• Nenhum resultado encontrado

5.2 Família Borboleta “Pingos de Prata”

5.2.4 HTP: Leonardo

A aplicação do HTP aconteceu na casa da família. Leonardo estava aos cuidados de uma tia (outra irmã de Rosário), que se mostrou contrariada por ter de ficar com ele na casa. Ele ficou muito comportado e foi bastante hospitaleiro, oferecendo água à psicóloga e solicitando que ela se sentasse, enquanto a tia permanecia no quintal, alheia aos acontecimentos dentro da casa e olhando para dentro alguns momentos, demonstrando irritação com as solicitações do teste. A aplicação do HTP ocorreu na mesa da cozinha e Leonardo estava inicialmente feliz e disposto para a participação, ainda que um pouco tímido. Ele fez os desenhos bem apressadamente e sujou um pouco as folhas de barro (suas mãos estavam sujas).

a) Desenho da casa

Inquérito

1- Quantos andares tem esta casa? É... acho que dois.

2- De que esta casa é feita? É de... bloco. Bloco? Como assim, bloco de que? Aqueles

blocos que aumenta o muro. E o que mais? Tijolo e cimento.

3- Esta é a sua própria casa? Eu acho que é (risos). Acha que é? Por quê? Não sei. Quando você desenhou, você pensou que esta fosse a sua casa? (sinaliza afirmativamente com a cabeça). E de quem mais? Da minha mãe e do meu padrasto 4- Se esta casa fosse sua e você pudesse fazer nela o que quisesse, qual quarto você

escolheria para você? É... O do meio (risos). O do meio? Conta um pouco como é essa casa, o quarto é em qual andar? No andar de cima. E quantos quartos têm? Quatro. E porque o seu é o do meio? Ah... não sei (risos).

5- Quem você gostaria que morasse nesta casa com você? Minha vó... e só (risos). Por quê? Porque eu gosto da minha vó. Mais alguma coisa? Só por isso.

6- Quando você olha para esta casa, ela parece estar perto ou longe? Perto. Por quê?

Porque parece.

7- Quando você olha para esta casa, você tem a impressão de que ela está acima, abaixo ou no mesmo nível que você? Na minha frente.

8- Em que esta casa faz você pensar ou lembrar? (pausa) Não sei. Não sabe? Olha para ela... No que você pensa? Casa da minha vó. E o que mais? Nada.

9- É um tipo de casa feliz, amigável? É.

10- O que nela lhe dá essa impressão? Ela tem gente morando.

11- A maioria das casas é assim? (pausa) Não. Por quê? Porque têm umas que tá vazia e

umas que tem gente morando.

12- Como está o tempo neste desenho? Sol. Tá calor, tá frio? Mais ou menos (risos). E que dia do ano ou mês você acha que é? Acho que é... outono.

13- De quem esta casa o faz lembrar? Meu cachorro. Por quê? Porque parece com ele (risos).

14- Do que esta casa mais precisa? Ixi... Não. Não? (sinaliza negativamente com a cabeça).

Análise

Leonardo fez um desenho rápido e empobrecido, assim como o inquérito. A casa aparenta estar de lado e em perspectiva dupla, o que simboliza regressão. O telhado parece ser feito “em pedaços” e está enfatizado, demonstrando a sensação de desproteção no ambiente familiar. Nesse sentido, é possível perceber muita fragilidade na segurança que o ambiente familiar oferece (até mesmo concretamente na casa da família, que é bem simples, sem acabamento e com o telhado forrado com um plástico) e deficiência de holding. Com isso há uma intensificação da insegurança e a sensação de que suas necessidades não são satisfeitas (este não é um lar protegido, as tensões e dificuldades estão representadas no desenho de uma casa que parece não se sustentar).

Há uma tentativa de proteção da casa (e da compreensão de que é preciso se fortalecer), ainda que de forma mais regredida (reforçando os traços das paredes). Entretanto, a possibilidade de sustentação do ambiente familiar é restrita (as paredes são muito tortas e irregulares, a casa flutua). Assim, é necessário força egóica para sustentar essa família que é construída de forma fragmentada (a casa é feita de blocos).

A casa está torta, inclinada verticalmente, o que sugere que a satisfação das necessidades no ambiente familiar é conquistada por meio das fantasias, evitando assim o máximo de contato com a realidade (ausência de linha de solo).

A interação com o ambiente é desejada e temida (presença de uma janela e de uma porta com fechadura), evita-se um contato maior e mais íntimo, pois ele pode representar perigo. Dessa forma, Leonardo procura minimizar a necessidade deste contato externo, evitando-o por não sentir segurança.

Assim como os cuidados oferecidos pelo ambiente, o mundo da fantasia também é fragmentado (telhado) e há dificuldade em integrar realidade e fantasia. A casa parece contida, representando a sua tentativa de reprimir os próprios desejos e fantasias.

No inquérito, Leonardo ficou disperso e deu respostas que variaram de evasivas para pessoais, demorando e respondendo de forma pouco elaborada. A insegurança desta casa (do ambiente familiar) e a falta de continência e limites refletem na dificuldade quanto ao conhecimento a respeito de quem é essa família e do papel de Leonardo nela (incerteza nas respostas: “acha” que a casa tem dois andares, “acha” que a casa é dele).

Disse que na casa moram ele, a mãe e o padrasto, mas que gostaria de morar com a avó (possivelmente alguém que lhe ofereça mais segurança e holding). Suas respostas são

concretas e apegadas à realidade exterior. A afetividade aparece no momento em que ele diz que a casa é feliz, pois tem gente morando, e na representação da figura da avó e do cachorro.

Leonardo apresentou dificuldade ao responder do que a casa precisa, evitando falar a respeito das necessidades familiares. Pensar nas necessidades da família representa também pensar nas suas próprias (que não são plenamente atendidas e por isso, as da família provavelmente também não o são), necessitando de muitas mudanças e intervenções (como quando perguntado sobre o que a casa precisa, em que ele disse: “Ixiii...” negando-se a responder, como se quisesse demonstrar que isso é muito complicado e que ele não saberia falar nada a respeito).

b) Desenho da Árvore

Figura 13: Segundo desenho feito por Leonardo no HTP

Durante a realização deste desenho e inquérito, que foi feito muito rapidamente, Leonardo demonstrou muito sono, bocejando bastante e com pouco interesse na atividade, aparentando estar mais deprimido.

Inquérito

1- Que tipo de árvore é esta? É de... de fruta. De fruta? Que tipo de fruta? É... maçã. 2- Onde fica esta árvore? Na minha casa. Em que lugar da casa? No fundo. No quintal?

3- Mais ou menos qual é a idade desta árvore? Uns 90 anos.

4- Esta árvore está viva? Tá. E o que te dá essa impressão? Parecer ser gente.

5- Para você esta árvore parece mais um homem ou uma mulher? Homem. Por quê?

Porque parece. O que te dá essa impressão? Não sei.

6- Se ela fosse uma pessoa ao invés de uma árvore, para onde ela estaria virada? Pra

frente.

7- Esta árvore está sozinha ou em um grupo de árvores? Sozinha.

8- Quando você olha para esta árvore, você tem a impressão de que ela está acima, abaixo, ou no mesmo nível que você? No mesmo nível.

9- Como está o tempo nesse desenho? De chuva. Tá frio? (sinaliza afirmativamente com a cabeça). Qual época do ano? Inverno.

10- Há algum vento soprando? Tem. Qual direção? Pra trás. Como assim? Pra trás da

árvore. E que tipo de vento é? Ah... aqueles “ventim”. Como assim, tipo uma brisa? É.

11- O que esta árvore faz você lembrar? Meu irmão.

12- Esta árvore é saudável? É. O que te dá essa impressão? (pausa). O que me dá

impressão? Sim. Ah, que ela tá viva. Como assim? Parece que ela tá andando.

13- Ela é forte? É. Porque ela nunca vai morrer. Por quê? Ãnh? Por quê? Ah, se ninguém

cortar... Ela vai estar sempre lá? Sim.

14- De quem esta árvore faz você lembrar? Ah... (pausa longa). Ah, do meu irmão. Qual deles? O Leandro (o irmão que estava preso).

15- Do que esta árvore mais precisa? Da água. E o que mais? Da grama, da terra, do

esterco... Por quê? Ãnh? Por quê? Pra ela não morrer.

16- Alguém já machucou essa árvore? É... (pausa). Mais ou menos. Como assim? Ah,

parece que machucou. Onde machucou? Do lado. Como foi? Ah... tem um corte. Tem

um corte nela? E quem fez isso? Ah, não sei. Ela tá bem? (sinaliza afirmativamente com a cabeça).

Análise

Nesse desenho, a falta de detalhes e a rapidez com que ele é feito (17s), chamam a atenção. Além disso, há grande expressão de sono e desmotivação, sendo possível pensar que a realização da atividade estava muito difícil. Aparentemente este desenho o deprimiu, e ele parece sentir não ter recursos suficientes para satisfazer as demandas do mundo exterior. Sua disponibilidade interna e confiança em seus próprios recursos são muito pequenas e não

possibilitam uma interação muito eficaz com o ambiente (ausência de galhos) que é fortalecida pela sensação de que ele não é cuidado (como quando diz no inquérito do que a árvore precisa: tudo o que é necessário para a sua sobrevivência). Assim, a sensação de ausência desses recursos aumenta a necessidade de gratificação imediata (o que acontece concretamente, ao desejar tudo a todo o momento, como no caso da aplicação do DF-E com Rosário). No desenho, também há sinais de retraimento, regressão, impulsividade e preocupação consigo mesmo (ausência de detalhes, desenho mais localizado à esquerda).

Assim como o desenho da casa, o desenho da árvore não se parece com uma árvore, sinalizando dificuldades no desenvolvimento do self. Há pouca diferenciação entre pensamento e ação, o que repercute em atuações e dificuldades para diferenciar o que pode e o que não pode ser feito (copa e tronco não têm separação).

Também é possível perceber uma tentativa frágil de barrar as interferências do mundo externo em sua vida. Dessa forma, ao entrar em contato com ele, Leonardo se sente invadido por elas (representadas em uma tentativa de finalizar o tronco e ausência de linha de solo). Há dificuldades também em diferenciar realidade e fantasia (copa e tronco não têm separação) e a expressão da afetividade fica limitada (a copa é compacta).

Nesta produção, há um contraste maior entre desenho e inquérito. Neste último, apesar de também ser empobrecido, as respostas são mais elaboradas do que o desenho em si. Há demonstração de afetividade durante o inquérito (é uma árvore de fruta, está viva porque parece gente, o desenho lembra seus irmãos). A idade atribuída à árvore (90 anos) remete à figura da avó, que é muito importante para lhe oferecer cuidados e recursos para que a interação com o ambiente seja possível. O desejo da satisfação das necessidades básicas se apresenta também ao responder que esta é uma árvore de maçãs (ou seja, que dá frutos, alimenta, acolhe), ainda que depois responda que se parece com um homem.

A sinalização de que existem muitos perigos potenciais (de diferentes graus) para o desenvolvimento aparece nas respostas do inquérito (a árvore só viverá se ninguém cortá-la e já sofreu um corte). Nesse momento, em relação a essas possíveis invasões do ambiente externo, há muita ambiguidade, desde a onipotência ao pensar que a árvore nunca vai morrer, até a percepção de que isso depende de que alguém vá ou não cortá-la, e por fim a conclusão de que há um corte (um trauma, a representação de que aconteceram situações muito ruins que deixaram marcas dolorosas, ainda que ele não consiga ter clareza do que causou esse machucado).

Dessa maneira, a árvore está machucada e precisa de cuidados básicos para não morrer (grama, terra e esterco) e de proteção (para que ninguém a machuque ainda mais e ela

continue a viver). Assim, sendo esta uma árvore de frutos, ela poderá desenvolver-se e produzir, um sinal de esperança que depende, entretanto, da forma como o ambiente cuidará dele.

c) Desenho da pessoa

Figura 14: Terceiro desenho feito por Leonardo no HTP

Inquérito

1- Essa pessoa é um homem ou uma mulher? Homem. 2- Quantos anos ele tem? Ãhn... 19.

3- Quem é ele? Meu irmão Leandro.

4- Em que você estava pensando quando estava desenhando? Pensando em pipa... Pipa? Que você gostaria de estar soltando pipa? É (risos).

5- O que ele está fazendo? Ele tá jogando vídeo-game. Onde? Aqui em casa. Com você?

É.

6- O que ele está pensando? Tá pensando em trabalhar. Ele já trabalha? Não. 7- Como ele se sente? Acho que é... bem. Por quê? Ãhn? Por quê? Porque sim.

8- Em que essa pessoa faz você pensar ou lembrar? Na minha irmã. Qual irmã? Na Ana. Por quê? Porque ela morreu. E faz você pensar nela? (sinaliza afirmativamente com a cabeça). E o que mais? Só.

9- Esta pessoa está bem? (não entende bem a pergunta). Mais ou menos. Por quê? Ah,

não sei. Não sabe? (boceja e ri). Não sei.

10- Esta pessoa está feliz? Tá. Por quê? Porque eu acho que eu tenho.

11- A maioria das pessoas é assim? Ah, eu acho que é. Por quê? Ah, porque eu não saio

muito com ele. Como assim? Você não o conhece direito? Conheço. É que eu nunca saio com ele. Então ele deve ser igual a todo mundo? Acho que é. E eles se parecem

com seu irmão? Mais ou menos.

12- Você acha que gostaria desta pessoa? Sim.

13- Como está o tempo neste desenho? Chuvoso. Que época do ano é? É quinta (o dia da aplicação do teste). Quinta? O que mais? Tá frio. Tá dia, noite? Tá de noite.

14- De quem esta pessoa o faz lembrar? Ah... meu amigo. Que amigo? O Caio. De onde ele é? Da escola. Por quê? Ah... porque ele vem na minha casa. Vem sempre? Não,

que nem ontem ele veio aqui.

15- Do que esta pessoa mais precisa? (risos) Eu acho que é de “comê”. Por quê? Porque

ela é mais magra. Ela tá com fome? Não.

16- Alguém já machucou esta pessoa? Não.

17- Que tipo de roupa esta pessoa está vestindo? Uma bermuda e uma camisa.

Análise

Também neste desenho, há sinais de regressão e retraimento, além de insegurança, concretismo e inadequação (falta de detalhes, desenho muito pequeno em relação à folha, localizado no plano inferior).

Há poucos traços faciais (retraimento), a ênfase dada ao pescoço indica necessidade de controle e, ainda que seja uma figura esquemática, a sustentação do corpo é frágil. A afetividade é contida (assim como a copa da árvore, a cabeça da pessoa é pequena); apesar do tamanho é dado ênfase na cabeça, demonstrando que para Leonardo muitos pensamentos e preocupações estão presentes, havendo grande dificuldade em trabalhá-los e compreendê-los, a fim de relacioná-los com a sua realidade e agir de acordo com eles sem impulsividade.

O desenho pobre indica baixa auto-estima (sua imagem corporal é defasada) e dificuldades na autonomia (corpo frágil, identificação com os irmãos Leandro e Ana). Em relação a isso, é possível observar que a identificação é com os irmãos fragilizados e com “problemas”, numa dificuldade em diferenciar-se deles (pois ele sente necessidade de reparar o que acredita ter feito aos irmãos, por exigir demais da mãe e “tomá-la” deles, vencendo-os

no que diz respeito aos sentimentos de rivalidade fraterna). Entretanto, a figura representa a ele próprio, e ele consegue se diferenciar dos irmãos quando, no inquérito, é perguntado se a pessoa é feliz, e ele responde que sim, pois “acha que tem” (referindo-se à felicidade e ao fato de ter a mãe com ele), percebendo que não está na mesma condição que Ana e Leandro.

Assim, ele inicia identificando-se com o irmão que está preso (pelo sentimento de desproteção e solidão), o que o faz perceber a dificuldade em que ele se encontra e temer perder esse irmão assim como perdeu Ana (sentindo ainda mais medo de que ele também possa ser esquecido). Nesse sentido, ele faz confusão entre ele e ela ao referir-se sempre ao pronome “ele”, mas ao citar Ana, dizendo que “ela” precisa comer, pois está magra (simbolizando os rituais e cuidados feitos para a irmã, que objetivam reparar a sua culpa, a sensação de que, ao ser voraz na busca da satisfação das suas necessidades e não recebendo limites, ele retira da mãe todo holding que ela pode oferecer, mesmo que insuficiente para ele, e dessa maneira nada sobra para os irmãos). Ainda assim, sua identificação é com as figuras masculinas (de um lado o irmão que está preso e de outro o amigo que vem lhe visitar – vem lhe oferecer algo, a companhia).

Em suma, os desenhos do HTP demonstraram que Leonardo sente-se inseguro quanto à proteção oferecida no ambiente familiar, demonstrando receber holding insuficiente e tendo a sensação de que as suas necessidades não são satisfeitas. Dessa maneira, ele busca gratificação imediata e não encontra no ambiente continência e limites para contornar suas atitudes impulsivas. Sendo assim, ele não confia nos próprios recursos para ajudá-lo a encontrar no ambiente aquilo que necessita, apresentando uma interação pouco eficaz com a realidade externa. Há dificuldades em integrar realidade e fantasia que, somado a falta de limites, repercute em comportamentos impulsivos, já que ele não sabe diferenciar o que pode ou não fazer. Nesse sentido, ele não consegue viver satisfatoriamente na realidade compartilhada e tem dificuldades em conhecer qual é o seu papel e sua identidade no ambiente familiar. Como age de forma impulsiva e sem limites, Leonardo prevê que haverá retaliação para as suas atitudes. Este sentimento é intensificado pela culpa que sente na relação entre os irmãos, cuja rivalidade fraterna (a partir da morte e distanciamento deles) não pode ser trabalhada na família, pois esta teme a desunião por meio dos conflitos. Assim, o ambiente se torna invasivo na medida em que não lhe oferece a satisfação das suas necessidades e pode prejudicá-lo (por meio da retaliação). Como consequência, Leonardo apresenta um comportamento regredido e baixa autoestima para agir no ambiente externo, com dificuldades na aquisição da autonomia.