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3 A FAMÍLIA

3.1.3 IDADE DOS IRMÃOS E RELAÇÕES FRATERNAS

Os sentidos do fraterno dependem da relação que os irmãos mantêm entre si, mediada pela idade cronológica. A diferença de idade entre os irmãos faz com que, muitas vezes, ocorram questões relacionadas a poder, controle e rivalidade, o que pode gerar discórdia entre as crianças (HOWE, RECCHIA, 2006). Para Lacan, segundo Kehl (2000), quando o nascimento de um irmão ocorre em uma fase inicial do desenvolvimento da criança (por exemplo, quando ela ainda está na fase de amamentação), é possível que os sentimentos sejam de destruição imaginária do outro; porém, se esse nascimento se der mais tardiamente, menor será o impacto da destronação, visto que o desenvolvimento social e cognitivo da criança frequentemente permite que ele aceite melhor a perda do lugar de filho único e mobilize sentimentos de ternura e proteção.

Embora as relações fraternas na infância sejam, do ponto de vista do desenvolvimento infantil, intensas, duráveis e inevitáveis, a rivalidade entre os irmãos é mais acentuada quando as idades são bastante próximas. A proximidade de idade traz maior intimidade, mas estabelece uma relação menos harmoniosa, revelados através de sentimentos de raiva, destruição, regressão no mais velho, por sentir que seu lugar está sendo tomado. Tal fato, segundo Fernandes (2002), exacerba-se quando há proximidade de idade com o mesmo gênero. Quando as idades são distantes, o bebê pode ser “adotado” pelo irmão mais velho, o qual irá se posicionar mais como cuidador e figura substituta dos pais, e isso gera sentimentos de ternura e proteção, independentemente do gênero (DIAS; FONSECA, 2013)

Quanto maior a diferença de idade, mais próxima e afetuosa é a relação; menos conflituosa, com menos brigas, menor antagonismo e competição, pois as rivalidades e conflitos estão minimizados. Há também maior intimidade e afeição com irmãs mais velhas do que com irmãos mais velhos ou irmãos mais jovens de ambos os gêneros.

Exceção se dá quando a diferença de idade entre os irmãos ultrapassa uma geração, neste caso faltará uma história de vida em comum, com acontecimentos vividos e compartilhados - estes precursores dos vínculos fraternos (MUNIZ; FÉRES-CARNEIRO, 2012. GOLDSMID; FÉRES-FÉRES-CARNEIRO, 2007; BUHRMESTER; FURMAN, 1990).

O estudo de Toman (1976) citado por Meynckens-Fourez (2000) constatou que, quando a diferença entre irmãos é de dois anos, a rivalidade atinge o nível máximo; se a diferença de idade for menor que dois anos eles estarão mais ligados, apesar dos conflitos. Quando a diferença de idade é de três a quatro anos, o mais velho se sente ameaçado em seu poder e controle, e, se a diferença é de quatro a cinco anos o mais velho aprende a negociar com a criança do mesmo gênero e a ser afetuoso com a criança do gênero oposto. Entretanto, quando entre irmãos há uma grande diferença de idade, o mais velho pode apresentar-se como um substituto parental (GOLDSMID; FÉRES-CARNEIRO, 2011). Se o irmão do meio, porém, for 06 anos distanciado dos seus irmãos, terá características do filho único (FERNANDES, 2002). Resultado oposto foi encontrado em um estudo desenvolvido nos Estados Unidos por Stach (2007) com irmãs, onde foi verificado que a idade não foi o que mais influenciou como fator de proximidade, e sim o fato de que compartilharem interesses semelhantes.

Quando a fratria é gemelar, os irmãos mantêm uma ligação muito forte entre si, o que pode ser explicado pelo fato de nascerem de uma mesma gestação e possuírem a mesma carga genética. Ocorre um grau maior de identificação em relação às necessidades do outro. Quando pequenos, vivem no mesmo ambiente, frequentam a mesma escola, compartilham os mesmos amigos; usam um ao outro como figuras de apego e segurança, protegendo-se mutuamente e dando apoio diante de situações novas. Para Dias e Fonseca (2013), o desafio do gêmeo é se reconhecer diferente na intimidade do idêntico, sendo importante que os pais estimulem a diferença entre os filhos, pois a homogeneização suprime a individualidade.

A adolescência se constitui no período transicional das relações e dinâmicas familiares. Observa-se, neste período, uma transição crítica no desenvolvimento,

sendo esta fase reconhecida como de grandes mudanças físicas, emocionais, comportamentais e relacionais. Se, por um lado, neste período o adolescente luta para deixar de ser criança, por meio da busca de outros referenciais, no intuito de construir sua identidade e se afirmar fora da família, por outro, ainda quer proteção, carinho e todas as vantagens do ser criança. O futuro passa a ocupar um lugar mais importante e se começa a pensar sobre o que se deseja ser; o projeto de vida e a escolha da profissão se tornam o centro dos interesses (WEISHEIMER, 2013; LITO, 2012; GOLDSMID; FÉRES-CARNEIRO, 2007; SARTI, 2004b; SARTI, 1999).

É na adolescência que ocorrem grandes formações fraternas, seja por laços de sangue ou amizade, em que ele está inserido em grupos, gangues, saindo da relação vertical predominante na infância para uma relação predominantemente horizontal. Embora o relacionamento entre irmãos na adolescência se torne mais igualitário e menos assimétrico, ele também se converte em algo menos intenso. Adolescentes gastam menos tempo na companhia dos irmãos, na tentativa de desenvolver alguma autonomia (BUHRMESTER; FURMAN, 1990). Importa, para os adolescentes, a avaliação feita pelos seus pares e é considerada um fator de risco social quando estes o isolam ou rejeitam. Tal comportamento influencia o desenvolvimento das competências sociais do adolescente. As relações fraternas alicerçam o adolescente para sair da total proteção da família e iniciar seu crescimento no sentido de assumir papéis e responsabilidades típicas do adulto (SCABINI; RANIERI, 2011; MARTINS, 2011; GOLDSMID; FÉRES-CARNEIRO, 2007; KEHL, 2004). Embora o adolescente desfrute, neste período de pós-modernidade, de todas as liberdades da vida adulta, é poupado de quase todas as responsabilidades desta mesma vida.

Na adolescência, o grupo funciona como suporte emocional e social, já que o mesmo oferece oportunidades ímpares para o adolescente desenvolver suas competências sociais e cognitivas, além de garantir seus traços identitários. Porém, o que se observa é que na adolescência a ambivalência caracteriza esta relação - com variações entre hostilidade e ternura, com cada um buscando sua própria identidade. Ao mesmo tempo em que o adolescente necessita do outro, ele afasta-se desse outro. Ao estabelecerem laços de cumplicidade, os adolescentes experimentam atos transgressivos (LITO, 2012; GOLDSMID; FÉRES-CARNEIRO, 2011; KEHL, 2004;

KEHL, 2000). Segundo Braconnier e Marcelli (2000), citado por Lito (2012, p. 44), “[...] quer os adolescentes sejam de ontem ou de hoje, de dentro ou de fora, ricos ou pobres, uma constante caracteriza este percurso entre a infância e o acesso ao estatuto adulto: o lugar dos colegas e a relação com os pares”.

Com o passar dos primeiros anos, a tendência é que os irmãos passem mais tempo juntos. Esse relacionamento mais intenso reforça o companheirismo; porém, quando adultos, geralmente ocorre um distanciamento entre eles devido ao fato de seguirem caminhos profissionais diferentes, de fundarem seu próprio núcleo familiar e estabelecerem uma nova rede de apoio, agora na condição de tios (MOLON, SMEHA, 2006). Porém, os irmãos, ao se relacionarem, o fazem de uma forma mais igualitária. Tal fato decorre do desenvolvimento cognitivo e social estar nesta fase mais

apropriado gerando mecanismos de coping mais adequados. A tendência entre

irmãos na idade adulta é de suporte social e psicológico, muito mais do que de apoio instrumental; esse apoio só ocorre em caso de crise ou enfermidade (NANDWANA, KATOCH, 2009).

Em relação à idade dos irmãos com desenvolvimento típico, há um suprimento da demanda de ajuda maior quanto menor for a idade destes - diferentemente do que ocorre com o irmão com deficiência, onde o cuidado pode ser permanente e na mesma intensidade, e quanto mais ele assume esse cuidado, menor é sua participação nas atividades comunitárias, o que pode aumentar o conflito com o irmão com deficiência (NUNES; AIELLO, 2008). Em um estudo realizado por Pinto (1991), que investigou irmãos de crianças com deficiência - entre elas, a Paralisia Cerebral -, moradores das cidades de Porto, Lisboa e Faro, em Portugal, e citado no estudo de França (2000), o autor sugere que crescer em uma família onde haja uma criança com deficiência pode ser uma oportunidade para aprender e desenvolver atitudes sociais positivas nos irmãos, especialmente as que se referem ao empenho em problemas e questões sociais. Em outro estudo realizado por Kliewer (1991) conforme Cecconello; Koller (2000) sobre competência social em crianças observou-se que crianças mais jovens possuem menos estratégias para lidar com situações adversas do que adolescentes e adultos, pelo fato de ainda estarem desenvolvendo suas habilidades cognitivas. No caso do irmão da pessoa com deficiência física por Paralisia cerebral, objeto do nosso

estudo, muito frequentemente o irmão com desenvolvimento típico vivencia o estresse do nascimento e/ou do cuidado do seu irmão com deficiência ainda enquanto criança, fazendo com que ele tenha maior dificuldade nas estratégias de enfrentamento (CECCONELLO; KOLLER, 2000; MEYNCKENS-FOUREZ, 2000).