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O LIVRO DE EZEQUIEL

I – O LIVRO DE EZEQUIEL

O livro de Ezequiel é repleto de visões, algumas inclusive, muito complexas. A essas visões Ezequiel acrescentava atos simbólicos. De fato, não era algo incomum os profetas do Altíssimo ―atuarem‖ representando visivelmente a mensagem que transmitiam. Jeremias, por ordem divina, enterrou um cinto e depois o desenterrou e o utilizou perante o povo como símbolo visível da mensagem que pregava (cf. Jr 13). É bem provável também que ele tivesse usado, durante algum tempo, um jugo de madeira para falar do cativeiro babilônico. Depreendemos isso do texto de Jeremias 28 que afirma que o falso profeta Hananias “... tirou o jugo do pescoço do profeta Jeremias e o quebrou” (v. 10 na NVI), o que indica que Jeremias poderia estar usando aquele jugo em suas mensagens proféticas acerca do cativeiro. Isaías, igualmente, serviu como exemplo visível, ele mesmo, da mensagem que emitia. Em Isaías 20.3 lemos que Isaías andou três anos nu e descalço, a fim de indicar como seriam tratados os cativos do Egito e da Etiópia. Vejamos a seguir algumas das ações simbólicas (algumas, um tanto estranhas) usadas pelo profeta Ezequiel, que, como nenhum outro, fez uso deste recurso didático:

1. O Senhor ordenou que ele se trancasse em casa e fez com que ele ficasse mudo, indicando com isso que no

tempo oportuno, quando o Senhor lhe falasse, ele teria condições de anunciar ao povo a Palavra de Deus (cf. 3.26,27).

2. Usando um tijolo, conforme a ordem do Senhor, Ezequiel encena o cerco de Jerusalém e a chegada da fome, em decorrência do cerco (4, 5.7-17).

3. Come alimentos cozidos sobre esterco de gado a fim de ilustrar o que haveria de acontecer com os israelitas (4.9-17).

4. Usando bagagens, Ezequiel encena a queda de Jerusalém e chega a fazer um furo no muro da cidade. O Senhor lhe disse: “... eu fiz de você um sinal para a nação de Israel” (12.6 – cf. todo o cap. 12).

5. A morte da esposa de Ezequiel é usada como um sinal para Israel. Ele é proibido por Deus de pranteá-la! (24.15-27).

Ellisen comenta que

Essas representações pictóricas anunciam e explicam os julgamentos do Senhor sobre Israel e as nações, através da Babilônia, e a futura restauração de Israel quando os destruidores forem aniquilados. As figuras não são misteriosas, mas estão explicadas nos contextos. João tomou muitas delas emprestadas ao escrever o Apocalipse50.

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ELLISEN, Stanley A. Conheça Melhor o Antigo Testamento. ed. Vida, 8ª imp., 2000, p. 252.

O profeta

O profeta Ezequiel juntamente com Daniel é um dos profetas que atuaram no cativeiro. Enquanto Jeremias profetizou na cidade de Jerusalém, Ezequiel profetiza entre os exilados na Babilônia. Seu nome significa ―fortalecido por Deus‖. Ele foi levado para a Babilônia na segunda leva de cativos, junto com o rei Joaquim, nove anos depois que Daniel já se encontrava lá. Seu ministério não teve uma extensão tão grande comparado aos ministérios de Isaías e Jeremias. Ele profetizou por 20 anos aproximadamente. O conteúdo literário de seu livro, no entanto, está entre os maiores dos livros proféticos. O chamado de Ezequiel veio a ele em 593 a.C, o quinto ano do reinado de Joaquim. A última data dada por oráculo (29.17) é, provavelmente, 571 a.C. Presume-se que ―o trigésimo ano‖ citado em 1.1 é a idade dele quando recebe a primeira visão, justamente a idade em que os levitas começam o serviço sagrado conforme Números 4.3 (interessante notar que tanto Jesus como João Batista iniciam seus ministérios aos 30 anos de idade!)51.

O nome ―Ezequiel‖ aparece apenas duas vezes no Livro em apreço (1.3; 24.24) e em nenhum outro lugar do Antigo Testamento52. ―Ezequiel‖ significa no hebraico ( לאקזחי -

Y ̂echezqe’l ) ―Deus fortalece‖, ―Deus fortalecerá‖ ou ―Deus

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Os estudiosos pontuam, contudo, que existe a possibilidade de que “o trigésimo ano” possa ser uma referência ao calendário babilônico, nesse caso indicando já o trigésimo ano de Nabopolassar, pai de Nabucodonosor, tempo esse contado a partir da conquista da independência da Babilônia em relação à Assíria em 625 a.C.

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Isso nas versões em português que foram consultadas (ARA, ARC e NVI). Mas no hebraico, o nome aparece também em 1 Crônicas 24.16 como “Jeezquel”.

prevalecerá‖, um nome apropriado, já que Ezequiel enfrentou duras consequências em função de ser um porta-voz do Senhor. Ezequiel era membro de um família sacerdotal associada ao templo em Jerusalém. Seu pai chamava-se Buzi, como lemos em 1.3. No exílio, estabelece-se às margens do Quebar, um rio ou canal na Babilônia. Ezequiel se refere ao cativeiro como o ―nosso exílio‖ (33.21 e 40.1). Teve uma esposa e uma casa, como vemos em 24.15-18 e 8.1.

Ezequiel é descrito como o Filho do homem 87 vezes em toda a extensão do livro. Essa expressão hebraica indica que alguém pertence ao gênero humano e indica a pequenez humana, sua posição humilde face à majestade de Deus. Interessante notar que essa expressão – ―Filho do homem‖ – foi usada também no livro de Daniel e no Novo Testamento, mas com um novo significado53. Ocorre duas vezes em Daniel (7.13 e 8.17) e cerca de 70 vezes nos quatro livros do evangelho54: 30 vezes em Mateus, 5 em Marcos, 25 em Lucas e 10 em João. Sobre a relação dessa expressão com a Pessoa de Cristo e o uso que Ele próprio fez dela, conclui-se duas coisas:

1. Cristo estava identificando-se como homem no sentido típico da palavra, realçando sua humanidade. A expressão ―filho de...‖ ao longo das Escrituras sempre indica isso.

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Sociedade Bíblica do Brasil: Bíblia De Estudo Almeida Revista E Atualizada. Sociedade Bíblica do Brasil, 1999; 2005

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Sobre o uso da construção frasal “quatro livros do evangelho” ao invés de “quatro evangelhos”, ver Apêndice 1 ao final deste livro.

2. Cristo estava identificando a si mesmo como o Messias profetizado, já que esta expressão, como aparece em Daniel 7.13,14, foi usada como um dos nomes do Messias vindouro.

Você Sabia?

Dado o teor estranho de algumas das visões e encenações proféticas que Ezequiel realizou, alguns levantaram a hipótese de que ele sofria de um distúrbio mental, e até mesmo de uma forma de catalepsia, uma enfermidade em que a pessoa que é acometida por ela fica na mesma posição em que é colocado. ―Catalepsia‖ é um termo geral para posição imóvel constantemente mantida. Todavia, essa conjectura ignora a natureza, a origem das visões e experiências espirituais do profeta Ezequiel. Considerando as pressões psicológicas que sofreu, em face do sofrimento que enfrentou (como a perda da própria esposa), foi um homem muito equilibrado mentalmente, por mais estranhas que pudessem parecer as encenações que ele realizava para comunicar ao povo a Palavra de Deus.

A autoria do Livro de Ezequiel

A escola judaica de Shammai considerava o livro uma obra apócrifa por acreditar que havia nele contradições com a lei mosaica. Até a década de 1920 a unidade autoral desse livro não havia sido seriamente questionada. Uma conclusão que não recebeu amplo apoio foi a de Gustavo Hoelscher que considerava, dos 1.273 versículos que compõem o livro, apenas 170 que seriam de fato oriundos do próprio Ezequiel.

Um autor moderno chegou a afirmar que o livro é uma obra pseudepígrafa55 do terceiro século. A partir de 1924 várias datas foram cogitadas para o livro, situando-o entre os séculos VII e III a.C, de 691 a 230 a.C. Todavia, a maioria dos eruditos crê que o livro é obra de Ezequiel, o profeta, admitindo pequenas adições posteriores e escrito a partir de 593 a.C, i.e., no sexto século. O livro apresenta uma sequência cronológica bem definida, como veremos a seguir, o que pode ser um indício de sua unidade autoral. Há também unidade de pensamento em suas construções frasais e expressões pouco corriqueiras em outros livros do Antigo Testamento que ocorrem em todo o livro de Ezequiel, como ―filho do homem‖ (87 vezes) e ―seres viventes‖ (nos caps. 1, 3 e 10) e a comparação do profeta a um atalaia, em 3.17 e 33.7. É interessante também notar que o refrão ―para que saibais que eu sou o Senhor‖ ocorre mais de 60 vezes em Ezequiel.

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Uma obra “pseudepígrafa” corresponde a livros não-bíblicos rejeitados por todos os estudiosos e que foram intitulados "pseudepígrafos" (falsos escritos).

Diferentemente de Jeremias, Ezequiel apresenta uma sequência cronológica bem definida, tendo como evento principal a destruição de Jerusalém, e a contagem inicia-se a partir da data do cativeiro do rei Joaquim, em 597 a.C., como se segue:

Cronologia das Profecias de Ezequiel