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gueses bem instalados na vida. O desporto só tinha praticantes nas classes altas, entre os portugueses, mas nem todos os súbditos britânicos instalados no nosso país tinham esse estatuto. Muitos deles eram simples empregados de firmas inglesas, caso do Cabo Submarino, sediado em Carcavelos, que for- mou uma equipa imbatível até um célebre jogo com casapianos. Os ingleses de facto tinham hábitos sau- dáveis, educavam e mantinham o corpo em forma. Entretanto, o povo português praticava o desporto da sobrevivência e da fuga para o estrangeiro inicia- da em maior escala no ano de 1853. Até se parecer com um êxodo: sessenta mil emigrantes legalizados, quase todos tendo o Brasil como destino, em 1914. O nível de vida era deplorável, a instrução deficiente, a angústia permanente. No início da década de 1890, os trabalhadores estavam divididos deste modo: 62% na agricultura; 20% na indústria, aliás incipiente, e 18% nos serviços.

Portugal não tinha realmente hábitos desportivos. Em Lisboa, por exemplo, os divertimentos resu- miam-se às touradas, às esperas dos touros que subiam a Calçada do Carriche, às feiras, aos piqueni- ques nas quintas dos arredores e ao fado.

Na segunda metade do Século XIX, mais decisiva- mente no último quartel, o desporto, impulsionado pelas elites, que funcionaram como uma máquina indolente puxando pesadas carruagens, beneficiou dos primeiros movimentos associativos e de organi- zações ainda débeis. Surgiram os pioneiros da vela, do remo, da ginástica, do atletismo, do ciclismo, do futebol. E do ténis. É verdade. O ténis, por iniciativa de Oswaldo Crawford, cônsul da Inglaterra no Porto, começou a ser jogado em Portugal pelo menos em 1874. O ténis e um jogo a que hoje chamamos bad- mington (em França, as elegantes do Século XIX jogavam o «cerf-volant»). Aliás, o ténis, na sua forma primitiva, jogo de bola lançada e defendida à mão, tem raízes no fundo dos séculos. Homero conta que Nausika jogava a péla quando chegou Ulysses. A leitura atenta do passado diz-nos que as várias for- mas de desporto não foram inventadas nos nossos tempos, mas apenas civilizadas, aperfeiçoadas e organizadas. Neste aspecto, a Inglaterra merece os mais sólidos elogios. E não apenas por ter consegui- do dominar com regras específicas e universais os diversos tipos de futebol que se praticavam, particu-

larmente nas ruas de Londres, provocando danos físicos, alguns irremediáveis, nos asselvajados joga- dores para além dos óbvios prejuízos materiais. Antes do lançamento à terra virgem das poáceas do ludismo relativamente organizado, quase todas elas colhidas na experiência inglesa e nas crónicas dos nossos intelectuais e viajantes cultos que visitavam Paris, existia em Portugal alguma espécie de despor- to? Em termos gerais, existiam diversões rudimenta- res. As elites, mais informadas e ociosas, conheciam actividades físicas como o hipismo, a esgrima, o ténis, os bailes mundanos que sempre eram uma forma de exercitar as pernas... A partir de 1878, quando chegaram os primeiros «bycicles» a Portugal, nobres e burgueses endinheirados aceitaram a nova forma atlética de snobismo, mas as suas deambula- ções pelas ruas das cidades criaram problemas sociais de certa gravidade. As importações dos «bycicles», no entanto, deveu-se, inicialmente, a um grupo de indi- víduos estrangeiros residentes em Lisboa e Porto, que entusiasmados com a evolução da velocipedia em França, Alemanha e Inglaterra, quiseram praticá-la em Portugal. Não vou entrar na história do ciclismo no nosso país, que tem capítulos excitantes, apenas desejo apontar os nomes dos pioneiros: Herbert Dagge, descendente de ingleses, atleta do Real Gimnasio Club Portuguez, que o implantou em Lisboa, e Eduardo Minchin, também de origem britâ- nica, excelente praticante, residente no Porto por quem José Bento Pessoa tinha profunda admiração. Bento Pessoa que chegou a ser o maior corredor de pista da Europa e campeão de Espanha, em estrada. A Real Associação Naval de Lisboa, fundada em 30 de Abril de 1856 em Belém, foi a primeira da Península e também está cronologicamente na dian- teira dos clubes portugueses. Surgiu na sequência das carreiras de barcos no Tejo, que já vinham de 1850, iniciativa de gente da alta roda associada a desportistas ingleses. Eram utilizados barcos de pesca adaptados à nobre missão da regata, que tam- bém admitiam na tripulação os próprios pescadores. A fundação, em 1875, do Ginásio Clube Português, glória do desporto nacional, agremiação que tem mantido o eclectismo e o amadorismo através dos tempos, partiu da imitação dos artista do Circo Price, que Lisboa via embasbacada, por um grupo de potenciais ginastas à frente dos quais estava Luís

Maria de Lima Costa Monteiro. Não era a primeira companhia de circo a divertir a cidade, mas das apre- ciadas exibições dos acrobatas do Circo Price saíu a ideia de fazer igual. De etapa em etapa, chegou-se ao Real Gimnasio Club Portuguez. Antes, porém, exac- tamente em 1835, já o famoso artista Darras orienta- va aulas de ginástica na Casa Pia de Lisboa.

A Casa Pia oferecia aos seus alunos, filhos de famílias pobres e paupérrimas, quase todos órfãos, invulgares condições de educação, que incluía disciplinas de ginástica e de desporto. Desta universidade plebeia, como a classificou Filinto Eliso, da faculdade de pro- letários, como também alguém a classificou, saíram grandes vultos das artes, das letras e do desporto. Não posso por óbvias razões manter o discurso sobre os primórdios do desporto em Portugal, que nos levaria a ciclópica dissertação. Nem eu teria fôle- go para desenvolver a novela rocambolesca, nem os senhores paciência para me ouvirem.

O futebol, numa forma pura e artesanal, fez uma aparição discreta no também discreto panorama do desporto nacional. Ingleses e portugueses educados em Inglaterra a que se juntaram os «rapazes da alta roda», como disse Cândido de Oliveira, implantaram o jogo em Lisboa, no Porto, no Funchal, provavel- mente no Funchal em primeiro lugar. Foram surgin- do os grupos de praticantes, os «ensaios» em Belas, Cascais, Sintra, Belém, Campo Pequeno, etc. Não me parece realmente fundamental elegermos o primeiro lugar onde o futebol se jogou, no nosso país. O Ginásio Clube Português reivindica essa proeza, mas muita tinta já correu sobre este pormenor que de facto não passa de um detalhe. Necessário será dizer que o futebol, por ser um jogo simples e fácil de pra- ticar e de regras fáceis de entender, embora algumas delas ainda não tivessem sido aprovadas pela «International Board», nem pela «Football

Association», que após 1863 levaram algum tempo a limar arestas como a lei do fora-de-jogo e as redes nas balizas, criou no povo uma certa adesão, que não sendo avassaladora, inicialmente, ultrapassou, apesar de um impasse de cerca de dois anos, a antipatia pelos ingleses motivada pelo ultimato de 1890.

O jornalismo especificamente desportivo chegou ao público, aliás muito reduzido, em 1894. Se o povo não tinha conhecimentos de desporto e, na área dos divertimentos, apenas se identificava com as toura-

das e coisas semelhantes; se, por outro lado, na edu- cação primária dos seus filhos não havia, à excepção dos colégios caros e na Casa Pia, currículo que inte- grasse a educação física, como é que havia de reagir favoravelmente a publicações dirigidas ao desporto ou que dele falasse? O povo fornecia os contingentes de trabalhadores, aos filhos do povo estava destina- do igual destino. As limitações impostas geraram analfabetismo e sobre este, no paroxismo da política anti-social, o próprio ignorantismo, que também teve adeptos no tempo da ditadura salazarista. Razões suficientes para que o pioneiro do jornalismo desportivo, o «Sport», propriedade do Ginásio Clube Português, dirigido por Carlos Xafredo, durasse pouco. Em 1904, surgiu o «Tiro e Sport», proprieda- de da Casa Sena. Era uma revista luxuosa e ficou na história por ter organizado o primeiro torneio inter- clubes de futebol. Mas em 1913, o jornal «O Mundo» de índole generalista e paixão republicana, descobriu a importância do desporto, especialmente do futebol, passando a editar colunas desportivas, obrigando a concorrência a adoptar medidas semelhantes. A seguir, começou a publicar-se o «Eco dos Sports», de Artur Inês, e só em 1932 surgiu a «Stadium» que consideramos uma publicação evoluída para a época. Na sua segunda fase, corria o ano de 1942, o direc- tor, Cândido de Oliveira, também seleccionador nacional, foi detido e deportado para o Tarrafal. O futebol começou por ser designado por «desporto ao ar livre» em alguns cabeçalhos de jornais diários. No período do futebol artesanal, publicaram-se crónicas deliciosas, outras menos conseguidas como a de Júlio Dantas, na «Ilustração Portuguesa», fotos histó- ricas, entre elas as de Amadeu Ferrari e Benoliel, e desenhos sugestivos. Nomes importantes da cultura portuguesa apareceram, portanto, como cronistas e repórteres fotográficos. Stuart Carvalhais, Filipe Rei, que foi presidente do Ramaldense, Bordalo Pinheiro e Almada Negreiros não resistiram a caricaturar o jogo da bola, ou o jogo inglês ou do coice, expres- sões que ficaram depois do Ultimato mas que desa- pareceram quase logo a seguir ao início do período de reabilitação.

O futebol despertou o interesse dos jornais porque era praticado por gente da sociedade verdadeiramen- te empolgada pelo novo jogo que tinha muita rudeza e pouca técnica. E também pela aproximação gradual

do povo motivado por um desporto que ele entendia e lhe parecia fácil de jogar. Aliás, o ciclismo já anun- ciava provas no norte e em Lisboa, mas as bicicletas custavam muito dinheiro; o ténis pertencia à fidal- guia e à alta burguesia; o hipismo não estava ao alcance dos populares; a natação resumia-se à insis- tência de uma dúzia de intérpretes destemidos nas margens do Tejo e do Douro. O empirismo chegou ao ponto de se ter admitido a realização do I Portugal-Espanha num tanque de regas que existia na cerca de Casa Pia. Entretanto, chapinhava-se nas praias, nas docas e, ainda nos finais do Século XIX, os timoratos até preferiam tomar o salutar banhinho de água salgada nos chamados «barcos de banhos» fundeados ao largo do Terreiro do Paço.

Sobretudo, a maioria esmagadora do povo português não considerava o desporto como prática. Como espectáculo, foi-se adaptando. O futebol parecia-lhe simples, não se escondia na intimidade de espaços reservados, e, apesar de, inicialmente, ser disputado por membros de boas famílias, acabou popularizado pelo número crescente de potenciais futebolistas. Os jornais, renitentes ao jogo da bola e sem redactores especializados no assunto, entenderam, porém, que se juntavam duas forças às quais tinham de conceder atenção. Mas todos os desportos têm regras. O fute- bol tinha-as e bem claras. Só que de facto o público não as conhecia perfeitamente e, até, eram ignoradas por parte dos jogadores. Na divulgação das leis do «association», na tentativa de civilizar o jogo, por vezes agredido na sua ortodoxia pela ignorância dos praticantes, os casapianos tiveram papel fundamen- tal que mantiveram e legaram ao Casa Pia Atlético Clube. A obra pedagógica, que não abrangeu apenas o futebol, iniciada pelos primeiros jogadores da esco- la casapiana entre os quais figuravam estudantes do célebre grupo Margiochi, abriu caminho ao estudo daquele desporto, impondo-lhe bases sérias e exigin- do dos incipientes jogadores o respeito mútuo. «Fair- play», diriam os ingleses do Carcavelos, do Lisboa Criket, do Clube de Braço de Prata, que eram os principais núcleos britânicos de Lisboa.

É na sequência daqueles princípios que surgem jor- nais escritos, ilustrados e publicados por casapianos, entre eles Cândido de Oliveira, Ribeiro dos Reis e Ricardo Ornellas. A publicação mais expressiva terá sido a revista «Football», que começou a sair em 14

de Janeiro de 1920, dirigida por Raul Vieira. Nesta revista colaboraram os drs. António Aurélio da Costa Ferreira, médico ilustre, antropologista, professor, psico-pedagogo e político, José Pontes e Vítor Fontes, todos eles defensores do desporto e da edu- cação física nas turmas casapianas. Não foram as únicas adesões de intelectuais ao futebol, mas foram muito significativas.

O futebol e o jornalismo foram cúmplices de um projecto. Digamos que se ampararam um ao outro. Por razões desportivas, por motivos clubistas, tam- bém políticos e económicos. Os clubes já tinham necessidade do apoio dos jornais, a fim de declara- rem ao público as suas proezas e os nomes de quem as cometia. É que as rivalidades entre eles começa- ram ainda antes do futebol ter a congregá-lo um organismo oficial. Foi exactamente devido a diver- gências entre o Benfica e jornalistas que o clube resolveu fundar, em 24 de Agosto de 1913, «O Sport Lisboa», escrito em boa parte e paginado pelo jorna- lista Norberto de Araújo. Apareceu, assim, o primei- ro jornal de clube em Portugal.

Naquela altura, já se disputava o que se convencio- nou chamar Campeonato de Lisboa. Ia na oitava edi- ção. Importante de referir é o facto de ter sido exac- tamente uma revista desportiva, «Tiro e Sport», edi- tada pela Casa Sena, especialista na venda de artigos desportivos, a organizadora do primeiro torneio de futebol, em Portugal, corria o ano de 1904. A peque- na competição esteve na base de um campeonato entre clubes de Lisboa – iniciar-se-ia em 1906/07 – que envolveu, obviamente, grupos de ingleses entre eles o célebre Carcavelos, três vezes seguidas cam- peão de Lisboa. A cumplicidade imprensa-clubes consolidou-se. Mas, nessa osmose, entrou o clubis- mo dos próprios jornalistas que nunca mais deixou de existir. Aliás, o empenho dos repórteres na divul- gação de notícias do futebol ajudou e muito à evolu- ção associativa e ao próprio jogo. Digamos que ainda sem atingir o nível técnico já existente em Espanha, o nosso futebol foi conduzido pelas vias do empola- mento. Talvez tivesse sido uma forma deontologica- mente incorrecta, mas, nos primórdios do aliciante jogo da bola, o sistema elegeu ídolos e chamou espectadores aos campos. Foi a ameaça da ruptilida- de financeira dos grupos, já com efeitos nefastos sobre o futebol, que os jornalistas de então ajudaram

a combater, interessando cada vez mais gente no desempenho das equipas. O associativismo, incipien- te, a páginas tantas, ganhou asas e vogou nos zéfiros do futuro. Nasceram os deuses e os diabos, brota- ram do novo chão os desportistas honrados e os hiantes. A discência não oferecia apenas más disci- plinas mas, ontem como hoje, o bem e o mal são estandartes que dardejam nos adarves da fortaleza dos homens, separando as pessoas e as almas. Os jornalistas foram e ainda são oleiros de curiosas proplásticas. A idolatria tem a luz do ouro; a vulgari- dade o tom do almagre. É a lei da vida que, tantas e tantas vezes, escarnece da justiça e da humanidade. Estiveram na base da popularidade do Benfica e do Sporting, deixaram cair o Internacional de Futebol, envolveram-se na edificação do edifício administrati- vo e técnico do grande jogo, exaltaram-se até à rotura com os seus princípios deontológicos quando não os aceitaram como colaboradores dos I Jogos Olímpicos Portugueses, invadiram terreno alheio ao intervir directamente na formação da equipa nacional de 1921, criaram e desfizeram, mas de uma forma geral temos de os admirar porque da complexidade do seu trabalho pioneiro do qual apenas demos sumário per- fil, resultou o despertar de uma massa importante de cidadãos para o desporto. Aconteceu de facto um abanão na mesmisse nacional.

Houve jornalistas que assumiram a militância em todas as áreas do futebol. Foram jogadores, dirigen- tes, técnicos, seleccionadores. Mas esta promiscuida- de parece-nos, vista à distância de dezenas de anos, ter sido mais uma vantagem do que uma desvanta- gem para o progresso do jogo em Portugal. Por exemplo, Cândido de Oliveira e Ribeiro dos Reis, fundadores de «A Bola», e também Tavares da Silva e Ricardo Ornellas exerceram aquele eclectismo durante muito tempo. Com assinaláveis êxitos. Tinham a escola da Casa Pia, onde o futebol, na sua fase juvenil, já era discutido em termos científicos e explicado nos jornais elaborados pelos alunos como um desporto viril, simples de regras, mas respeita- dor da integridade física de cada um. Nos outros desportos, de uma forma geral, os jornais seguiram o critério de entregar os comentários a praticantes conhecidos do público. Sempre era uma maneira de compensar a falta de formação dos jornalistas. De certa forma, o empirismo, ao nível dos técnicos, não

deixou o desporto desenvolver-se harmoniosamente. Só mais tarde, aliás incompletamente, veio a benefi- ciar dos conhecimentos adquiridos pelos cidadãos formados nas ciências do desporto. Mas aquele está- gio baseado na experiência dos chamados «carolas» e de velhos praticantes foi inevitável num país caren- ciado de educação e, obviamente, sem hábitos des- portivos. Não foi nem é fácil inverter esta tendência, particularmente no futebol, que tinha e tem treina- dores espalhados a esmo pelos cafés e bancadas dos estádios. Paradoxalmente, ou talvez não, os clubes, de uma forma geral, não aceitaram os licenciados e o Estado, formando-os, consentia que muitos deles desempenhassem a profissão nos recreios dos liceus, ao sol e à chuva, dirigindo alunos vestidos com sobretudo e gabardina. Esta política educativa sabe- mos nós porque acontecia.

No fundo, os condicionalismos impostos aos traba- lhadores da Educação Física e do Desporto reflectiam a sociedade desleixada que tínhamos e fora muito bem caricaturada por Bordalo Pinheiro, uma socieda- de interessadíssima nas discussões próprias dos coi- quinhos e indiferente às razões básicas que a podem fazer evoluir. Não garanto que não estejamos à beira do mesmo estado de coisas ou já envolvidos numa estrutura social muito delicada. Mas os cidadãos conscientes, professores principalmente, não podem nem devem ajoelhar-se ao toque da esgrima perversa. A evolução do jornalismo especificamente desporti- vo, que não compõe apenas as folhas da especialida- de, acompanhou os progressos do desporto, em Portugal. Numa linha paralela? Numa linha que, às vezes, se confundia. Mas parecia nitidizada a inten- ção dos jornais de quererem ganhar espaço no grupo de potenciais leitores, aliás reduzidos devido ao número ainda elevado de analfabetos entre as popu- lações. Neste aspecto, igualavam os clubes: deseja- vam sobrepor-se uns aos outros, espreitando a novi- dade como forma de interesse. Nunca tiveram, porém, tiragens significativas mesmo em termos relativos. Aliás, os jornais generalistas, mais expe- rientes e implantados no público, não desprezaram o tema desportivo, tradição que ainda se hoje se man- tém. Por isso, quando José Manuel Soares (Pepe), jovem jogador internacional do Belenenses, morreu em circunstâncias trágicas, em Outubro de 1931, o «Diário de Notícias», pela pena consagrada de Belo

Redondo, fez do caso um romance de amor e misté- rio, tirando partido da intencional falta de informa- ção oficial sobre as causas do falecimento do ídolo belenense. Não era o futebol que estava em causa, mas Redondo e outros jornalistas igualmente consa- grados tiraram partido de um drama que ocorrera no território do futebol e interessara todo o país. Ganharam, obviamente, audiências.

Mesmo no período da ingenuidade quando os jornais apoiavam o desporto com generosas reportagens, embora instintivamente, procuravam o impacte que as suas páginas poderiam causar no público. A imprensa puxava a brasa à sua sardinha exactamente como os clubes e os jogadores. Todos estavam, afi- nal, dispostos a retirar as poáceas das respectivas úrnulas a fim de as deitar à terra. Prescientemente, preparavam a seara do profissionalismo.

Houve gente genuinamente amadora nas duas etnias, provavelmente mais pura no desporto e o caso é que, por exemplo, no CIF, a intenção de reti- rar dividendos da prática desportiva foi para sempre defenestrada dos estatutos da organização. Isto não aconteceu em clubes seus contemporâneos que foram percorrendo, inicialmente, a via do falso ama- dorismo à sirga dos aripeiros que já viam no futebol um espectáculo capaz de encher os bolsos. Contra o ludíbrio que irmanava clubes e jogadores, se insurgi- ram jornalistas ilustres como Cândido de Oliveira, Ribeiro dos Reis, Tavares da Silva. Todos eles escre- veram a exigir clareza de processos, mas o governo da Nação, ensimesmado nas suas tradições obsole- tas, insistia na proibição do profissionalismo. Preferia viver na aldeia sem ver as casas.

No documento revista portuguesa de ciências do desporto (páginas 105-114)