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CAPÍTULO 1. OS SERIADOS DE TELEVISÃO

1.5 O Netflix

1.5.2 House of Cards

House of Cards é um drama político estrelado por Kevin Spacey (que também é produtor-executivo da série). O seriado é a versão norte-americana de uma minissérie britânica homônima, que por sua vez é baseada em um livro escrito por Michael Dobbs. O programa foi a primeira produção seriada totalmente realizada pelo Netflix, e a utilização de nomes consolidados no mercado audiovisual dos Estados Unidos (além de Spacey, Robin Wright e Kate Mara também atuam na série; David Fincher é produtor-executivo e diretor dos dois primeiros episódios), foi uma decisão deliberada da empresa. Ted Sarandos, diretor de

29 Tradução do autor para: Sometimes it is really difficult to identify the protagonist of these contemporary

fictions because most of the characters have about the same status in the narrative.

30 Tradução do autor para: What happened to Gary Cooper? The strong, silent type. That was an American. He

wasn‘t in touch with his feelings. He just did what he had to do. The Sopranos, episódio 01.

31 Acrônimo em inglês para designar um indivíduo branco, anglo-saxão e protestante (White, Anglo-Saxon,

Protestant). De forma geral, designa grupos tradicionais que possuem um poder político, financeiro e social

desproporcional quando comparados ao restante da população, e que tem acesso a oportunidades restritas à outras pessoas.

42 conteúdo do Netflix afirmou em entrevista que “(...) queria que os consumidores soubessem o que estávamos fazendo e queria que a indústria soubesse que estávamos fazendo isso para que pudéssemos atrair mais projetos interessantes. Fazer pela metade, ou alguma coisa pequena, não ia nos levar lá”.32

Ao contrário de Orange is the New Black, a presença de Frank Underwood como personagem central não pode ser questionada. É através do seu ponto de vista que observamos todos os meandros da política federal norte-americana, e os personagens secundários são definidos através das relações que estabelecem com Underwood. Mittell (2015) destaca que a ligação que os espectadores possuem com os personagens é importante para as séries. Quem assiste deve se importar de alguma forma com a narrativa do personagem. House of Cards segue a tradição recente da indústria televisiva dos Estados Unidos de utilizar o anti-herói como protagonista. A narrativa do anti-herói utiliza com frequência a relatividade moral, em que um personagem eticamente suspeito é justaposto com outro ainda mais vil e insensível, destacando as qualidades que redimem o anti-herói. Mas o nível de venalidade de Frank Underwood supera o de outros personagens como Tony Soprano ou Walter White. Ele não tenta justificar suas ações pelo bem da família, e não existem adversários que cometam ações mais terríveis que as dele. Ele não tem filhos e sua vida familiar é uma extensão da vida profissional, tendo a esposa Claire como aliada ferrenha nas tramas que executa. Frank Underwood não é o anti-herói de House of Cards. Ele é o vilão, como atesta David Holmes:

Underwood não é um anti-herói; ele é um vilão. Não há justificativas, falsas ou não, para as vidas que ele arruína e as pessoas que ele assassina no caminho para o topo. Ele não tem família para sustentar; possui um "império sem herdeiros", como um personagem caracteriza. Ele não tem um conhecimento singular do que é melhor para o país; seus talentos residem na destruição, não na liderança. (...) Underwood simplesmente quer o poder pelo poder.33

Como fazer que o telespectador apresente algum tipo de empatia e deseje continuar assistindo ao seriado? Mittell (2015) destaca outros aspectos que podem ajudar a trazer a

32 Tradução do autor para: I wanted consumers to know that we were doing it and I wanted the industry to know

that we were doing it so we could attract more interesting projects. Doing it in some half way, some small thing, it wasn't going to get us there. Disponível em: http://www.huffingtonpost.com/2013/01/24/netflix-

show-house-of-cards_n_2545332.html

33 Tradução do autor para: Underwood is not an anti-hero; he is a straight-up villain. There are no

justifications, false or otherwise, for the lives he ruined and people he murdered on the way to the top. He has no family to support; his is an "empire without heirs," as one character calls it. He has no unique knowledge of what is best for the country; his talents lie in destruction, not leadership. (…) Underwood simply wants power for power's sake. Disponível em: https://pando.com/2015/03/02/blank-frank-

43 audiência para “o lado” de um protagonista como Frank Underwood. Uma delas é o carisma, que em parte deriva do desempenho do ator. Outra seria como os demais personagens tratam o anti-herói. Underwood é respeitado pela sagacidade política e habilidade de conseguir resultados. Outro aspecto apresentado pelo personagem pode ajudar a torná-lo mais simpático. Através da constante quebra da quarta parede, Underwood conversa com familiaridade com a audiência. Em alguns momentos, palavras não são necessárias. Olhares, gestos, o levantar das sobrancelhas na direção da câmera, tornam o espectador cúmplice das atrocidades cometidas pelo personagem. Temos acesso a interioridade de Frank Underwood de forma que nenhum outro personagem tem.

A estratégia parece funcionar entre os fãs de House of Cards analisados. Na página do grupo no Facebook, dois seriadores dialogam sobre o personagem Frank Underwood. O primeiro afirma estar se apegando ao personagem para “preencher o lugar que o Walter White deixou quando se foi‖, dizendo não estar decepcionado. Outro seriador concorda, dizendo que sente que deve odiar o personagem por algum senso ético, mas “torce que ele consiga tudo que ele quer.”

O que ocorre com personagem interpretado por Kevin Spacey é semelhante à descrição que Mittell (2015) realiza do personagem Dexter Morgan, o assassino serial que protagoniza a série Dexter. Os produtores utilizaram o carisma do ator Michael C. Hall, e sua identificação com um afável personagem que havia interpretado na série Six Feet Under durante cinco anos, para atenuar as qualidades negativas de Dexter Morgan. Também concedem ao espectador acesso exclusivo a interioridade do personagem, através do uso de narração voice-over e flashbacks. A relação estabelecida entre audiência e personagem, nos permite presenciar ações que todos os outros personagens desconhecem, provendo segredos e conhecimentos sobre o código de ética pessoal de Dexter e até mesmo posicionando os espectadores como comparsas nos seus atos de vigilantismo.

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