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A figura 36 traz um cartum publicado no livro Novas Palavras (2013).

O cartum ilustra o quão antigo é o interesse das mulheres pelos diamantes, através da figura de dois homens das cavernas quebrando pedras para encontrar diamantes para as mulheres. Este cartum se encontra na seção Da Teoria à Prática, do capítulo sobre Classes Gramaticais – Artigo e Numeral, Volume 1, do livro Novas Palavras (2013). Ele é introduzido pelo enunciado:

Leia esta tira de humor:

Em seguida, os alunos devem responder às seguintes questões:

a) O que a caracterização dos personagens – roupas, cabelos e barba – procura evidenciar?

b) Na fala do personagem, há duas locuções adjetivas. Numa delas, o artigo foi omitido; na outra, foi utilizado. Transcreva essas locuções.

c) Explique por que a omissão do artigo em uma das locuções é fundamental para criar o efeito de humor da tirinha.

Para facilitar o acesso das PcDV ao texto e a imagem no cartum Homens das Cavernas, acredito que, após a identificação do gênero imagético, descrever a forma como os participantes da cena se posicionam em relação ao observador (metafunção interacional), deveria ser a primeira informação apresentada na descrição da imagem, seguida da forma como eles estão vestidos, pois são informações comuns aos os dois participantes e nos permite partir do geral para o específico.

Figura 36 - Homens das Cavernas

Fonte: Livro Novas Palavras, volume 1, 2013, p. 315.

Em seguida, a composição (metafunção composicional), deveria ser abordada na descrição dos participantes da imagem, com a proposta de leitura da esquerda para a direita, conforme orientação de leitura e escrita da cultura ocidental.

Com o objetivo de mapear essa composição, a figura 37 mostra todos os elementos que compõem o cartum, assim como a ordem em que, segundo a GDV, as informações deveriam ser apreendidas.

Na imagem acima, o homem loiro representa a informação dada, ou seja, a imagem do homem das cavernas quebrando pedras já é conhecida do observador, pois era assim que eles produziam suas armas e utensílios de caça. E o homem moreno representa a informação nova, ou seja, a imagem de um homem das cavernas escolhendo pedras em busca de diamantes é algo novo para o observador. Por essa razão, pensamos que, em termos de descrição da composição, a ordem de apresentação dessas informações na audiodescrição, segundo a GDV, deveria ser da informação dada para a informação nova, seguindo a orientação de escrita da cultura ocidental, portanto, homem da esquerda-homem da direita.

No que diz respeito à representação (metafunção representacional), o cartum representa dois processos de ação, o primeiro tem como ator o homem loiro, cujo vetor são seus braços que movimentam a pedra (meta) para quebrá-la. O segundo tem como ator o homem moreno, cujo vetor são suas mãos e olhos usados para escolher as pedras quebradas (meta), em busca dos diamantes. (Vê Figura 37).

Do ponto de vista da metafunção interacional, o contato que os atores, nesse caso os homens das cavernas, estabelecem com o observador do cartum é de oferta, pois estes se apresentam de perfil, olhando um para o outro e não na direção do observador.

Figura 37 - Mapeamento de Homens das Cavernas segundo a GDV

A imagem se apresenta numa perspectiva subjetiva, ou seja, da maneira como o produtor quer que o observador se relacione com os participantes representados na imagem. Pois, ao representá-los de perfil, num ângulo oblíquo, o produtor da imagem reforça a proposta de distanciamento entre eles e o observador, que não se envolve com o que é retratado.

No quadro sinótico 10, é possível observar os elementos que compõem a imagem, a partir das metafunções interacional, composicional e representacional.

Quadro 10: Análise do cartum Homens das Cavernas, segundo a GDV.

METAFUNÇÃO Interacional

Contato (faz o quê/como) Distância Social Perspectiva (de onde)

Oferta: Dois homens de perfil

Impessoal: Descrição dos dois homens Subjetiva: Descrição dos homens de perfil

Composicional Valor da Informação (onde)

Polarizado

Dado: Homem loiro Novo: Homem moreno Representacional Processo Narrativo Ação (o quê/quem) (faz o quê/como) Atores: Os homens

Vetores: Seus braços e olhar Metas: As pedras

Fonte: Elaborado pela autora

Das três questões propostas pelo livro, apenas a primeira tem como foco a leitura imagética do cartum, e para respondê-la, uma AD segundo a GDV deveria iniciar descrevendo o que há de comum entre os participantes representados na imagem, ou seja, ela deveria iniciar descrevendo a forma como os personagens se posicionam na imagem (metafunção interacional) e como estão vestidos (como), e em seguida apresentar a composição do cartum, partindo do homem loiro para o homem moreno, nessa ordem (metafunção composicional), e finalmente descrever suas ações (metafunção representacional), apresentando o máximo de informações possível (o

quê/quem, faz o quê/como), para que a a PcDV tenha acesso às mesmas informações

que os videntes.

Portanto, para construir um texto narrativo da audiodescrição de forma a facilitar a construção da imagem mental deste cartum pela PcDV, as informações devem ser apresentadas conforme as metafunções interacional, composicional e representacional, nesta ordem.

4.6.1. Análise da AD do Mecdaisy a partir da GDV

Agora veremos, como a AD do Mecdaisy poderia ser analisada a partir das considerações da subseção anterior. Antes, vejamos a AD atribuída ao Cartum:

Charge com um quadro. Dois homens das cavernas trabalham quebrando pedras. O da esquerda quebra uma pedra grande no chão, enquanto o outro olha cuidadosamente escolhendo pedras. Este segundo homem diz (balão de diálogo): Estou doido para sairmos da idade da pedra para entramos na idade do bronze, para que as mulheres parem de nos exigir diamantes!”.

A AD acima não descreve os participantes representados, privando a PcDV de informações que são imediatamente capturadas pelo vidente ao observar o cartum, e, consequentemente, inviabilizando seu êxito na resposta da primeira questão do livro que recai sobre a caracterização dos personagens.

Além de não descrever os participantes, a AD do Mecdaisy não dá a PcDV referências espaciais sobre o posicionamento do “segundo homem”, pois ela descreve os personagens como “o homem da esquerda” e “o outro” ou como “o segundo homem”, não dando a PcDV uma noção precisa de em que posição da imagem esse participante está representado, o que pode resultar numa imagem mental diferente da imagem real.

No tocante à descrição da ação do “segundo homem”, ao dizer que ele está “escolhendo pedras”, ao invés de descrever como essa ação ocorre, a AD do

Mecdaisy diminui significativamente a autonomia da PcDV na sua capacidade de

inferência sobre o que está sendo descrito, retirando dela a possibilidade de chegar às suas próprias conclusões sobre o objetivo da ação.

Por fim, a AD do Mecdaisy define o gênero imagético como charge, quando a principal característica da charge é o fato dela ser temporal e manter uma relação sincrônica com fatos sociais relevantes. A imagem Homens das Cavernas se encaixa, por exemplo, na definição de Simões (2010, p. 71) ao afirmar que o gênero discursivo cartum se insere no campo da “exposição imagética de experiências atemporais vividas e compartilhadas por uma sociedade e por uma cultura particular, com vistas à memorização e à documentação de ações humanas singulares, reais – ainda que satirizadas”.

A definição do gênero imagético ajuda a PcDV a acessar conhecimentos necessários para uma ambientação com a proposta do gênero, assim como acontece

com os videntes. Logo, ouvir a descrição de um cartum classificado como charge pode levar a PcDV a questionar conceitos possivelmente estabelecidos.

A PcDV-3 ouviu essa audiodescrição depois de ouvir a AD da MAIE e, mesmo chamando atenção para a ausência de algumas informações, a considerou uma boa audiodescrição, como é possível verificar em sua fala a seguir:

Eu gostei também, porque são estilos diferentes né, da construção da imagem, essa foi um pouco mais sucinta né, ao dizer que os dois trabalham né, não citou a questão da roupa, da veste né, da pele, mas talvez isso não seja tão relevante, não vai interferir na compreensão da imagem, o que está implícito aí é a ação né, e a ironia que existe né, e a diferença tá na charge e no cartum né, nessa questão do gênero né, de caracterização do gênero, mas eu gostei também, ficaram boas as imagens. (Vê Apêndice G)

A observação da PcDV-3 sobre a diferença na caracterização do gênero é porque esta audiodescrição definiu a imagem como charge, quando baseado em definições apresentadas previamente, a imagem se encaixa no gênero cartum, definição empregada na AD da MAIE. Por se tratar de gêneros com características muito próximas (charge e cartum), o equívoco na sua definição não causou prejuízo à compreensão da PcDV-3.

4.6.2. Proposta da AD com base na GDV

Considerando análise de Homens das Cavernas, proponho a seguinte AD para o cartum em questão:

Cartum colorido mostra dois homens de perfil, um de frente para o outro, usando peles vermelhas de animal. O da esquerda é loiro e está tentando quebrar uma pedra grande batendo contra outras pedras que estão no chão. O da direita tem cabelo escuro e barba grande. Ele joga fora uma pedra com a mão esquerda e olha cuidadosamente outra pedra que está em sua mão direita. Num balão em fundo branco ele diz “Estou doido para sairmos da idade da pedra para entramos na idade do bronze, para que as mulheres parem de nos exigir diamantes!”.

A audiodescrição tem início com a identificação do gênero ao qual pertence a imagem e a descrição da forma como os participantes da cena se posicionam em relação ao observador do cartum. Em seguida, as PcDV terão acesso a descrição dos participantes da imagem na sequência proposta pelos procedimentos de análise

descritos acima, para que possam se apropriar da imagem e assim terem meios de lograr êxito nas questões propostas pelo livro, que se baseiam na apreensão da imagem.

Os participantes da imagem são descritos na sequência orientada pela composição do cartum, com suas respectivas localizações. Temos, então o homem loiro e o homem moreno, que nesta ordem representam as informações Dada e Nova, respectivamente. O homem loiro localiza-se do lado esquerdo da imagem e o homem moreno, do lado direito da imagem.

Ao descrever a forma como os participantes da cena se posicionam em relação ao observador, a AD segundo a GDV contempla as unidades de análise da metafunção interacional. A unidade de contato é apresentada pela informação de que os dois homens estão de perfil, portanto eles não fazem contato visual com o observador; a unidade distância social é apresentada pela descrição das vestes dos personagens, que só é possível porque eles são mostrados de corpo inteiro, numa distância de impessoalidade; e a unidade perspectiva será apresentada na descrição dos participantes olhando um para o outro, indicando um ângulo horizontal oblíquo, que impõe um distanciamento entre o observador e os participantes.

As informações referentes às representações desses participantes (metafunção representacional) na imagem, serão apresentadas na audiodescrição pela ação que cada um dos homens executa no cartum. O homem loiro “tenta quebrar uma pedra grande batendo contra outras pedras” e o homem moreno “joga fora uma pedra com a mão esquerda e olha cuidadosamente outra pedra que está em sua mão direita”.

Esta audiodescrição foi apresentada antes da AD do Mecdaisy e, em seu Relato Livre, a PcDV-3 disse apenas “eu gostei dessa imagem, ela ficou bem clara, bem sucinta mesmo”.

Em seu Relato Guiado (Vê Apêndice G), o participante preferiu a AD da MAIE de acordo com as seguintes avaliações: apresenta mais detalhes; facilitou a construção da imagem mental; permitiu perceber a ação de cada personagem; e causou maior envolvimento com a imagem, devido ao detalhamento sobre os personagens, como é possível verificar em sua fala a seguir:

Ela apresenta um pouco de detalhamento maior no sentido desse segundo homem né, que ela diz que o homem joga fora né, foi formas diferentes de dizer né, porque a primeira diz que os dois trabalhavam, e na verdade, a segunda né, [...] foi mais sucinta nesse primeiro parágrafo, e a primeira não, a primeira disse como é que tava esse

trabalho né, do homem que tava jogando fora, tava jogando a rocha fora né, a diferença é só de construção de língua portuguesa.