxis. (Vázquez, 1977, p. 143).

A relação sujeito-objeto não pode ser analisada só no sentido ontológico (estudo do ser), mas também no sentido gnoseológico (conhecimento). De qualquer maneira, só será compreendida à luz da práxis. Esse é um problema que se apresenta nas teses sobre Feuerbach quando do estudo do sujeito-objeto. Nas teses contra Feuerbach, Marx chega à mesma conclusão em relação ao aspecto antropológico do homem e em relação com o conhecimento, Marx afirma: “não existe o homem à margem de sua atividade prática e, portanto, tem ele um caráter antropológico”. (Vázquez, 1977, p. 143).

A antropologização da natureza, do sujeito e do objeto se dá pela característica que recebem em e pela prática. A antropologização do conhecimento ocorre da relação cognoscitiva do sujeito-objeto. A natureza exterior do objeto se constitui, assim, no lugar central da práxis. É o homem por essência que necessita objetivar-se de modo prático e natural, humanizando o mundo. Produzir é entrar no mundo do objeto a ser conhecido, humanizando-o a fim de o levar ao serviço do homem para sua transformação.

A natureza, como tal perde seu caráter em si; isto é, por si só não tem caráter antropológico. É ao homem que cabe a tarefa de ajustar-se ao seu mundo humano, através da transformação a que submete a mesma natureza com seu trabalho. Interessante ler em Vázquez:

‘A indústria é a relação histórica real entre a natureza e, portanto, as ciências naturais e homem’. Através da indústria, da produção ou do trabalho, a natureza se adapta ao homem, pois ‘nem a natureza objetivamente, nem a natureza subjetivamente, existem de modo imediatamente adequado ao ser humano’. A natureza em si, exterior ao homem, se transforma em natureza humanizada e, nesse sentido, Marx diz também que ‘a industria é o livro aberto das forças essenciais do homem’. Livro escrito poderíamos dizer, com caracteres humanos. E o desenvolvimento da produção, da práxis produtiva, não passa de uma crescente humanização da natureza. (Vázquez, 1977, p. 144).

Segundo Marx (Vázquez, 1977, p. 144) o homem não pode ser considerado a margem da natureza ou fora de sua relação com ela e “nem pode entendê-la separada e abstratamente, pois esta isolada do homem é nada para este”.

Tratar-se-ia, nessa discussão de Marx, de uma nova versão “idealista do não há objeto sem sujeito” ou do “idealismo da práxis?” (Vázquez, 1977, p. 144).

Parece tratar-se de compreender que o homem só existe na relação prática com a natureza. O homem tem de estar em relação produtiva com a natureza, uma vez que a natureza lhe oferece o objeto ou a matéria de sua atividade, ou, como resultado desta, é natureza humanizada. Em outras palavras, para o “homem como tal a natureza ”só existe” como objeto de sua ação, ou como produto de sua atividade”. (Vázquez, 1977, p. 145).

Se acontecer que natureza e homem se integrem, sejam postos em relação – pela indústria, por exemplo, coloca-se o problema do novo sentido humano.

Dado o sentido humano ainda se revela à prioridade ontológica da natureza. Entretanto a natureza, já não é a original, mas sim integrada no mundo do homem pela prática. Repete-se com Vázquez:

“o conhecimento que o homem tem dessa natureza é, portanto, um conhecimento antropológico”. (Vázquez, 1977, p. 145/146).

Por isso, é conseqüente repetir com Marx: “as ciências da natureza não passam indubitavelmente de ciências humanas”. (Tese dos Manuscritos de 1844).

Para entendermos essas afirmações é necessário analisar melhor o fundamento antropológico da indústria e da sua práxis produtiva, visto ter esta sido qualificada por Marx como o livro aberto das forças essenciais humanas. Essas forças essenciais são buscadas, além de na indústria, também na política, na literatura e na arte. Entende-se que não se pode considerar a indústria

simplesmente como força exterior ao homem. De fato, inclusive sob a forma de alienação, o homem se desenvolve nesse mundo de objetos úteis. Portanto, a indústria tem de ser posta em relação com o homem. (Vázquez, 1977, p. 146).