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Frente à reação francamente desabonadora do golpe cívico-militar entre os uruguaios, que nem mesmo os representantes da imprensa de tom conservador conseguiam esconder, emissários da ditadura desembarcam em Montevidéu menos de uma semana depois de consumada a tomada de poder pelos militares. O objetivo era desqualificar o presidente João Goulart, seu staff mais próximo, e toda e qualquer pessoa que estivesse na condição de exilado político. A chegada da primeira dama e seus filhos em Montevidéu logo após o golpe já havia sido registrada por EL PAIS como tendo causado “profunda comoção” entre a população uruguaia. Para inaugurar o trabalho de “relações públicas” da ditadura que se instalava, foram requeridos o jornalista Antônio Porto Jobinho, de “O Jornal” e o deputado estadual pela UDN da Guanabara, Everardo Magalhães Castro. Mais uma vez, o estereótipo fortalecido nas escaramuças de revoluções como a farroupilha e federalista servia para estigmatizar a fronteira como terra rebelde e sem lei, avessa ao poder central e a ordem republicana, que teria parido João Goulart e sua turma de “corruptos”.

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A imprensa uruguaia registra a ofensiva dos emissários da ditadura brasileira.

Philip Agee, agente da CIA em Montevidéu registrou a consternação com que o povo uruguaio recebia a notícia do golpe no Brasil, a chegada do ex-presidente exilado e as novas atribuições de vigilância sobre o grupo político brasileiro que começava a aportar na capital uruguaia.

Montevidéu, 5 de abril de 1964. Goulart chegou aqui ontem e foi acolhido por uma surpreendente manifestação de entusiasmo. O golpe militar, na verdade, foi recebido no Uruguai com muito desagrado, porque Goulart havia sido eleito por voto popular e também porque um poderoso governo militar brasileiro pode significar problemas com os exilados aqui no Uruguai. Já estão começando a chegar membros do governo de Goulart e a base do Rio está enviando um telegrama atrás do outro pedindo para que apressemos os nossos relatórios de chegadas. A nossa única fonte dessas informações é o comissário Otero, cujo Departamento de Ligações e Investigações se encarrega de registrar os exilados. É óbvio que a base do Rio se está dedicando inteiramente a apoiar o governo militar; a chave para farejar qualquer indício de conspiração e contragolpe está na captura de Leonel Brizola, elemento de extrema-esquerda e cunhado de Goulart, deputado federal pela Gunabara (Rio de Janeiro) e no momento foragido.95

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Em uma coletiva de imprensa, Jobinho e Magalhães se esforçaram para derrubar o clima de perplexidade entre a população uruguaia e contra-argumentar aos atentos jornalistas montevideanos,

“No fue una revolución totalitária, ni fue una revolución fascista: el actual Presidente Castello Branco lucho en Itália contra las fuerzas de Mussolini”. “Se quiere acaso mejores credenciales democráticas que essas?”E inmediatamente agrega: “Goulart y los suyos, en cambio son hombres de baja condición moral: hombres de frontera que viven solo del contrabando, ratones”96

A argumentação dos vencedores tratava de desqualificar algumas das melhores cabeças do governo Goulart, reconhecidas no Uruguai como grandes intelectuais. Sobre o antropólogo e educador Darcy Ribeiro, de renomado prestígio internacional, afirmavam: “corrupto”. Do médico, geógrafo e sociólogo Josué de Castro, autor de dezenas de obras, traduzido em mais de 30 idiomas, não exitavam: “inculto”. A imprensa registrava:

“Hoy no hay mas de cien presos políticos en todo Brasil, y los que hay son simplemente criminales comunes”, contesta Porto Jobinho, a una pregunta. Sus próximas declaraciones se refieren a Darcy Ribeiro y son contundentes; “Como jefe de la Casa Civil, Ribeiro recibió 550 millones de cruceiros, de los cuales no rindió cuenta; ahora disfrazado de maestro, de intelectual, Ribeiro engaña a los uruguayos” (...) Antônio Porto Jobinho habla de Josué de Castro, al que acusa de haber vendido leche enviado gratuitamente por UNICEF, agregando que “es un inculto, un hombre que intelectualmente es ignorado en Brasil y que gracias a fraudes ha adquirido un enorme prestigio internacional, un ratón.97

É sabido que as tentativas do governo militar em imputar aos petebistas afastados do governo a condição de corruptos foram frustradas por comissões de inquérito infrutíferas. Para o militar e pecuarista santanense Omar do Prado Lima, que a partir de 1965 passou a exercer o cargo de oficial de Relações Públicas do Governo Costa e Silva, o mau trato da coisa pública não era atributo de Goulart. Conforme recorda: “Organizamos um inquérito para encontrar irregularidades do governo Jango junto à presidência da República, mas não achamos nada. Jango era uma ótima pessoa, só não tinha estofo para ser presidente”.98 Na missão parlamentar a Montevidéu, no entanto, valiam todas as argumentações destinadas a diminuir o

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Idem.

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impacto negativo que o golpe causara. Para isso, era fácil partir de um ponto comum, a condição do presidente deposto de grande proprietário de terras, herdeiro do populismo à la Vargas, a quem deveria ser imputada a baixa condição moral para o exercício do cargo e a pecha de milionário descomprometido. Quando indagado sobre as reformas que o governo deposto propunha, os jornalistas reparam que Antônio Jobinho “parece assombrarse de la palabra”, mas responde:

“La reforma era un pretexto”, dice en seguida: “un pretexto para mantener ocupado al pueblo, porque en realidad la reforma no le convenia a Goulart, el mayor latifundista de Brasil”. Y aclara: “Cuanto mas hablaba de reformas, mas haciendas compraba” (...) Inmediatamente los periodistas montevideanos le informan del juicio que Goulart le habia iniciado a la revista “Time” por declaraciones que consideraba falsas e injuriosas y que contestando a un artículo que le atribuía la compra de tierras después de Haber asumido la presidência, ofrecia a “Time” esas tierras por el precio de un dólar. “Time no va a entrar en polemicas”, fue la contestacion de Porto Jobinho. Y antes de dejar de hablar mostro abundantes fotos, distribuyó un folleto del diputado Antônio Carlos Magalhães, que contiene una lista de las tierras de Goulart en Brasil (con números de registros y de escrituras) y exhibió diários brasileños que certifican la actual libertad de prensa. 99

Magalhães Castro, na tentativa de desabilitar João Goulart entre os uruguaios, efatizava que o presidente deposto possuia “una de las mayores cuentas bancárias de

Suiza, una de las mayores colecciones de autos, el mayor acopio de tierras (el 1% de todo el território brasileño), el stud de carreras más grande”. Enfatizava também

que a viagem de um parlamentar e um jornalista brasileiro ao Uruguai fazia parte de uma turnê pela América Latina, com o objetivo de explicar “a revolução”. Viagem que teria o apoio da Asssembléia Legislativa da Guanabara e “inclusive de partidos que levaram a presidência João Goulart”. Como de posse de um renovado “Plano Cohen”100, tratava-se agora de alertar o povo uruguaio e tecer considerações sobre a situação política do país vizinho, “infiltrado de comunistas”, fato que levou o editor do conservador EL PAIS, a considerar como um dado “realmente inquietante”.

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Em 1937, os integralistas forjaram o "Plano Cohen", em que dizia-se que os socialistas planejavam uma revolução maior e mais bem-arquitetada do que a de 1935, e teria o amplo apoio do Partido Comunista da União Soviética. Os militares e boa parte da classe média brasileira, assim, apóiam a idéia de um governo mais fortalecido, para espantar a idéia da imposição de um governo socialista no Brasil. Com o apoio militar e popular, Getúlio Vargas derruba a Constituição, e declara o Estado Novo.

Prossegue Everardo Magalhães Castro:

“Lo primero que quiero decir (...) es una denuncia al pueblo brasileño y una proclama al pueblo uruguayo, de que los comunistas y los corruptos - Goulart y el resto de los exilados – abusando de la hospitalidad y la benevolencia de las autoridades de este pais (el Uruguay) lo estan convirtiendo en una plataforma para poder volver a Brasil”. Luego se refiere a las actividades del ex-presidente brasileño y de su gente afirmando que luego del actual trabajo de “Relaciones Públicas que ahora están realizando para crear simpatias a favor del gobierno derrocado (Ribeiro con los estudiantes e Brizola com los sindicatos), éstos tentarán regresar a través de la frontera (Carpinteria podría ser el punto) para crear guerrillas en el estado de Rio Grande do Sul. Las seguientes afirmaciones de Magalhães Castro se refieren a nuestro país y son realmente inquietantes. Dice: “el Uruguay es un país tremendamente infiltrado de comunistas, mucho más que en Brasil”101

O escritório da CIA em Montevidéu anotou o mal estar que a interferência dos emissários brasileiros causou no governo uruguaio, que mantinha uma política francamente receptiva aos exilados brasileiros, não sem antes prever um endurecimento nessa relação, com a crescente influência no país da emergente ditadura brasileira.

[...] O governo brasileiro continua a nos pressionar no sentido de agirmos contra a possibilidade de Goulart, Brizola e outros exilados recomeçarem suas atividades políticas – embora já se esteja permitindo a alguns asilados da embaixada uruguaia algumas saídas, o que por enquanto aliviou um pouco a tensão. Foi enviado para cá um representante com a finalidade de fazer uma conferência com a imprensa e tentar estimular a ação de controle dos exilados. Contudo, os comentários do representante foram contraproducentes, porque, além de acusar os adeptos de Goulart e Brizola de conspiração contra o governo militar ( através de movimentos estudantis, trabalhistas e governamentais no Brasil), ele também declarou que o Uruguai está infiltrado por comunistas e, portanto, passou a constituir uma ameaça para o resto do continente. O ministro das Relações Exteriores do Uruguai replicou mais tarde, dizendo que o Partido Comunista está legalizado no Uruguai, mas que o país absolutamente não está dominado por ele. 102

O status da faixa de fronteira para militantes políticos e agentes da repressão se modificara radicalmente com a crescente leva de perseguidos solicitando asilo no Uruguai, ou mesmo vivendo clandestinamente no país. Sérgio Fuentes, o prefeito afrontado de Santana do Livramento, seria detido poucos dias após comandar a caravana a Vichadero, em busca de João Goulart. O incumbido da tarefa seria o comandante do Oitavo Regimento, Agnóphilo Brant, com quem o prefeito mantinha,

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até aquele momento, uma relação bastante cordial, e que ficaria irremediavelmente abalada. A causa da detenção e imediata transferência para o Quartel em Uruguaiana seria a ida do prefeito a Vichadero, sem uma prévia autorização da Câmara de Vereadores para se ausentar do país, fato que para o cotidiano fornteiriço soava absurdo. Em sua defesa, Fuentes argumentou que a localidade de Vichadero fazia parte do município de Rivera, onde o próprio comandante militar brasileiro vivia. Como iriam prendê-lo por isso, quando os deslocamentos entre as duas cidades eram fato corriqueiro em cidades geminadas como Santana e Rivera? Naquele momento, no entanto, e sob os alegados motivos que levaram Fuentes ao município vizinho, o argumento foi em vão. Mesmo com o respeito que imputava pelos seus mais de 70 anos, ficou detido por cerca de 30 dias em Uruguaiana. A um afilhado, escreveu da prisão pedindo apoio à família, que temia por eventuais represálias e mesmo o suprimento de necessidades básicas.103 Destituída momentaneamente do comando de Fuentes - e sob a guarda do historiador, sócio e colaborador do prefeito, Ivo Caggiani - a menos de 15 dias passados do golpe, a Folha Popular anotava:

PTB Preocupado: Cassação de Mandatos de Legisladores e Prefeitos – Porto Alegre, 13 (FP)

– A cassação de mandatos de deputados federais e de líderes políticos, embora esperada, causou, como não poderia deixar de ser, fortes preocupações nos líderes trabalhistas do Estado. Conhecidas as primeiras cassações, os deputados do PTB, vereadores e líderes, começaram a conjeturar sobre quais seriam os atingidos pelas medidas nos legislativos estadual e nos legislativos municipais. A expectativa é enorme no seio do PTB, pois segundo os bastidores, cerca de cincoenta trabalhistas no Rio Grande do Sul teriam seus mandatos cassados com perda de direitos políticos. Igualmente foi ventilada a possibilidade de o Comando Revolucionário cassar o mandato dos prefeitos trabalhistas de toda a fronteira, como medida de segurança contra movimentos articulados pelos políticos azilados em países vizinhos. 104

Perseverando Santana recorda que Indio Fuentes foi intimado a assinar um termo de licença médica da prefeitura, fato que se negou a consumar, deixando para o poder militar a responsabilidade do gesto arbitrário. Pouco tempo depois, após uma segunda detenção em Uruguaiana, o prefeito era esperado nas bordas do município de Santana por um efetivo militar disposto a novamente enquadrá-lo. Foi avisado a tempo por correligionários que o trocaram de automóvel e seguiram rumo a Rivera. O processo de impedimento de Sergio Fuentes, formulado pelo Coronel Knaack de

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Jesus Echeveste Aseff, meu pai, afilhado de Sergio Fuentes, relata que era o encarregado de levar ao prefeito o lanche da tarde, todos os dias. No bilhete endereçado de Uruguaiana, pedia para o afilhado zelar para que sua família não passasse fome. Entrevista concedida ao autor.

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Souza, comandante do 7º Regimento de Cavalaria e da Guarnição Federal, foi protelado várias vezes, devido a recorrentes falta de quorum.

Sérgio Fuentes, prefeito cassado de Santana do Livramento.

No dia 23 de abril a Câmara de Vereadores avaliou, em vão, o pedido de afastamento, que patinava sem o apoio da maioria e com a bancada do PTB impondo uma série de obstáculos à realização da sessão. Em 1º de maio o prefeito é instado a prestar declarações de bens e no dia 6 sofre novo adiamento o mandado de segurança impetrado por Índio Fuentes junto a Tribunal de Justiça do Estado. A petição baseava-se na alegação de que o mandado deveria ser julgado pela vara criminal e não pela vara cível. Finalmente na sexta-feira, 15 de maio de 1964, depois de votação secreta, a Câmara Municipal de Vereadores aprova por oito votos a sete e edita o decreto legislativo nº 01/64, de 14 de maio de 1964, suspendendo definitivamente

Sérgio Fuentes de suas funções frente ao executivo municipal. Acuada, a Folha

Popular, jornal comandado por Sergio Fuentes e seu sócio e secretário municipal Ivo

Caggiani, assinala:

S. Fuentes Impedido: Molinos Deverá Assumir

A Presidência da Camara de Vereadores promulgou ontem o decreto de impedimento do Prefeito Sérgio Fuentes, cuja denúncia acusando-o de haver incorrido em crime de responsabilidade o pedido de “impeachment” deu entrada somente ante ontem na Justiça Civil. Ontem a sra. Maria Luiza Cassales, presidente do Legislativo santanense promulgou o decreto que determina o afastamento do chefe do executivo, a fim de aguardar o pronunciamento da justiça.

DEFESA – A defesa do prefeito Sérgio Fuentes estará a cargo do ilustre causídico santanense Dr. Nery Hamilton Ilha.

VICE DEVERÁ ASSUMIR HOJE – Em virtude do impedimento do sr. Sérgio Fuentes, o vice- prefeito Milton Molinos deverá assumir o cargo na tarde de hoje. Pela manhã nossa reportagem entrou em contacto telefônico com a residência do sr. Milton Molinos, mas não conseguiu sua palavra, de vez que o mesmo se encontrava acamado. Segundo informações de seus familiares, até aquele momento (09,30 horas), o sr. Milton Molinos não havia recebido qualquer comunicação a respeito. 105

As idas e vindas do processo judicial só seriam interrompidas pela cassação promulgada em outubro do ano seguinte, depois da edição do segundo Ato Institucional, que selava a sorte de inúmeros políticos trabalhistas em todo o país, entre eles o prefeito santanense. Conforme foi publicado no Diário Oficial do Estado,

Aplicação do art. 15 do Ato Institucional n. 2 27 de outubro de 1965.

n. Ordem 122 Sérgio Fuentes

Penalidade: Suspensão dos direitos políticos por 10 anos e cassação do mandato de Prefeito Municipal de Livramento, Estado do Rio Grande do Sul.

DO 22.4.66106

Nas recordações de Perseverando Santana, Sérgio Fuentes surge como um líder austero e inflexível com o arbítrio instalado a partir do golpe. “No programa de rádio que tínhamos na Rádio Cultura, de tom nacionalista e que vinha desde a Legalidade, demos apoio à candidatura de Índio Fuentes, contra a chapa de Hélio Viegas e Honório Arteche, candidatos da UDN”. Ainda sobre o apoio de seus partidários comunistas, o amigo relembra que “ele foi alertado sobre o perigo de um apoio do grupo comunista, no que ele prontamente rechaçou e disse que aceitava abertamente o

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FOLHA POPULAR, Santana do Livramento. 15 de maio de 1964, p.3.

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Arquivos do DOPS, Memorial do Rio Grande do Sul. Acervo da Luta Contra a Ditadura. Pesquisado em 12/04/2006.

apoio sim!”. 107 O vice-prefeito, Milton Linn Molinos, assumiria o posto até o final do mandato. Embora filiado ao PTB, não oferecia resistência aos ditames do regime militar, além de servir provisoriamente para a nova ordem como um bom exemplo de tolerância política, estratégia breve, que iria se esgotar a partir de 1968, com a indicação no ano seguinte de um interventor municipal e o endurecimento da ordem política em todo o país.

A mudança brusca no ordenamento institucional de Santana obedecia a uma diretriz que se repetia em todo o país, e que por sua vez, seguia um ziguezague latinoamericano de estabelecimento de pactos sociais e cíclicas falências, desde a colônia até aqueles agitados anos 60 do século 20. Nesse momento, como nota Túlio Halperin Donghi, a guerra fria já abraçava um continente combalido por uma crise econômica e social, que desaguaria em uma severa polarização e a repressão armada às distintas frações da esquerda:

Por volta de 1960, os sinais de esgotamento das soluções inauguradas sob os sucessivos estímulos da crise da guerra (baseadas numa industrialização graças à qual a economia conseguira satisfazer grupos sociais diversos, cuja concordância fundamental tornara possível a afirmação de soluções políticas apoiadas por mais de um setor social) se tornam cada vez mais evidentes. Perdendo as esperanças de poder consolidar o frágil equilíbrio nascido das respostas dadas à crise de 1929, a América Latina dirige-se para um novo período de choques entre agrupamentos políticos, ligados ao aumento da tensão entre grupos sociais e econômicos.108

À crise econômica e social que engolfava a América Latina somavam-se os ares de guinada política que a revolução cubana propagava sobre o continente. A guerra fria ardia ainda mais com o pacto entre os guerrilheiros da Sierra Maestra com a União Soviética, a partir das declarações de Fidel Castro, em novembro de 1961, de que se tornara marxista-leninista. A polarização ideológica só iria piorar com a crise dos mísseis e o fracasso da Aliança para o Progresso, onde o governo Kennedy tentava uma aposta ao mesmo tempo de reformismo social e intervenção política, junto às conservadoras oligarquias latinoamericanas. Octávio Ianni destaca o caráter imperialista da política norte-americana para o continente, impulsionada por recursos doutrinários como a Aliança para o Progresso, surgidos a partir de concepções como a Doutrina Monroe. Também se associa a reflexão de Donghi, quando reforça o caráter decisivo do malogro das estratégias de desenvolvimento econômico

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SANTANA, Perseverando Fernandes. Entrevista citada.

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capitalista, ensaiados na América Latina no período das duas grandes guerras. Para Ianni, o fracasso das políticas destinadas a criar um capitalismo nacional em alguns países latinos, por um lado, e um capitalismo associado, por outro, gerou a instabilidade política que desaguaria na deposição de Jacobo Arbens, em 1954, na Guatemala; de Juan Domingo Perón, em 1955, na Argentina, de João Goulart, em 1964, no Brasil; de Víctor Paz Estensoro, em 1964, na Bolívia, e de Fernando Belaúnde Terry, em 1968, no Peru.109