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Trocas nas missões parlamentares soviéticas e brasileiras

Capítulo 2 – Modernização, descolonização e efeito-demonstração (1953-1959)

2.4 Trocas nas missões parlamentares soviéticas e brasileiras

Entre as atribuições do Comitê Estatal para Relações Culturais (GKKS) estava a de organizar o intercâmbio de parlamentares com países do Terceiro Mundo. O aumento desse intercâmbio foi impressionante durante a segunda metade dos anos 1950. Segundo Rupprecht (2015), o trânsito de delegações parlamentares de países do Terceiro Mundo era praticamente semanal – incluindo países da América Latina370. A primeira visita de uma delegação parlamentar brasileira à União Soviética foi realizada em 1956. Nos anos seguintes, duas delegações de deputados federais, senadores e deputados estaduais brasileiros estiveram na URSS. Em 1958, a Conferência da União Interparlamentar seria realizada no Rio de Janeiro e atrairia delegações de diversos países. Veremos que o evento foi importante para aproximar politicamente Brasil e URSS, já que a superpotência socialista enviou a maior delegação ao evento e teve diversos encontros com políticos, empresários, autoridades e intelectuais brasileiros.

Rupprecht (2015), no entanto, afirma que essas visitas e convites não serviam para estabelecer relações culturais ou para algum tipo de preparação visando ao reestabelecimento de relações diplomáticas – como no caso brasileiro. Segundo o mesmo autor, elas serviriam para apresentar a URSS como um ‘ator estatal normal’ no quadro político internacional com um traço de solidariedade terceiro-mundista. Além disso, essas

369 AHMRE, 811 (42)(00) (74 a 77) (1953-67), MRE-Santiago, Confidencial, “Conversações com Delegado Comercial da União Soviética em Buenos Aires”. Rio de Janeiro, 23 de novembro de 1956.

atividades tinham o propósito de confirmar a própria autorrepresentação positiva que a URSS fazia dela mesma. Ainda de acordo com Rupprecht, essas trocas seriam utilizadas para autorrepresentação interna e externa da URSS371.

Veremos, entretanto, que no caso brasileiro essas trocas ensejaram um processo mais complexo. Elas foram parte importante para que a aproximação do Brasil com a União Soviética se desse também por fora do Itamaraty. Rupprecht assevera – ao traçar um paralelo entre a percepção de intelectuais e estudantes latino-americanos sobre a URSS – que as opiniões a respeito da União Soviética dependem não apenas da orientação político-ideológica do visitante, mas também da origem geográfica. Assim, a URSS parece ‘fundamentalmente diferente vista desde o Sul’, quando comparada vista do Ocidente372. Essa observação é válida, particularmente, ao analisarmos as reações dos parlamentares brasileiros ao visitarem a URSS.

Em junho de 1956, pela primeira vez, uma delegação de parlamentares brasileiros visitaria Moscou373. Ao chegar à URSS, quando perguntados pelo tradutor, ainda no aeroporto, sobre quem era o líder da delegação de nove parlamentares, a deputada Ivete Vargas afirmou: “Nós não temos um líder de delegação e por assim dizer, uma delegação. Nós somos um grupo de deputados, os quais por convite da União Soviética viemos de maneira particular”374. Além de Ivete Vargas (PTB-SP), a comitiva incluía Jerônimo Dix-Huit Rosado (PSD-RN), Eduardo Catalão (PTB-BA), Coaraci Gentil Nunes (PSD-AP), Licurgo Leite (UDN-MG), Rachid Saldanha Derzi (UDN-MT),

371 Ibid., p. 50.

372 Ibid., p. 184 e p. 228.

373 AHI, Conselho de Segurança Nacional, Ofícios Expedidos (1943-58), Chefe, substituto, da Divisão Política do MRE ao Chefe da Segunda Seção da Secretaria Geral do CSN, “Visita de Delegação parlamentar brasileira a Moscou”. Rio de Janeiro, 21 de julho de 1956. A mesma mensagem foi enviada ao Chefe de Gabinete do EMFA três dias depois. Veja AHI, Estado-Maior das Forças Armadas e ESG, Ofícios expedidos (1956-58), Chefe, substituto, da Divisão Política do MRE ao Chefe de Gabinete do EMFA, “Atividades comunistas”. Rio de Janeiro, 24 de julho de 1956. Sobre a passagem por Varsóvia veja AHI, Conselho de Segurança Nacional, Ofícios Expedidos (1943-58), Chefe, substituto, da Divisão Política do MRE ao Chefe da Segunda Seção da Secretaria Geral do CSN, “Visita de Delegação parlamentar brasileira à Polônia”. Rio de Janeiro, 14 de agosto de 1956. Anexos sobre essa viagem, infelizmente, não foram encontrados. No arquivo da Câmara dos Deputados foi achado apenas os nomes designados para integrar a comitiva de parlamentares que realizariam a viagem. Digno de nota é que, a princípio, a viagem estaria restrita à Tchecoslováquia, Polônia e Iugoslávia. Os governos desses países haviam feito um convite aos parlamentares brasileiros. A Câmara comunicou ao chanceler Macedo Soares sobre os nomes da comitiva, mas não mencionou a possibilidade da visita se estender a Moscou; como de fato aconteceu. Veja Arquivo Câmara dos Deputados, Câmara dos Deputados ao chanceler Macedo Soares. Rio de Janeiro, 2 de maio de 1956.

Estácio Souto Maior (PTB-PE), Getúlio Barbosa de Moura (PSD-RJ) e Newton Carneiro (UDN-PR)375.

Dessa forma, não era somente o caráter oficioso da visita que chamava a atenção de imediato. A composição da delegação também merecia destaque. Dos nove parlamentares, três eram do PTB, três do PSD e três da UDN. Deve-se sublinhar a disposição – e a aceitação – em convidar políticos identificados com o conservadorismo e, obviamente, com o anticomunismo da UDN. A representatividade por regiões do país também era diversificada: os Estados do Amapá (então Território), Rio Grande do Norte, Pernambuco, Bahia, Mato Grosso, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná estavam igualmente representados376.

No dia seguinte, a delegação foi recebida no Palácio do Kremlin pelo presidente do Soviete da União, A. P. Volkov, e pelo vice-presidente do Soviete das Nacionalidades, as duas câmaras do Soviete Supremo (Poder Legislativo da URSS). Aos visitantes foi proposto um plano de estadia na União Soviética que incluía estadas em Moscou, Leningrado, Stalingrado e Baku. Após esse encontro, a delegação foi recebida pelo presidente do Presidium do Soviete Supremo da República Socialista Federativa Soviética da Rússia (RSFSR), M. P. Tarassov, o qual contou brevemente aos visitantes sobre a economia e a formação estatal dessa república377.Tratou a chegada dos brasileiros como ‘um grande passo para frente’, visando a ‘maior familiarização entre os povos’ da URSS e do Brasil378.

O primeiro a se pronunciar do lado brasileiro foi o deputado Barbosa de Moura (PSD-RJ). Ele afirmou que “o principal objetivo” da viagem era ter “impressões objetivas” a respeito da URSS, de forma a deixar “de lado quaisquer preconceitos”. Olhando as perspectivas futuras, disse ainda que acreditava estar “certo” de que a visita traria “benefícios para ambos os países”379.

Seguiu-se uma conversa informal entre a comitiva brasileira e altos funcionários do Soviete Supremo da RSFSR a respeito de café brasileiro, comércio, mecanização agrícola e cultura algodoeira. Nesse ponto, o deputado Catalão (PTB-BA) demonstrou interesse em conhecer em que parte do país eram produzidas e aproveitadas as

375 GARF f. 7523, op. 107, d. 558, p. 39. O documento russo lista o deputado Dix-Huit Rosado como membro do Partido Republicano (PR). Seu verbete biográfico no sítio eletrônico do CPDOC-FGV indica que ela já havia saído do PR e havia sido eleito deputado federal em 1954 pela legenda do PSD.

376 GARF f. 7523, op. 107, d. 558, p. 39. 377 GARF f. 7523, op. 45, d. 232, p. 26. 378 GARF f. 7523, op. 107, d. 558, p. 36. 379 GARF f. 7523, op. 107, d. 558, p. 37-39.

colheitadeiras de algodão soviéticas. O ministro da Economia da RSFSR respondeu que os equipamentos trabalhavam nas repúblicas da Ásia Central, principalmente no Uzbequistão. Acrescentou que elas eram produzidas lá também, mas que havia exemplares em exposição em Moscou380.

Interessante notar que ainda no início da viagem, em Moscou, parlamentares brasileiros mencionaram a “necessidade de se instaurar relações diplomáticas e comerciais com a União Soviética”. Em seus pronunciamentos, Catalão, Gentil Nunes e Barbosa de Moura mostraram-se abertamente favoráveis a isso. Um deles prometeu se empenhar para que as relações diplomáticas fossem restauradas, mencionando inclusive que o presidente Kubitschek estaria convencido do “sentido positivo” do reatamento de relações diplomáticas com a União Soviética381.

Em Stalingrado, os brasileiros estiveram em uma fábrica de tratores, no local de construção da usina hidrelétrica da cidade e no canal Volga-Dom. A tecnologia para construção de tratores e o escopo das construções hídricas, bem como sua capacidade, impressionaram a comitiva. A delegação ficaria ainda mais surpresa ao saber que existiam fábricas na URSS capazes de produzir tratores em maior quantidade e mais potentes do que a de Stalingrado. Alguns brasileiros afirmaram que até a viagem à URSS tinham uma “impressão completamente diferente” do país, supondo que os soviéticos não dominassem esse tipo de tecnologia382.

A partir da chegada em Stalingrado, é interessante notar que os soviéticos perceberam uma melhora significativa no “estado de espírito da delegação”, além de “maior empatia e sentimento mais amigável para com a União Soviética”. No relatório sobre a estada da delegação na URSS é mencionado que, a essa altura, “praticamente todos os delegados expressaram a necessidade da imediata restauração das relações diplomáticas e desenvolvimento de laços culturais e econômicos”383.

Em seguida, a delegação foi a Baku. Na capital da República Socialista Soviética do Azerbaijão, os brasileiros foram recebidos no aeroporto pela cúpula do Soviete Supremo local. A comitiva parecia, de fato, impressionada pelo que via. Newton Carneiro (UDN-PR), por exemplo, afirmou que, ao chegar a Moscou, já no primeiro dia, tinha certeza que a capital soviética havia se tornado “uma das maiores cidades do mundo”.

380 GARF f. 7523, op. 107, d. 558, p. 40-43. 381 GARF f. 7523, op. 45, d. 232, p. 25. 382 GARF f. 7523, op. 45, d. 232, p. 33. 383 GARF f. 7523, op. 45, d. 232, p. 32.

Sobre o Azerbaijão, afirmou que a visita tinha “uma particular importância”, já que a exploração de jazidas de petróleo era uma “questão fundamental” para os brasileiros. Ao encontrar o presidente do Presidium do Soviete Supremo do Azerbaijão, pouco tempo depois, Barbosa de Moura (PSD-RJ) reafirmou a importância de conversas a respeito da experiência local com jazidas de petróleo. Destacou que no Brasil começavam a aparecer os “equipamentos de perfuração da indústria nacional”384. O tom do pronunciamento dele anteciparia uma questão doméstica importante ao Brasil e um tópico de frequentes especulações nas conversações entre Brasil e URSS nos anos subsequentes:

O Brasil tem os maiores depósitos de petróleo do mundo. Nós estamos tentando resolver a questão da operação de nossos campos de petróleo com nossos próprios meios. Nós sabemos que a União Soviética passou por este caminho. Nós, claro, precisaremos pedir ajuda de outros países, mas, esta ajuda deve se limitar a consultoria técnica. Uma viagem de um grupo de peritos e técnicos brasileiros à União Soviética, em particular, à Republica do Azerbaijão poderia, sem dúvidas, ter uma grande importância e trazer um grande benefício385.

Baku não estava no roteiro por acidente. Petróleo era um item essencial para o projeto de desenvolvimento econômico brasileiro. Em 1953, o então presidente Getulio Vargas (tio-avô de Ivete) havia fundado a Petrobras, a qual detinha o monopólio da extração do produto. O país, no entanto, não possuía técnicos e equipamentos especializados para desenvolver e sofisticar o setor. Segundo Moreli Rocha (2016), no biênio 1954-55, a Petrobras teve de contratar um “grande número de profissionais estrangeiros e especializados na prática da extração de petróleo” (MORELI ROCHA, 2016, p. 51-52)386.

Os membros da comitiva visitaram ainda a usina de beneficiamento de petróleo de Novobakinskii, onde se familiarizaram com o processo de produção de derivados do petróleo387. Em seguida, os visitantes estiveram em uma plataforma de prospecção marítima, com o objetivo de conhecer os métodos empregados no Azerbaijão para extração de petróleo do mar. Os brasileiros fizeram várias perguntas e, de acordo com os soviéticos, tiveram uma “excepcional boa impressão” a respeito da planta. Assim como a

384 GARF f. 7523, op. 107, d. 558, p. 66-67. 385 GARF f. 7523, op. 107, d. 558, p. 67.

386 Buscando diminuir a necessidade de importação de mão-de-obra especializada, o presidente Kubitschek criaria a Campanha Nacional de Formação de Geólogos (Cage) em 1957. Moreli Rocha (2016, p. 52). 387 GARF f. 7523, op. 107, d. 558, p. 68-69. Antes de deixar a URSS, Vargas ainda visitou o Comitê das Mulheres Soviéticas em Moscou. Lá, esteve com a diretora da entidade e fez diversas perguntas a respeito do funcionamento do mesmo e suas interações com outros organismos internacionais. Veja GARF f. 7523, op. 107, d. 558, p. 71.

fábrica de tratores, a delegação parecia não esperar ver plataformas “tão desenvolvidas” na URSS388.

Segundo o relatório da viagem, as impressões deixadas nos visitantes foram as “melhores”, pois imaginavam o Azerbaijão como uma “república distante e atrasada”389. De volta a Moscou, visitaram o metrô, o qual, segundo os próprios deputados, havia superado “todas as expectativas”, e o parque VDNKh. Viram o pavilhão de máquinas de construção e o pavilhão sobre uso pacífico da energia nuclear, onde fizeram declarações expressando seu “encantamento”390. No Kremlin, tiveram um encontro com membros da Comissão Permanente do Soviete Supremo da URSS. A comitiva fez uma série de perguntas a respeito de orçamento, educação, segurança social e sistema de saúde. Ao mesmo tempo, o deputado Saldanha Derzi (UDN-MT) visitava o Instituto de Oncologia. Lá, tratou de se informar sobre a estrutura do mesmo, novos métodos de profilaxia, tratamento de doentes, bem como sobre pesquisas científicas na área. Segundo os soviéticos, ele teve “boas impressões” e admirou-se com a quantidade e qualificação das mulheres que trabalhavam no instituto391.

Na segunda parte do dia, a delegação visitou o vice-presidente do Comitê Executivo do Conselho Municipal da cidade de Moscou, o qual apresentou à comitiva o trabalho do Conselho de Moscou e as construções na cidade. Enquanto isso, o deputado Newton Carneiro (UDN-PR) teve um encontro com o vice-ministro do Comércio Exterior. O brasileiro entregou-lhe uma carta com seis questões: 1) qual foi o consumo de café na URSS em 1955; 2) qual o principal fornecedor do produto ao país; 3) quais seriam “os níveis possíveis de uso de café na URSS” com a melhora das condições de importação e com preços melhores; 4) por meio de quais dados poder-se-ia estimar o intercâmbio comercial bilateral; 5) quais produtos brasileiros e em quais quantidades seriam atraentes para o mercado soviético; e 6) como o governo da URSS via a possibilidade de fechar um acordo de comércio e pagamentos entre o Brasil e países de seu bloco de influência com participação soviética392. Fica evidente aqui o interesse comercial do setor exportador de café brasileiro nas possibilidades de se estabelecer algum tipo de arranjo com a URSS.

388 GARF f. 7523, op. 107, d. 558, p. 69. 389 GARF f. 7523, op. 107, d. 558, p. 70. 390 GARF f. 7523, op. 107, d. 558, p. 70. 391 GARF f. 7523, op. 107, d. 558, p. 71. 392 GARF f. 7523, op. 107, d. 558, p. 71.

Em suma: os parlamentares brasileiros constataram, in loco, que a URSS poderia ser parte do projeto de desenvolvimento econômico do Brasil, suprindo as necessidades de diversificação de comércio exterior do país, importação de equipamentos e assistência técnica a setores-chave da economia nacional. A modernização comandada pelo Estado poderia ser o motor da aproximação entre os dois países, inclusive com o testemunho de políticos influentes anticomunistas pronunciando-se sobre os êxitos da URSS em diversos campos do conhecimento.

A impressão deixada nesses visitantes não deve ser menosprezada. Poucos meses depois, um diplomata brasileiro em Tel Aviv se encontrou com dois parlamentares uruguaios que estavam regressando de Moscou. O brasileiro afirmou em correspondência que ambos estavam “totalmente russificados” e alegaram que toda a delegação ficou favoravelmente impressionada com as condições existentes na URSS. Os políticos uruguaios acreditavam que a URSS iria se tornar inevitavelmente uma “potência benéfica aos dominados” pelos Estados Unidos. O senador Angel Maria ainda afirmou que a delegação brasileira que havia estado lá há pouco tempo também tivera “idêntica impressão”393.

Não por acaso, um estudo sobre a possibilidade de “infiltração parlamentar” como uma nova diretriz do PCUS, a fim de aumentar sua influência em outros países, foi remetido ao Itamaraty. O estudo afirmava que o governo norte-americano deveria se precaver da “ofensiva soviética” e da concorrência que a superpotência comunista poderia provocar não só no “oferecimento de capitais” para países menos desenvolvidos, mas no “intercâmbio comercial” e no “auxílio técnico”. Sobre esse último, asseverava que “a corrida por produção de sábios e técnicos, promovida pela URSS” estava, naquele momento, possibilitando a formação de especialistas “em número atualmente superior àquele de sábios e técnicos formados nas Escolas e Universidades dos Estados Unidos da América”394.

Com relação especificamente ao tópico da “infiltração parlamentar”, o estudo mencionava uma mudança ocorrida nas diretrizes do PCUS com relação à sua estratégia internacional. Khrushchev, em seu discurso no XX Congresso do PCUS, em fevereiro de

393 AHMRE, 430.1 (42)(00) (44 a 74) (1947-65), Tel Aviv-MRE, Confidencial, “Situação política”. Tel Aviv, 17 de outubro de 1956, p. 1-2.

394 AHMRE, 600.1 (00) (1946-54), Cidade do Panamá-MRE, Secreto, “Nova Etapa da Política Exterior dos Soviets (Propaganda e infiltração por intermédio dos parlamentos), 10 pp. No final do documento há a assinatura do Chefe de Departamento Político e Cultural, O. de Carvalho e Souza. Sem local ou data exata. Julho de 1956, p. 3.

1956, havia afirmado sobre a possibilidade de triunfo internacional do socialismo por “métodos parlamentares”, já que uma guerra não seria inevitável. A ideia de uma frente em que socialistas e trabalhistas tivessem de se integrar ao Partido Comunista local, “dirigido pelo Kremlin”, seria o ideário a seguir pela cúpula soviética395.

No Brasil, entretanto, esse quadro parecia distante da realidade, com o PCB oficialmente na ilegalidade e fraco eleitoralmente para disputar terreno com os três grandes partidos políticos de alcance nacional. Uma mudança do foco na atuação internacional soviética ajudaria a aproximar a superpotência comunista da América Latina nos anos subsequentes. Em março de 1957, o chefe da agência noticiosa Sovinformbjuro em Buenos Aires, Oleg Ignatiev, escreveu a seus superiores enumerando 40 sugestões para ‘fortalecer a propaganda soviética na América Latina’. Ignatiev demandava mais profissionalismo e eficiência, além de solicitar que ‘mais tecnologias modernas’ fossem utilizadas na difusão cultural internacional da URSS. Sublinhou que o foco não deveria ser em ‘assuntos políticos’, mas na geografia, cultura e literatura soviéticas. Prosseguia afirmando que a agência TASS falhara enormemente em transmitir ao mundo a ‘necessidade de invasão da Hungria’ no ano anterior, e deveria ser substituída por uma nova agência que tivesse apelo em ‘círculos progressistas’ não comunistas396.

Parlamentares do Partido Socialista Brasileiro (PSB) poderiam, por exemplo, ser alvos interessantes. Mediante convite do Grupo Parlamentar da URSS, os senadores Domingos Velasco (PSB-GO) e José da Costa Paranhos (PSB-GO) estiveram por três semanas, entre julho e agosto de 1957, em visita à União Soviética. O roteiro incluía Moscou, Leningrado, Stalingrado, Baku, Tbilisi, Sochi e Yalta397.

O relatório sobre a viagem deles, elaborado por três deputados do Soviete Supremo da URSS, trazia um breve perfil biográfico de ambos. Destacava que Velasco

395 Ibid., p. 6-7.

396 RUPPRECHT (2015, p. 24). Após ocupar esse posto em Buenos Aires, Ignatiev seria correspondente em Brasília no início dos anos 1960. Veja RUPPRECHT (2015, p. 99).

397 GARF f. 7523, op. 107, d. 667, p. 16. Também em 1957, um grupo de deputados estaduais de São Paulo e Pernambuco visitou a URSS. No GARF, entretanto, foi encontrado apenas um perfil biográfico dos deputados paulistas participantes dessa missão datado de agosto de 1957. Veja GARF f. 9518, op. 1, d. 339, p. 1-4. Outro documento afirma que, além dos representantes estaduais mencionados, deputados estaduais do Estado do Rio de Janeiro e deputados federais também integravam o grupo, composto por 49 membros. O Comitê Estatal para Laços Culturais com Países Estrangeiros afirmava, de acordo com a informações que tinha, que a comitiva brasileira tinha a ‘tarefa de conduzir uma sondagem sobre algumas questões econômicas e questões sobre o estabelecimento de relações diplomáticas entre a URSS e o Brasil’. A justificativa oficial para a viagem – aparentemente um pretexto destinado a aplacar alguma oposição doméstica – era que o grupo esteve em Moscou para o VI Festival Mundial da Juventude. O mesmo comitê ainda solicitava a colaboração de Oleg Ignatiev durante a estada do grupo de brasileiros na URSS. GARF f. 7523, op. 107, d. 667, p. 8-9.

era presidente do Grupo Parlamentar do Brasil na União Interparlamentar, além de vice- presidente do PSB e alguém “de grande influência nos círculos sociais e políticos” brasileiros. Do mesmo partido, Paranhos era senador pelo Estado de Goiás e neto do Barão de Rio Branco, patrono da diplomacia brasileira. Ambos haviam estado como observadores na reunião do Conselho Mundial da Paz, em Colombo, Ceilão (atual Sri Lanka), e em seguida realizaram uma viagem à República Popular da China398.

Velasco era portador de duas mensagens importantes. A primeira, dita aos seus interlocutores logo em sua chegada a Moscou, era que “o principal objetivo” de sua visita era estabelecer contato com a liderança do Grupo Parlamentar da URSS para convidá-los “pessoalmente” a participarem da 47ª Conferência da União Interparlamentar que ocorreria em julho do ano seguinte no Rio de Janeiro. De acordo com o senador, seria “excepcionalmente desejável” que a delegação soviética fosse “a maior possível” e pudesse utilizar a visita para “estabelecer contatos diretos”, tanto com representantes de “círculos oficiais” brasileiros, como do de “negócios, comerciais, industriais e sociais”, visando a melhorar a relação entre os dois países399.

A segunda era que na véspera de sua partida para Colombo, Ceilão (atual Sri Lanka), Velasco havia conversado com o presidente Kubitschek, com quem tinha uma “amizade de mais de vinte anos”. Segundo o senador, o presidente “concordou com seu plano de expandir contatos com outros países”400.