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HUMANISMO RENASCENTISTA CRISTÃO

3. O HUMANISMO EPISTOLAR E A PROPOSTA RENASCENTISTA

3.3 HUMANISMO RENASCENTISTA CRISTÃO

Hector Delbosco (2012) defende que, em princípios do século XX, para Giuseppe Toffanin, professor de história literária, o humanismo renascentista italiano se respaldava em um marcante retorno aos autores clássicos, como força motriz de modelagem humana. Mas o fez em uma vertente cristianizada do humanismo clássico, acerbamente neoplatonista. Contudo, essa interpretação foi duramente criticada por Benedetto Croce, na revista La Critica, em 1938, o qual percebe em Toffanin uma tentativa de fazer da defesa da fé católica um fundamento do humanismo, salvaguardando que para Toffanin o humanismo quatrocentista se voltou contra a escolástica decadente e o averroísmo, não contra o cristianismo como um todo (DELBOSCO, 2012).

Por outro lado, Toffanin, em sua defesa, afirmara que tentava interpretar a tradição renascentista do humanismo sob uma nova compreensão, a qual destoaria

diametralmente da concepção oitocentista, que pressupõe um crescente caminhar rumo à razão. Ou seja, o motivo do dissentimento das duas posições dá-se em função de que uma defende a aliança entre o humanismo e o catolicismo, ao passo que a outra vê uma completa divergência entre esses dois ideários (DELBOSCO, 2012).

É interessante perceber que esse humanismo do século XIV foi não apenas uma tentativa de inquirir acerca da humanitas, por meio da leitura dos autores clássicos e, consequentemente, da latente possibilidade de depreender valores importantes para os homens na condução da vida cotidiana. Ele também se destacou pelo desígnio de se contrapor ao naturalismo dos médicos averroístas. Logicamente esse contraponto se dava porque os humanistas julgavam inaceitável uma concepção de homem meramente física, como acreditavam os averroístas. É possível visualizar no humanismo literário de Petrarca e outros a defesa da centralidade do homem na criação divina. Junto a isso corresponde também toda uma defesa da dignidade do homem, o que ocorreu particularmente após o Concílio de Ferrara-Florença, em 1438 (DELBOSCO, 2012), evento este em que se notabilizou a defesa do antropocentrismo grego, principalmente, a partir das obras de Platão, o qual teve como um de seus maiores patronos Jorge Gemisto – “Plethón” –, tendo como pano de fundo “um forte espiritualismo que ressalta a superioridade do homem sobre o resto da natureza e seu chamado à transcendência” (DELBOSCO, 2011, p. 1, tradução nossa).

Particularmente, essa é a tônica do movimento humanista italiano, a saber, notabilizar os ensinamentos herdados dos gregos. E mesmo que em um caso fosse patente a preferência por Platão, em outros, como em Jorge de Trebizonda, poder-se-ia perceber uma nuance nitidamente aristotélica, e mesmo acerbamente crítica a qualquer forma de platonismo (DELBOSCO, 2002).

Enfim, a despeito das preferências sobre quem melhor representasse as aspirações do humanismo, é inegável a importância que Platão e Aristóteles tiveram na formação do humanismo italiano. O cardeal Bessarión (1403-1472), apesar de sua nítida preferência pelos ensinamentos platônicos, deixou bastante clara a consideração que tinha pelos dois maiores nomes da filosofia clássica. Entre outros aspectos, foi um dos maiores incentivadores de se buscar em Platão o fundamento para o ideário humanista. Ademais dessa característica, empreendeu esforços junto aos eclesiásticos para tentar arrefecer a resistência destes com relação aos humanistas. Bessarión se propunha a

efetivar de fato a união religiosa entre as igrejas grega e latina por meio de uma aproximação cultural (DELBOSCO, 2012).

Marcilio Ficino (1433-1499) reconheceu a relevância do cardeal Bessarión na construção do humanismo literário italiano, notadamente aquele ligado ao platonismo, uma vez que, a seu ver, o aristotelismo defendido pelos averroístas negava a imortalidade da alma. Prova da posição de Ficino é sua obra Theologia platônica de immortalitate animorum (1491), na qual o destino humano está diretamente ligado à transcendência divina. É nesse sentido que o platonismo se destacaria frente ao aristotelismo para os humanistas do século XV, haja vista que a prova da imortalidade da alma se relaciona à natureza espiritual desta, direcionando o homem para a eternidade divina (DELBOSCO, 2012).

Percebe-se que, desde os primórdios, o humanismo literário italiano converge para a ideia metafísico-teológica, claramente cristã, de que a dignidade do homem se alicerça em sua transcendência, posto que “é feito à imagem e semelhança de Deus” (Gen. 1:27). A partir daí é manifesta a ligação desse humanismo com o teocentrismo cristão. Portanto, pensar o homem significaria pensar sua transcendência.

Prova abalizadora para o raciocínio acima é encontrada em Vattimo:

Por isso, a morte de Deus – momento culminante e final da metafísica – é também de maneira inseparável a crise do humanismo. Dito em outros termos: o homem conserva a posição de “centro” da realidade, a que alude a concepção corrente do humanismo, só em virtude de uma referência a um Grund que afirma o oposto. A tese agostiniana segundo a qual Deus está mais perto de mim do que eu mesmo estou, nunca foi uma verdadeira ameaça ao humanismo, mas lhe serviu de apoio, ainda que historicamente (1987, p. 33, tradução nossa).

É perceptível que a defesa da transcendentalidade humana não faz referência ao subjetivismo moderno – cartesiano – ou ao idealismo alemão, vez que se insere necessariamente na relação com Deus. Nesse sentido, é indubitável a aproximação da tradição humanista literária à Patrística cristã, portanto, ao platonismo, com críticas acerbas aos médicos averroístas, defensores de um naturalismo eminentemente aristotélico e pagão (DELBOSCO, 2002).

Como pano de fundo do humanismo literário italiano, que vige em proximidade indistinguível à teologia cristã, está o centralismo humano no mundo material, pondo a

dignidade humana em franca superioridade frente às outras criaturas, por sua alma espiritual e imortal: “o interesse pelo humano, da centralidade do homem dentro do universo, da grandeza de sua vocação e seu destino” (DELBOSCO, 2011, p. 1, tradução nossa).