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Hungria, Romênia e Tchecoslováquia: novas oportunidades comerciais

Capítulo 1 – Frestas na Cortina de Ferro e incursões comerciais (1947-1953)

1.4 Hungria, Romênia e Tchecoslováquia: novas oportunidades comerciais

Em março de 1947, em Moscou, a Embaixada do Brasil havia recebido uma nota verbal do governo húngaro solicitando permissão ao governo soviético para que as relações comerciais entre Hungria e Brasil fossem imediatamente restabelecidas. A nota terminava dizendo que, após a autorização da URSS, o governo húngaro pediria ao Brasil uma “abertura de crédito”219. Documento interno ao Itamaraty datado de 1953 aponta que o governo brasileiro havia concordado não só com o reestabelecimento de relações comerciais, mas com o reatamento de relações diplomáticas com a Hungria em março de 1947. A troca de notas não ocorreu, ainda segundo o mesmo documento, por “pressão da URSS, a quem tal iniciativa parecia pouco interessante”. Aproximadamente seis meses depois, entre outubro e novembro de 1947, novas tentativas de aproximação por parte do governo húngaro foram feitas por meio das missões diplomáticas brasileiras em Paris e Belgrado. O governo brasileiro, nessas oportunidades, teve uma atitude “menos

216 Ibid., p. 1-2.

217 Ibid., p. 2. Anexada a essa mensagem, há uma minuta – sem indicação de autor, destinatário e classificada como secreta – na qual eram sintetizados os mesmos pontos citados anteriormente e se confiava a tarefa de iniciar as conversações a respeito do intercâmbio comercial com o bloco soviético a algum diplomata específico, mas sem mencionar nenhum nome. Ibid. Veja Anexo, “A Sua Excelência o Senhor”, Secreto, agosto de 1952, p. 1-2.

218 FARIAS (2017, p. 360-61).

219 AHMRE, 811 (42)(00) (83 a 87) (1947-67), Moscou-MRE, Confidencial, “Relações comerciais Brasil- Hungria”, Moscou, 8 de março de 1947.

favorável”, já que receava que a Hungria caísse “sob o domínio soviético”, fato que ocorreu após o “golpe de estado de agosto de 1949”, no qual foi proclamada a República Popular da Hungria, com sua “consequente integração” à orbita soviética220. Em 1948, o partido socialdemocrata na Hungria havia sido forçado a se unir com o partido comunista. Ao mesmo tempo, a liberdade de expressão era limitada, e a oposição política fortemente reprimida221.

O interesse do governo húngaro em se aproximar do Brasil ressurgiria em 1952. No início de julho, o ministro plenipotenciário da Hungria em Praga, com autorização de seu governo, questionou verbalmente o representante brasileiro na capital tcheca, ministro Argeu de Segadas Guimarães, qual seria a posição do governo brasileiro em relação à abertura de legações de ambos os países no Rio e em Budapeste. Em comunicação ao Itamaraty, Guimarães salientou que o diplomata húngaro nutria “vivo desejo de intercâmbio comercial” com o Brasil222. A Secretaria de Estado brasileira respondeu que, por “motivos vários”, entre os quais o de “falta de pessoal”, não convinha a abertura de uma legação em Budapeste. Pronunciava-se, no entanto, em princípio, não contrária a um intercâmbio comercial que favorecesse os interesses do país. Instruía, assim, que Guimarães encaminhasse quaisquer propostas que recebesse do governo húngaro223.

O governo brasileiro era impelido ao comércio com o bloco soviético também por dificuldades econômicas. De acordo com Malan (2007), o conflito na Coreia teve “graves efeitos” sobre as contas externas do Brasil. Além disso, o país perdeu credibilidade em instituições financeiras internacionais a partir de 1952, e o governo Eisenhower (a partir de 1953) permaneceu pouco interessado – pelo menos até a Revolução Cubana em 1959 – nos problemas latino-americanos pelo resto da década224. O interesse do bloco soviético na região logo se estenderia também ao Brasil. Em setembro de 1953, uma nova tentativa de aproximação entre Hungria e Brasil ocorreria. O ministro-conselheiro da Hungria em Viena abordou a representação brasileira na capital austríaca com uma proposta de reatamento das relações. Especulava- se, dentro do Itamaraty, se a iniciativa teria sido de “caráter puramente pessoal” ou se

220 AHMRE, 811 (42)(00) (83 a 87) (1947-67), Jorge de Oliveira Maia ao chefe da Divisão Política, Confidencial, Rio de Janeiro, 15 de setembro de 1953, p. 1.

221 APPLEBAUM (2012, p. 221-222).

222 AHMRE, 811 (42)(00) (83 a 87) (1947-67), Praga-MRE, Confidencial, “Relações diplomáticas Brasil- Hungria. Consulta do governo húngaro”, Praga, 5 de julho de 1952.

223 AHMRE, 811 (42)(00) (83 a 87) (1947-67), MRE-Praga, Confidencial, “Relações diplomáticas Brasil- Hungria”, Praga, 27 de agosto de 1952.

refletiria “mudança na política internacional” da URSS “após a morte de Stalin”225. A segunda hipótese parece-nos, obviamente, muito mais plausível.

Uma semana depois, a Seção de Estudos de Política Econômica enviou memorando ao chefe da Divisão Econômica com dados sobre o comércio da Hungria com países ocidentais. O estudo também trazia dados numéricos das trocas Brasil-Hungria em perspectiva histórica. Nos últimos anos, afirmava que não havia “nenhum produto de participação regular”; assinalava, no entanto, a participação de couros no biênio 1948-49 e de algodão em 1951. Nas importações, mencionava máquinas de costura em 1948-49 e peles em 1949-50. Ressaltava que os outros produtos trocados não passaram de “quantidades insignificantes” e com “presença esporádica” no intercâmbio. Listava, entretanto, produtos produzidos na Hungria que poderiam interessar ao Brasil e vice- versa226.

O estudo sublinhava o fato de o governo húngaro ter assinado acordos comerciais com diversos países ocidentais ao longo de 1953 (França, Holanda, Noruega, Islândia e Grécia; além de Síria e Indonésia). Mas chamava a atenção, sobretudo, para um entendimento firmado com a Argentina no mês anterior. Nele, o país sul-americano enviaria lã, couros (e suas manufaturas), algodão, produtos organoterápicos e outros itens em menor volume. A Hungria, por sua vez, exportaria matérias-primas para fabricação de lâmpadas incandescentes e fluorescentes, isolantes, acessórios e medidores elétricos, fios de ferro e aço, aparelhos de raio X, microscópios, teodolitos, placas e películas radiográficas, instrumentos de medição radioelétrica, produtos químicos e farmacêuticos, tratores agrícolas, transformadores, máquinas para a indústria, acessórios para material ferroviário, ferramentas, vidros planos e outros itens227.

As trocas da Hungria com o bloco soviético representavam cerca de 50% de seu comércio exterior. Parecia haver um esforço, de acordo com medidas recentes das autoridades húngaras, para conquistar novos mercados na América Latina. Nesse sentido, o memorando ainda mencionava que na Conferência Econômica de Moscou, realizada em abril de 1952, a Hungria havia proposto vender ao Brasil instalações frigoríficas, máquinas agrícolas e tratores, motores elétricos, locomotivas elétricas ou a diesel, ônibus,

225 AHMRE, 811 (42)(00) (83 a 87) (1947-67), Jorge de Oliveira Maia ao chefe da Divisão Política, Confidencial, Rio de Janeiro, 15 de setembro de 1953, p. 1-2.

226 AHMRE, 811 (42)(00) (83 a 87) (1947-67), Seção de Estudos de Política Econômica (Jayme Magrassi de Sá) ao Chefe da Divisão Econômica, Confidencial, Rio de Janeiro, 22 de setembro de 1953, p. 1 (anexo). Veja Listas 1 e 2 e anexos “Comércio Exterior da Hungria” (sem número).

caminhões e trigo (de 20 a 50 mil toneladas). O Brasil exportaria algodão, lã, couros, café e cacau228. O chefe da Divisão Política e Cultural, Teixeira Soares, solicitou que com base nesse estudo fosse preparada uma “exposição de motivos à presidência da República”229.

As conversações pareciam avançar. O ministro-conselheiro João Alberto Lins de Barros chefiaria a Missão Comercial Brasileira à Hungria em outubro de 1953. Ao relatá-la, sem dar maiores detalhes, afirmava que havia encontrado um ambiente “extremamente favorável ao início das relações econômicas com a URSS e com os países satélites que poderiam absorver vários produtos brasileiros”. Solicitava que estudos deveriam ser feitos para que se pudesse melhor compreender a estrutura econômica dos países do bloco socialista, bem como as reais possibilidades de trocas comerciais e financeiras. Acreditava que o “início dessas relações” contribuiria para o “rompimento do círculo vicioso com que o Brasil” se defrontava em suas relações econômicas. A busca por novos mercados era imprescindível, já que “sem a ajuda de capitais estrangeiros”, cujo volume de investimentos em um futuro próximo não seria suficiente, o Brasil contava apenas com suas exportações para o pagamento de “importações imprescindíveis”230.

A situação econômica se agravava rapidamente no Brasil. Em junho, Oswaldo Aranha havia assumido o comando do ministério da Fazenda em substituição a Horácio Lafer. Segundo Malan (2007), a crise cambial era “sem precedentes”. Em setembro, Aranha comunicava ao Senado que a dívida externa de curto prazo do Brasil se aproximava de US$1 bilhão; aproximadamente o dobro da “relativamente estável” quantia vista entre 1947 e 1961231.

As autoridades húngaras, porém, pareciam nutrir grande interesse no intercâmbio com o Brasil. Ainda em outubro, a vinda de uma Comissão Comercial Húngara ao Brasil, intermediada pelo mesmo ministro João Alberto, daria prosseguimento às conversações iniciadas em Budapeste. A comitiva comercial húngara

228 Ibid., p. 3.

229 AHMRE, 811 (42)(00) (83 a 87) (1947-67), Seção de Estudos de Política Econômica (Jayme Magrassi de Sá) ao Chefe da Divisão Econômica, Confidencial, Rio de Janeiro, 24 de setembro de 1953, p. 1. Uma cronologia das relações Brasil-Hungria, feita em 1961, afirma, no entanto, que a Secretaria de Estado havia decidido “reatar relações diplomáticas com a Hungria”, em setembro de 1953, desde que lhe “fosse dirigido pedido formal por parte desse país” já que a iniciativa de ruptura havia partido dela. Veja AHMRE, 920.1 (42)(00) (1942-66), Informação da DPo, Confidencial, “Relações Brasil-Hungria”, Rio de Janeiro, 3 de fevereiro de 1961, p. 1-2.

230 AHMRE, Telegramas (Recebidos e Expedidos), Consulados, Delegações, Diversos no Exterior e Particulares, A-Z (1950-57), caixa 80, DelBRASONUGenebra-MRE, Secreto, “Missão Ministro João Alberto. Relações comerciais”, Genebra, 12 de outubro de 1953, p. 1-2.

seria composta do diretor-geral e do chefe do Departamento de Comércio, além de dois secretários. A Embaixada do Brasil em Viena se encarregaria de conceder visto aos integrantes da missão232. Em 14 de outubro, o governo brasileiro estaria “pronto” a reatar relações diplomáticas com a Hungria, desde que “lhe fosse dirigido pedido formal por parte desse país”, já que a iniciativa de ruptura havia partido da Hungria, assim como da Romênia, anteriormente233. Alguns dias depois, no entanto, o Itamaraty solicitava o “adiamento” da visita para uma data a ser fixada posteriormente, a partir de janeiro de 1954. A justificativa era a “incerteza reinante” com as “novas medidas cambiais adotadas” pelo governo brasileiro234. A Secretaria de Estado afirmava que a visita da delegação comercial húngara somente seria “eficaz” depois que o “novo sistema cambial do Brasil” estivesse em “pleno funcionamento”235.

O sistema cambial brasileiro foi “radicalmente” alterado em outubro de 1953. Isso foi feito, segundo Malan (2007), por uma conjunção de graves fatores: uma “redução abrupta” nas receitas de exportação, o esgotamento de linhas de crédito bilaterais capazes de auxiliar o balanço de pagamentos, e o crescente custo de serviço da dívida externa236. De Genebra, o ministro João Alberto respondeu que relataria “verbalmente” ao secretário geral os encontros que teve em Budapeste, uma vez que iria ao Rio no mês seguinte. Na mesma mensagem, disse ainda que, ao “assumir a iniciativa da visita à Hungria”, teve “apenas a intenção de alargar as relações comerciais do Brasil, sem comprometer a linha política do Itamaraty”237. Em janeiro de 1954, a Secretaria de Estado comunicava à Embaixada do Brasil em Viena que um “emissário” do governo húngaro se apresentaria na representação, em um “futuro próximo”, para tratar da possibilidade de reatar relações diplomáticas entre Hungria e Brasil. A mensagem asseverava que os integrantes da missão brasileira deveriam “ouvir [...], declarando-lhes [aos representantes

232 AHMRE, 811 (42)(00) (83 a 87) (1947-67), DelBRASONUGenebra-MRE, Confidencial, “Relações político-comerciais Brasil-Hungria”, Genebra, 23 de outubro de 1953.

233 AHMRE, Telegramas (Expedidos), Organismos e Delegações (1953-55), caixa 469, MRE- DelBRASONUGenebra, Confidencial, “Relações com a Hungria”, Rio de Janeiro, 14 de outubro de 1953. 234 AHMRE, 811 (42)(00) (83 a 87) (1947-67), MRE-DelBRASONUGenebra, Confidencial, “Relações político-comerciais Brasil-Hungria”, Rio de Janeiro, 27 de outubro de 1953.

235 AHMRE, Telegramas (Expedidos), Organismos e Delegações (1953-55), caixa 469, MRE- DelBRASONUGenebra, Confidencial, “Relações com a Hungria”, Rio de Janeiro, 14 de outubro de 1953. 236 MALAN (2007, p. 93). O Brasil adotou um sistema de taxas múltiplas e leilões cambiais contemplados na instrução n. 70 da Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), de outubro de 1953. Esse sistema permaneceu, em linhas gerais, em operação até 1961, quando foi alterado pelo presidente Jânio Quadros. MALAN (2007, p. 94).

237 AHMRE, 811 (42)(00) (83 a 87) (1947-67), DelBRASONUGenebra-MRE, Confidencial, “Relações político-comerciais Brasil-Hungria”, Genebra, 30 de outubro de 1953.

húngaros] que o assunto será submetido ao governo brasileiro”238. Documento interno ao Itamaraty, datado de 1961, aponta que, nessa oportunidade, as relações não foram restabelecidas, pois “julgou-se [o governo brasileiro] que ainda não era chegado o momento oportuno para esse reatamento”239.

Ainda no final de 1953, no entanto, o Itamaraty tomou a iniciativa de checar com o governo norte-americano se a exportação de minério de ferro para a Polônia e Tchecoslováquia poderia ser enquadrada na Emenda Battle. Em mensagem ao embaixador do Brasil em Washington, o secretário-geral substituto, Vasco Leitão da Cunha, afirmava que o Itamaraty teve o “cuidado de verificar” se o produto “não estava incluído nas disposições da Lei Battle” e, além disso, já havia informado “oficiosamente” o assunto à embaixada dos Estados Unidos no Rio, sem que esta evidenciasse qualquer tipo de “oposição” à exportação do minério. Cunha dizia que era de “grande interesse” que o assunto fosse “esclarecido definitivamente”, a fim de que fosse garantido o cumprimento de contratos da Companhia Vale do Rio Doce, bem como de outros exportadores brasileiros. Mencionava também que a Grã-Bretanha “teria obtido exceção à Lei Battle”, e vinha negociando a venda de materiais estratégicos com países comunistas240.

Apesar dessa insegurança com relação à Tchecoslováquia, as perspectivas se mostravam animadoras. Em outubro de 1953, sua legação no Rio havia informado ao Itamaraty que o governo tcheco estava “disposto a fornecer ao Brasil material e equipamentos para a indústria do petróleo em todas as suas fases”241.

O timing da proposta era oportuno. No dia 3 de outubro de 1953, o presidente Vargas havia assinado o projeto para a criação da Petrobras após aproximadamente dois anos de tramitação no Congresso Nacional. A questão do petróleo ganhava espaço crescente do debate interno brasileiro desde o final da década de 1940, com discussões acaloradas envolvendo diversos setores da sociedade a respeito de qual seria uma política adequada para o setor242.

238 AHMRE, 811 (42)(00) (83 a 87) (1947-67), MRE-Viena, Confidencial, “Brasil-Hungria. Reatamento das relações diplomáticas”, Rio de Janeiro, 22 de janeiro de 1954.

239 AHMRE, 920.1 (42)(00) (1942-66), Informação da DPo, Confidencial, “Relações Brasil-Hungria”, Rio de Janeiro, 3 de fevereiro de 1961, p. 2.

240 AHMRE, Despachos, Embaixadas, Varsóvia a Washington (1947-71), caixa 223, MRE-Washington (Secretário Geral substituto ao embaixador em Washington), Confidencial, “Exportação de minério de ferro para a Polônia e para a Tchecoslováquia”, Rio de Janeiro, 14 de outubro de 1953, p. 1-2.

241 AHMRE, 811 (42)(00) (78 a 81b) (1947-67), Chefe do Departamento Econômico e Consular ao Presidente do Conselho Nacional do Petróleo, Confidencial, “Intercâmbio Brasil-Tchecoslováquia. Equipamentos para petróleo”, Rio de Janeiro, 13 de abril de 1954, p. 1.

O tópico do fornecimento de equipamentos para a indústria petrolífera pela Tchecoslováquia foi estudado pelo Ministério das Relações Exteriores, sendo julgado “interessante” do ponto de vista econômico; desde que fosse levado a cabo dentro dos convênios já existentes entre os dois países. Da perspectiva política, não havia nada a “objetar”, segundo o Itamaraty, já que se tratava de dois países que mantinham relações comerciais e diplomáticas plenamente regulares. Assim, em meados de abril de 1954, o chefe do Departamento Econômico solicitaria ao presidente do Conselho Nacional do Petróleo a elaboração de estudos técnicos e de viabilidade comercial em face da proposta tcheca243.

Pouco tempo depois da proposta original, ainda em novembro de 1953, uma missão econômica da Tchecoslováquia esteve em São Paulo. O chanceler enviou mensagens de agradecimento ao diretor do Serviço Social da Indústria de São Paulo (Sesi), e ao diretor do Departamento Regional do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) pelas “atenções dispensadas” aos visitantes244. Com a aprovação de novas listas de produtos a serem trocados entre Brasil e Tchecoslováquia no mês seguinte, o chefe do Departamento Econômico e Consular, Décio Moura, informou o presidente da Confederação Nacional da Indústria, Euvaldo Lodi, sobre novos limites, consequentemente, para a importação de equipamentos tchecoslovacos245.

O governo brasileiro se mostrava proativo em sua aproximação com os países do bloco soviético. Em dezembro, a Secretaria de Estado enviou mensagem à Delegação Permanente do Brasil em Genebra. Nela, solicitava que fosse feito “contato imediato” com uma missão comercial romena – que estava naquele momento em Genebra – e que chegaria a Buenos Aires no dia 23. O Itamaraty afirmava que estava pronto a receber os integrantes da comitiva em “caráter particular”, dizendo ainda que preferiria se avistar

243 AHMRE, 811 (42)(00) (78 a 81b) (1947-67), Chefe do Departamento Econômico e Consular ao Presidente do Conselho Nacional do Petróleo, Confidencial, “Intercâmbio Brasil-Tchecoslováquia. Equipamentos para petróleo”, Rio de Janeiro, 13 de abril de 1954, p. 1-2.

244 AHI, Associações Industriais, Cartas Expedidas (1953-58), Chefe do Departamento Econômico (em nome do ministro de Estado) e Consular ao Serviço Social da Indústria de São Paulo, “Visita de Missão Econômica da Tchecoslováquia”, Rio de Janeiro, 18 de novembro de 1953. Na mesma pasta, veja Chefe do Departamento Econômico (em nome do ministro de Estado) e Consular ao SENAI – Departamento Regional – 6ª Região, São Paulo, “Visita de Missão Econômica da Tchecoslováquia”, Rio de Janeiro, 18 de novembro de 1953.

245 AHI, Associações Industriais, Cartas Expedidas (1953-58), Chefe do Departamento Econômico e Consular ao presidente da CNI, “Ajuste Comercial Brasil-Tchecoslováquia”, Rio de Janeiro, 18 de dezembro de 1953.

com o grupo antes da ida deles à capital argentina. A Legação do Brasil em Berna concederia os vistos246.

É possível que a pressa do governo brasileiro estivesse relacionada com a busca imediata por petróleo e derivados na Romênia. Em 18 de novembro, o senhor W. Ernesto Simon havia submetido uma proposta de operação triangular, com a participação da Finlândia, ao diretor da Carteira de Câmbio do Banco do Brasil – ela seria remetida ao Itamaraty em seguida. De acordo com a oferta, o Brasil importaria, ao longo do ano de 1954 e no âmbito do convênio fino-brasileiro já existente, produtos e subprodutos petrolíferos romenos, totalizando US$14,4 milhões; e exportaria, no mesmo período, café e outras mercadorias (desde que o produto não fosse reexportado para a Suíça ou Estados Unidos). Décio Moura afirmava que o Itamaraty encarava com “simpatia” a possiblidade de incremento comercial, bem como a aquisição de “parcela substancial de produtos petrolíferos e derivados sem dispêndio de divisas fortes”. Ressaltava, porém, que era necessário conhecer mais informações sobre a proposta para que a chancelaria brasileira pudesse se posicionar a respeito247.

Segundo o ministro-conselheiro João Alberto, que se encontrava em Genebra, no entanto, a “premência de tempo para obter instruções de seu governo” impediu o chefe da missão romena de alterar o seu “programa de viagem”. Reiterava que a melhor maneira de conseguir algum contato, naquele momento, seria por meio de gestões do embaixador do Brasil em Buenos Aires248.

Digno de nota é que, no mesmo dia, foi enviada mensagem de advertência ao ministro-conselheiro João Alberto que também seria remetida à legação do Brasil em Varsóvia:

Reitero minhas instruções no sentido de não assumirem quaisquer compromissos, diretos ou indiretos, no sentido de novas relações com países satélites sem prévia iniciativa e autorização desta Secretaria de

246 AHMRE, Telegramas (Expedidos), Organismos e Delegações (1953-55), caixa 469, MRE- DelBRASONUGenebra, Confidencial, “Missão Econômica da Romênia”, Rio de Janeiro, 18 de dezembro de 1953.

247 AHMRE, 811 (42)(00) (78 a 81b) (1947-67), Chefe do Departamento Econômico e Consular (Décio de Moura) ao Diretor da Carteira de Câmbio do Banco do Brasil, Confidencial, “Operação triangular com a Finlândia e Romênia. Importação de petróleo romeno”, Rio de Janeiro, 17 de dezembro de 1953, p. 1-2. A primeira tentativa de aproximação romena no pós-guerra foi em 1947. A Embaixada da Romênia em Buenos Aires apresentou um aide-mémoire, em 19 de novembro de 1947, a diplomatas brasileiros, materializando o interesse romeno em se aproximar do Brasil após alguns contatos entre representantes dos dois países. Veja AHMRE, 920.1 (42)(00) (1942-66), Informação da Divisão Política, Confidencial, “Relações Brasil-Romênia”, Brasília, 3 de fevereiro de 1961.

248 AHMRE, Telegramas (Recebidos), ONU, Organismos e Delegações (1952-57), caixa 464, DelBRASOITGenebra-MRE, Confidencial, “Missão Econômica da Romênia”, Genebra, 22 de dezembro de 1953.

Estado. Com relação [à] Alemanha Oriental convém aguardar oportunidade e regular comunicação com esta Secretaria249.

Dizia ainda, na mesma mensagem, que essas instruções – vindas provavelmente do secretário-geral ou chanceler – coincidiam com as conversas mantidas com o próprio ministro João Alberto no Rio de Janeiro250. É possível que, nas conversações com o governo húngaro, o diplomata brasileiro tenha tomado alguma decisão sem consultar a chancelaria brasileira. Em relação à Alemanha Oriental, no dia seguinte, o presidente da Câmara de Comércio Exterior da RDA, Lessing, enviou carta para João Alberto manifestando o interesse do país socialista em reatar as relações comerciais com o Brasil e convidando o ministro-conselheiro para uma visita à Alemanha Oriental, onde seria recebido pelo ministro do Comércio Exterior251.