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HORMÔNIO OCITOCINA E SEU POTENCIAL NO TRATAMENTO DA DOR

Considerando a avaliação psicológica vasta e complexa, pode-se incluir na abordagem psicossomática, enquanto concepção biopsicosocial, também os conhecimentos das Neurociências. Esta investigação pretendeu investigar possíveis interações da ocitocina em pessoas com dor crônica, buscando compreender como ela intervém na experiência subjetiva de desamparo, na percepção e no fenômeno da dor.

O funcionamento humano é comandado por três sistemas, sendo eles o psíquico, o neural e o hormonal ou endócrino, porém, dependendo do momento, cada um deles pode estar mais no comando do que os outros. O sistema hormonal está geralmente associado com o controle das funções metabólicas corporais, como na velocidade das reações químicas nas células, ou envolvido no metabolismo celular, através de mensageiros químicos, chamado hormônios (Guyton, Hall, 1997).

Um hormônio neuropeptídio (tipo específico de hormônico com cadeira curta de aminoácido) quando secretado, assume controle específico sobre funções psicológicas básicas, como apetite, stress, emoções, sofrimento de separação, sentimentos maternos e sexuais, entre outros (Panksepp, 1998). E, neste processo de regulação do corpo biológico, os sistemas nervoso e hormonal estão inter-relacionados (Guyton, Hall, 1997).

Nos últimos anos, um hormônio chamado ocitocina tornou-se um dos peptídeos mais estudados do sistema neuroendócrino humano, devido seus fortes indícios de potencial terapêutico, mas também, seus efeitos e a sensação de bem-estar, presente no processo de empatia e no processo de vinculação inicial mãe-bebê (Bethlehem, Honka, Bonnie Baron-Cohen, 2013).

A ocitocina, do grego: okytokine, sendo literalmente traduzida, significa “nascimento rápido”, remetendo aos efeitos que possui na indução de contrações uterinas no parto (Mameli comporet al., 2014). É produzida nos núcleos paraventricular e supra-optico, e posteriormente armazenada no hipotálamo, podendo ter ações central, ou periférica (Ross, Young, 2009, Carter, 1998, Mameli et al., 2014).

Figura 7 - Síntese central da ocitocina.

Abreviaturas: OT: oxytocina; PVN: núcleo paraventricular; SON: núcleo supraoptico. Fonte: Tracy, Georgiou-Karistianisa, Gibson & Giummarra, 2015.

A ocitocina tem funções de neurotransmissor e neuromodulador (Tracy et al, 2015), e entre os efeitos periféricos como neuromodulador, podemos citar, além das contrações uterinas no parto, a redução do sangramento durante o parto; o estímulo da liberação do leite materno para a lactação; e entre os efeitos centrais, o desenvolvimento do apego e a empatia entre pessoas e medo do desconhecido (Bethlehem et al., 2013; Lee, Macbeth, Pagani, 2009).

Hormônios hipotalâmicos ocitocinérgicos também podem ser projetados para áreas cerebrais centrais específicas que estão envolvidas na modulação da motivação, do desempenho sexual, do bem-estar, alívio do stress (Lima, 2017) e também da percepção da dor (Melis, Argiolas, 2011, Stevens et al., 2013, Mameli et al., 2014).

Evidências sugerem que a ocitocina têm potencial para modular a experiencia de dor em consequencia de sua presença em regiões centrais e periféricas (Tracy et al., 2015) e na modulação de multiplas funções fisiológicas e psicológicas (Goodin et al., 2016, Tracy et al, 2015). Por essa capacidade multifuncional, a ocitocina pode apresentar, também, um mecanismo interessante de ação na analgesia endógena (Juif, Poisbeau, 2013, Goodin et al, 2015)

Múltiplos núcleos do tronco cerebral têm a capacidade de modular o processamento de informações sensoriais e o neurotransmissor ocitocina possui participação fundamental na modulação da entrada sensorial (Rinaman, 2007, Goodin et al, 2016). Os núcleos do tronco cerebral formam conexões sinápticas ao longo do sistema nervoso central e com os neurónios do cordão da espinha dorsal, permitindo a ocitocina funcionar como um neurotransmissor e influenciar a neurotransmissão (Goodin et al, 2016).

Uma revisão sistemática recente forneceu análise compreensiva sobre o uso de ocitocina como um potencial agente analgésico (Rash, Aguirre-Camacho, Campbell, 2014). Outro estudo sugere que existe boa relação entre a concentração de ocitocina e a modulação da dor na enxaqueca, contribuindo na melhora da sintomatologia álgica (Wang et al, 2013). Outros dois estudos clínicos confirmam que a administração da ocitocina intracerebral e intratecal induzem efeitos analgésicos em pacientes com dor na coluna vertebral (Yang, 1994, Mameli et al, 2014).

Em contraponto, o ensaio randomizado de Zunhammer, Geis, Bush e Greenlee (2015) investigou, com uma metodologia experimental, o efeito da ocitocina intranasal na percepção e processamento do calor nociceptivo em voluntários saudáveis do sexo masculino. O estudo forneceu a hipótese de um efeito específico positivo da ocitocina na dor; no entando, não foi confirmado.

A participação da ocitocina no comportamento social tem sido investigada por meio de duas abordagens. Na primeira, pesquisadores examinaram diferenças no comportamento social ou na cognição humana após administração exógena de ocitocina (intranasal). Neste caso, a farmacocinética da OT, ainda, não é totalmente compreendida, e não se sabe a quantidade de ocitocina que chega aos locais-alvos cerebrais. Na segunda abordagem, e como desdobramento da primeira, ainda não se adquiriu conhecimento se a administração exógena de ocitocina pode interagir com a ocitocina endógena já presente no corpo biológico ou com outros hormônios (McCullough et al, 2013).

A literatura científica enfatiza a necessidade de se existir um método confiável, específico e disponível para medição da ocitocina, de forma que possa ser adotado como padrão ouro na área, contribuindo para os avanços na compreensão dos papeis da ocitocina na cognição humana e comportamento social (McCullough, Churchland, Mendez 2013). Pesquisas sobre os efeitos psicológicos e neurobiológicos da ocitocina, assim como sobre suas aplicações terapêuticas, têm aumentado desde as

últimas décadas. Porém, na literatura consultada, não foram encontrados trabalhos que correlacionassem possíveis efeitos da ocitocina em pessoas com dor crônica na vivência subjetiva de desamparo e na percepção da dor.