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Quem é essa mulher Que canta sempre esse estribilho? Só queria embalar meu filho Que mora na escuridão do mar. Quem é essa mulher Que canta sempre esse lamento? Só queria lembrar o tormento Que fez o meu filho suspirar. (Chico Buarque & Miltinho, Angélica, 1977)

Na nossa sociedade, a morte precoce é vista com grande resistência. A maior parte das pessoas compreende o fato como uma interrupção do ciclo vital, por isso a criança que morre é percebida como quem foi privada da vida (Hoffman, 1993). A morte de uma criança também desperta ansiedade nos adultos, a partir do momento que fica evidente que devemos aceitar que é possível morrer sem ainda haver se realizado (Aberastury, 1984).

Dentre as pessoas que sofrem com a morte de uma criança, indiscutivelmente, destacam-se os pais. Para eles a morte do filho é, dentre todas as perdas, a mais grave. Eles são tomados por uma angústia avassaladora e momentos de grande desespero. Compreendem a perda como um fracasso em sua função e sentem um vazio inexplicável (Valle, 2002). O luto dos pais envolve toda dimensão familiar e social por serem as proporções do sofrimento muito intensas (Bolze & Castoldi, 2005).

Essa perda também representa a morte de todas as suas expectativas e sonhos em relação ao filho e o fracasso por sentirem que não foram bem sucedidos em sua tarefa de cuidar dele. A nossa sociedade acaba por tornar esse luto ainda mais complicado, dificultando a expressão dos sentimentos parentais e prolongando os efeitos do luto, pois se espera que os pais retomem logo suas atividades. Além disso, deixar de sofrer pelo filho pode representar a esses pais que estão abandonando-o (Parkes, et al., 2003).

Nesses casos é mais comum encontrar pais que desenvolvam um luto complicado, já que é muito difícil para eles sentir que estão se desapegando da dor e do luto, pois o tempo não diminui a necessidade de continuar uma ligação com o filho morto (Bolze & Castoldi, 2005). Por isso, alguns pais que apresentam dificuldade em trabalhar a sua perda, podem apresentar sintomas associados com o luto complicado que incluem preocupação com pensamentos sobre o falecido e a negação de se sentir atordoado pela morte (D‟Agostino, Berlin-Romalis, Jovcevska, & Barrera, 2008).

A dor derivada dessa experiência pode chegar a ser debilitante. Em alguns pais, a perda de um filho pode ocasionar sintomas depressivos no seu comportamento em até sete a nove anos depois (Kreicbergs, Valdimarsdottir, & Onelov 2004). Porém, alguns estudos apontam que os pais relataram se sentirem mais fortes por passarem por esse momento tão difícil (Arnold, Gemma, & Cushman, 2005; Barrera et al., 2007) e a maioria deles são capazes de trabalhar com a perda, integrando sua dor em suas vidas diárias (Barrera et al., 2007).

No caso de morte de crianças que envolveram um longo período de doença, as necessidades imediatas dos pais enlutados ainda não foram supridas pelos estudos da área, mas entende-se que é importante que haja um envolvimento desses pais com a equipe de saúde que cuidava do seu filho e com outros pais que estejam na mesma situação. Por isso, as consequências trazidas por esse tipo de perda estão sendo cada vez mais exploradas e conhecidas pela literatura (D‟Agostino et al., 2008).

O estudo de Arnold et al. (2005) analisou 74 pais enlutados que perderam crianças de qualquer idade, causa ou tempo de morte. Foi realizada uma análise, qualitativa e quantitativa, de características do processo de luto que já havia sido apresentado em outros estudos e criado, assim, um questionário que incluiu 17 itens sobre questões demográficas, 52 itens sobre questões referentes ao luto e perda e 11 questões abertas para que o participante escrevesse com suas próprias palavras os sentimentos relativos à morte do filho. Também havia imagens que foram especialmente selecionadas para que pudessem ser comparadas com os sentimentos que os pais traziam como parte da experiência de perder um filho. Os resultados foram separados em características que diziam respeito à experiência de perda e luto, como:

- Intensidade da perda: Quase todos os participantes disseram que os sentimentos relacionados à perda foram muito intensos nas semanas que se seguiram à morte, e metade revelou que essa intensidade começou a variar muito com o tempo.

- Suporte social: 86% acreditaram ter recebido suporte das pessoas próximas, apesar de alguns se sentirem evitados depois da morte da criança. Os participantes também alegaram que sua própria força interior somada ao apoio dos familiares, religião e a profissão os ajudaram muito durante o processo de luto.

- Percepção sobre a continuação do sofrimento: a maioria dos pais acreditou que seu sofrimento continuou mesmo passado o tempo.

- Outros sentimentos da perda, continuação do luto e características da morte da criança: os pais que perderam suas crianças bem pequenas tendem a sentir seu luto

como terminado mais facilmente do que quando em situação de perda dos filhos mais velhos com quem conviveram mais.

Muitas dessas categorias foram criadas por meio de uma comparação entre pais que afirmavam já estarem finalizando o seu luto e pais que ainda acreditavam estar nesse processo. Poucos pais afirmaram que a morte do filho pode tê-los deixados mais deprimidos, com raiva e desestimulados, mas todos os participantes afirmaram ainda não terem deixado o luto. Em síntese, os resultados deste estudo apoiaram uma compreensão de luto parental como complexo, não linear e contínuo. Nos relatos de muitos pais foi identificado que há um receio de abandonar seu filho se deixarem o luto, mantendo um espaço vazio entre eles (Arnold et al., 2005).

Um estudo longitudinal, realizado por Alam, Barrera, D‟Agostino, Nicholas e Schneiderman (2012) entrevistou 31 mães e pais de crianças que morreram de câncer, seis e 18 meses pós a morte destas. As entrevistas foram qualitativas semiestruturadas e individuais, realizadas por um psicólogo. Os pais eram contatados por e-mail e depois por telefone. A entrevista se tratava de questões relativas à doença e tratamento da criança, bem como ao momento da morte, às mudanças sofridas na rotina, ao trabalho e relacionamentos com amigos e familiares após a morte, à saúde atual dos pais, à espiritualidade, ao significado da doença e da morte do seu filho e às estratégias de enfrentamento. Os autores buscaram em todas essas questões, diferenças segundo gênero. Algumas mudanças foram reveladas como: 1) maior preocupação dos pais com o trabalho, 2) reações de luto mais intensas nas mães que diminuíram com o tempo, 3) as mães continuaram mais focadas na criança e os pais em suas tarefas cotidianas, 4) as mães nutriam mais o relacionamento com as crianças sobreviventes do que os pais, 5) o relacionamento conjugal ficou prejudicado sendo muito enfatizadas as diferenças entre o casal pelos pais e 6) as mães mantiveram mais contato com a família estendida do que os pais.

Foi revelado nesse estudo, tanto por mães quanto por pais, que o luto era sentido intensamente ainda semanas após a morte. As diferenças de gênero mais evidentes foram em relação às reações de luto materno, que eram mais intensas e prolongadas que as paternas, cujo luto foi relatado como mais privado e menos intenso conforme o tempo passava. Os pais também relataram utilizar o trabalho como maneira de lidar com a perda, enquanto que as mães preferem se comunicar com amigos e familiares, rezar e passar o tempo com os outros filhos. No que diz respeito aos filhos sobreviventes, tanto pais quanto mães relataram terem ficado mais protetores e aprendido a valorizá-los mais. As mães passam mais tempo com esses filhos, falam mais sobre a morte do irmão com eles e tendem a perceber o cuidado como

uma forma de auxiliar no processo de luto. Entretanto, alguns pais e mães reconheceram que houve dificuldades em se relacionar com esses filhos em até 18 meses após a morte (Alam et al., 2012).

Para pensar o impacto da perda de um filho de até 30 anos de idade, um estudo holandês avaliou, por meio de entrevista, 219 casais que haviam perdido um filho há seis, 13 e 20 meses. Concluiu-se que a idade do filho é um preditor de dor, pois a perda de crianças muito jovens (recém-nascidos e bebês) ou filhos mais velhos (adultos) estão associados a uma sensação de menos dor, de uma maior facilidade em concluir o processo de luto, sendo que em casos de morte abrupta essa dificuldade aumenta. Também concluíram que o número de crianças que permaneceram na família depois da morte, contribui para que os pais tenham menos sintomas de sofrimento (Meij et al., 2005).

Ainda em relação às características dos pais enlutados, outro estudo averiguou que, após a morte da criança, houve maiores taxas de separação conjugal, maior participação em grupos religiosos e mais queixas de sintomas depressivos e problemas de saúde, em especial cardiovasculares. Além disso, no estudo, houve bem menos participação de pais do que de mães, e dentre as razões possíveis para esse fato, os autores indicaram a preferência masculina por não confrontar a dor para não senti-la (Rogers, Floyd, Seltzer, Greenberg, & Hong, 2008). Este mesmo estudo também demonstrou a dificuldade na família estendida em perceber que ainda há necessidade de continuar dando apoio emocional a esses pais, mesmo que os sintomas do luto não estejam mais visíveis (Rogers et al., 2008).

A vivência da perda de um filho é um fenômeno complexo que pode causar uma significativa desestruturação familiar. O apoio dado pelos familiares e amigos é essencial. É também de suma importância que existam programas que ofereçam auxílio profissional para que esses pais enlutados possam dar continuidade à sua vida, podendo de fato concluir seu processo de luto. Alguns serviços e hospitais oferecem esse tipo de trabalho, mas muitas vezes são procedimentos que ainda estão sendo organizados e estruturados.

O estudo de D‟Agostino et al. (2008), examinou as perspectivas dos pais em relação a serviços de apoio ao enlutado oferecidos por um centro de oncologia pediátrica, para compreender o que esses pais achavam do suporte de luto oferecido, o que eles precisavam e de que forma esse suporte poderia ser feito.

Os autores puderam concluir que é muito importante que algum apoio seja oferecido, pois há um forte apego dos pais em relação à equipe que cuidou do seu filho, podendo inferir que, além da perda do filho, há também a perda do círculo social conquistado dentro do hospital. No momento em que a família perde a criança e está muito vulnerável, ela tem

dificuldade em criar novos vínculos, por isso à participação da equipe de saúde no apoio ao enlutado pode ser de grande ajuda.

Ademais, a morte de uma criança afeta os aspectos narcísicos dos membros da família e é sentida profundamente como um choque contra sua onipotência. Ao mesmo tempo os pais experienciam a sensação de que uma parte de si mesmos foi arrancada. Esses sintomas trazem uma dificuldade de comunicação entre os familiares, prejudicando principalmente aqueles que precisam de mais ajuda por ainda estarem em desenvolvimento, os irmãos enlutados (Soifer, 1982).

Por isso, a possibilidade de que se possa oferecer algo aos pais, que signifique um apoio efetivo durante a difícil tarefa de viver o processo de luto, é essencial não só para que eles possam ressignificar a perda e suas vidas a partir dela, como também para possibilitar que as crianças sobreviventes recebam o que precisam do seu ambiente e não sejam abandonadas à mercê das próprias angústias, medos e fantasias, sem que haja alguém que possa estar efetivamente ao seu lado, sendo capaz de ser verdadeiro e de lhe oferecer holding. Como cita Winnicott: “Uma das coisas que o pai faz pelos filhos é estar vivo e continuar vivo” (Winnicott, 1957/1982, p.131).

Além disso, o adulto deve se sentir inteiro para que, além de fornecer holding, ele

também possa oferecer a possibilidade da criança se comunicar e entender o que aconteceu. Por considerarem que as crianças não devem ter contato direto com o assunto, os adultos muitas vezes assumem atitudes equivocadas, evitando conversar a respeito, minimizando o próprio sofrimento a fim de poupar a criança, criando eufemismos que podem confundi-la e até mesmo inventando histórias que substituem a situação real (Vendruscolo, 2005).

Winnicott (1968/1997) alerta para o fato de que pode ser muito fácil subestimar o efeito da perda nas crianças, por elas serem cheias de vida e distrativas, mas uma perda com significado intenso para criança pode retirar todo o sentido da existência. Ele destaca a importância do ambiente para que o luto possa ser elaborado e a criança possa construir uma identidade própria, separando-se da mãe (Winnicott, 1958/2000).