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3 A FAMÍLIA

3.1.2 POSIÇÃO NA PROLE E RELAÇÕES FRATERNAS

15Coping é uma terminologia usada aqui para caracterizar as estratégias utilizadas pelas pessoas para se adaptarem e enfrentarem circunstâncias adversas ou estressantes (ANTONOAZZI; DELL’AGLIO; BANDEIRA, 1998).

Cada irmão que nasce modifica a distribuição de papéis na família; o número de relações aumenta, com possibilidades de novas coligações, reavivando rivalidades, experimentando relações de poder, de liderança e conflito, objetivando conquistar e preservar seu espaço dentro do grupo familiar, garantindo sua individualidade. Entre outras variáveis, como gênero e idade, a posição na prole influencia a personalidade da pessoa, pois determinam vivências únicas. A posição fraterna também pode ser modificada por doenças crônicas, deficiências, morte de um irmão, e estas perdas são sentidas com maior intensidade quando acontecem nos primeiros anos de vida (GOLDSMID; FÉRES-CARNEIRO, 2007; MOLON; SMEHA, 2006; FERNANDES, 2002).

Para Fernandes (2002, p.260),

A posição fraternal é uma determinante básica da personalidade individual e das relações entre todos os membros da família – porque o lugar único que cada um ocupa na fratria obriga ao desempenho de um papel, igualmente único, o que implica que cada um estabeleça, com os restantes membros, relações originais (por exemplo, de maior ou menor dependência, de maior ou menor responsabilidade, etc.) que servirão de base às nossas relações futuras em contextos extrafamiliares.

Fernandes (2002), em seu livro intitulado “Semelhanças e diferenças entre irmãos” concluiu que a posição fraternal pode influenciar a escolha profissional, Este autor encontrou evidências de que mulheres mais velhas que suas irmãs tendiam para áreas de economia e gestão, enquanto mulheres mais velhas que seus irmãos escolhiam cursos ligados à área de ciências humanas, sociais e formação de professores. As irmãs do meio se encontram na maioria na área de desporto, arquitetura e artes.

Os fatores étnico-culturais desempenhem um papel na formação do relacionamento entre irmãos, visto que pessoas de diferentes origens culturais e diferentes etnias carregam consigo valores que podem divergir dos efeitos que a posição na prole acarreta (KIM, 2012; FERNANDES, 2002). Entretanto, outros fatores também influenciam o desenvolvimento da pessoa, como a expectativa dos pais em relação a ela, o modo como esta recebe a herança psíquica familiar, e a presença de outras

pessoas da família estendida tais como: avós, tios e primos (GOLDSMID; FÉRES-CARNEIRO, 2007; MOLON, SMEHA, 2006).

O recém-nascido primogênito garante, mesmo sem sabê-lo, a nova estrutura familiar; com o seu nascimento os pais aprendem por meio de tentativa e erro a viver as relações parentais. Primogênitos ocupam uma única posição e são apenas uma

criança por um tempo, em seguida, passam por uma destronação16 traumática quando

um irmão mais novo nasce, o que marca profundamente seu desenvolvimento. O primogênito será mais sensível às delegações de poder, ao recebimento de legados afetivos e à transmissão de normas e valores familiares, algumas vezes torna-se “vítima” desses ideais familiares. Em geral ele é modelo para o mais novo, e quanto maior a diferença de idade, maior a idealização (DIAS; FONSÊCA, 2013). Geralmente é mais ligado aos pais que os outros irmãos e assume uma posição de maior responsabilidade, cuidador e protetor. Com frequência aparece como figura substitutiva de apego, quando a principal não está disponível, além de, na via adulta, optarem por profissões de natureza caritativa (KIM, 2012; GOLDSMID; FÉRES-CARNEIRO, 2007, 2011; FERNANDES, 2002; MEYNCKENS-FOUREZ, 2000; FERNANDES; ALARCÃO; RAPOSO, 2007).

Pode-se tornar obediente, altruísta, conservador ou autoritário, com sentimentos de superioridade intensificado, ansioso, altamente crítico e disciplinador. Segundo Adler (1930-1975) citado por Fernandes (2002), a competitividade e o conservadorismo comuns no primogênito decorrem da destronação. Também é descrito como extrovertido, franco e generoso. O irmão mais velho adota em relação à fratria atitudes e comportamentos que ele reproduzirá no futuro, o que faz transparecer o lugar que ele terá na sociedade e na própria família (DIAS; FONSÊCA, 2013; FERNANDES, 2002).

Os primogênitos durante boa parte da infância são maiores, mais fortes que seus irmãos. Segundo Kim (2012), primogênitos são sempre mais propensos a sentirem-se responsáveis pelo cuidado com o irmão, e essa responsabilidade é atribuída a eles

16 Expressão usada por Adler, caracterizando a mudança da situação de filho único para primogênito (FERNANDES, 2002).

de forma voluntária ou involuntária pelos pais. Os pais, ao atribuírem aos primogênitos responsabilidades, podem levá-los a uma maturidade precoce que por sua vez fará com que sintam que estão renunciando à infância, ou podem provocar neles ansiedade e sentimentos de inadequação e insuficiência (KIM, 2012; GOLDSMID; FÉRES-CARNEIRO, 2007, 2011; FERNANDES, 2002; MEYNCKENS-FOUREZ, 2000; FERNANDES; ALARCÃO; RAPOSO, 2007).

A diferença entre o primogênito e seus irmãos gera rivalidades e ressentimentos recíprocos. A destronação altera drasticamente a situação e visão da criança. Para Adler, se, quando nasce um irmão, os filhos primogênitos têm a idade de três anos ou mais, estes incorporam o destronamento em um estilo de vida previamente estabelecido (FEIST; FEIST; ROBERTS, 2015). Se eles já desenvolveram um estilo de vida egoísta provavelmente vão sentir hostilidade e ressentimento para com o novo bebê; mas se eles incorporaram um estilo de vida colaborativo, acabarão por adotar essa mesma atitude para com o novo irmão. Se os filhos primogênitos têm menos de três anos de idade, quando nasce o irmão, sua hostilidade e ressentimento será em grande parte inconsciente, o que faz com que essas atitudes sejam mais resistentes à mudança na vida adulta (FEIST; FEIST; ROBERTS, 2015; FERNANDES; ALARCÃO; RAPOSO, 2007; GOLDSMID; FÉRES-CARNEIRO, 2007, 2011; MEYNCKENS-FOUREZ, 2000).

O segundo filho desloca o primogênito do lugar privilegiado que ocupava em relação principalmente aos pais: ele terá mais facilidade para escolher com quem deseja identificar-se, se com seus pais ou com o irmão mais velho. Pode se tornar competitivo e desejar alcançar o irmão mais velho, o que pode culminar com rivalidade ou imitação ou num desejo saudável de ultrapassar o rival mais velho.

Frequentemente pouco respeitador de regras, tem um caráter pouco convencional e criativo. Se algum sucesso é alcançado, a criança é susceptível de desenvolver uma atitude revolucionária e sentir que a autoridade pode ser contestada. Quando da sua chegada, delineia-se mais claramente as relações parentais e fraternas. O segundo filho, em geral, é mais sociável, cooperativo, mais independente emocionalmente; porém, evidencia-se sua necessidade de afeto e atenção quando nasce outro irmão.

Neste momento, o segundo filho muda de posição e passa a ser o filho do meio. De acordo com Adler, crianças segundo-filho começam a vida em uma melhor situação para o desenvolvimento de cooperação e de interesse social (FEIST; FEIST; ROBERTS, 2015). Até certo ponto, a personalidade das crianças segundo-filho é moldada por sua percepção das atitudes do filho mais velho em relação a eles. Se essa atitude é de extrema hostilidade e vingança, o segundo filho pode se tornar altamente competitivo ou excessivamente desanimado (FEIST; FEIST; ROBERTS, 2015; FERNANDES; ALARCÃO; RAPOSO, 2007GOLDSMID; FÉRES-CARNEIRO, 2007, 2011; FERNANDES, 2002; MEYNCKENS-FOUREZ, 2000).

Com o nascimento de outros filhos, estes fenômenos são acentuados, sendo que o filho “do meio” tem sua posição menos definida, e este pode sentir-se frustrado, por não ser o primogênito (o que manda), nem o caçula (o mimado). Ele será sempre citado como “o mais novo que...” ou “o mais velho que...” . Seu objetivo, portanto, será conquistar seu lugar na família e, para isto, é necessário que ele se diferencie do restante dos irmãos. Na busca pela sua identidade, ele pode se identificar com um dos irmãos e se afastar do outro. Se este irmão perceber-se “à parte” desta família, sem saber como atrair a atenção sobre si, pode tornar-se frustrado, amargo e solitário, desenvolver baixa autoestima, e sentir-se inferiorizado. Por outro lado, o filho do meio sofre menor pressão dos pais, que estão mobilizados em direção ao êxito do primogênito e à proteção ao caçula. Esta criança, por estar sempre entre dois, pode exercer múltiplos papéis e se tornar mais versátil, sociável, competitiva e uma grande negociadora (FEIST; FEIST; ROBERTS, 2015; FERNANDES, 2002; MEYNCKENS-FOUREZ, 2000).

O filho mais novo, por sua vez, tem uma posição bem definida na fratria e esta nunca muda. Ele pode permanecer mais tempo como “o bebê”. Mais amáveis, são frequentemente mimados pelos pais que reforçam a imagem da criança carente e frágil. Entretanto, podem não ser ouvidos nem levados a sério; seus pais podem ter menores expectativas em relação a eles. Embora sejam menos convencionais, mais criativos, simpáticos, sociáveis, e menos exigentes e ciumentos, eles são susceptíveis a ter um forte sentimento de inferioridade e carecem de um senso de independência.

Por outro lado, há também o desejo de se sobressair, eles são muitas vezes altamente motivados para exceder os irmãos mais velhos e para se tornar o corredor mais rápido, o melhor músico, o atleta mais habilidoso, ou o mais ambicioso estudante (FEIST; FEIST; ROBERTS, 2015; FERNANDES, 2002).

Segundo Meynckens-Fourez (2000, p.24), “o primogênito abre as portas, o caçula as fecha”. O primogênito pode direcionar o mais novo para o mundo enquanto que o caçula pode ter um maior sentimento de lealdade para com a sua família. Principalmente no momento de separações, estes tendem a respeitar os mais velhos e, ao identificar-se com eles, sentem-se mais “adultos”. Para Goldsmid e Féres-Carneiro (2007, p. 300), “a fratria é o lugar da competição: enquanto os menores querem igualar e superar os mais velhos, estes querem conservar sua superioridade”. Para estes autores, a rivalidade entre os irmãos é mais acentuada no primogênito (GOLDSMID; FÉRES-CARNEIRO, 2007, 2011; MEYNCKENS-FOUREZ, 2000; FERNANDES; ALARCÃO; RAPOSO, 2007; MOLON; SMEHA, 2006).

A redução observada nas fratrias contribuiu para aumentar a intensidade das relações entre os irmãos, tornando-se ainda maior em situações de crise ou estresse como quando há a presença de um irmão com deficiência física. Nesta situação, as relações fraternas podem se estabelecer como um pilar de sustentação e equilíbrio, mas também pode haver ressentimentos no irmão mais velho por muitas vezes ser o escolhido para auxiliar no cuidado com o irmão, para executar tarefas que exigem responsabilidade, como auxiliar na higiene, alimentação, administrar medicamentos ou por achar que os seus sucessos não são valorizados - enquanto qualquer conquista o irmão, mesmo pequena é hipervalorizada (GOLDSMID; FÉRES-CARNEIRO, 2011; FERNANDES; ALARCÃO; RAPOSO, 2007; CAVICCHIOLI, 2005; MEYNCKENS-FOUREZ, 2000; FRANÇA, 2000).

Também pode ser observado no irmão mais novo ressentimentos por se exigir dele comportamentos de irmão mais velho, no que diz respeito ao cuidado e à maturidade. Tal fato pode ser impeditivo no desenvolvimento da autoestima destes irmãos. Um irmão poderá sentir ciúme do outro, uma vez que este é seu rival no amor dos pais; porém ele também o ama e daí podem surgir conflitos que darão origem a sentimentos

de culpa e, novamente, ao desejo de ser bom e responder às demandas do cuidar. Esta mistura de sentimentos poderá trazer consequências na relação fraterna e nas relações sociais, pois esta última, em geral, torna-se reflexo das relações estabelecidas em família. Observa-se que nas fratrias de dois é mais comum e maior a rivalidade entre irmãos, pois falta um terceiro membro que favoreça a aliança em torno da tríade, para atenuar a tensão presente entre a díade. Essa tensão pode ser justificada pelo sentimento que há no primogênito de que o irmão veio usurpar, invadir seu espaço, desarmonizar a família. (GOLDSMID; FÉRES-CARNEIRO, 2011; FERNANDES; ALARCÃO; RAPOSO, 2007; CAVICCHIOLI, 2005; MEYNCKENS-FOUREZ, 2000; FRANÇA, 2000).

Segundo Fernandes, Alarcão e Raposo (2007, p. 303): “[...] parece inequívoco que o

lugar único que cada um de nós ocupa na família determina experiências igualmente

únicas que originam vias diferenciadas na construção da personalidade de cada um de seus membros.”

Nas crianças que têm um irmão mais velho com deficiência, o processo de identificação (no qual os irmãos mais velhos são os intermediários na imagem construída do adulto) não é viável aos mais novos, já que a imagem que aquele transmite está comumente associada a algo negativo; nestes casos, quando há identificação, frequentemente esta está associada ao desejo de se tornar dependente como aquele irmão, para assim ter acesso à mãe (FRANÇA, 2000).

Um aspecto positivo no relacionamento fraterno é quando o irmão da criança com deficiência é mais novo. Isto provavelmente deve-se ao fato de que os irmãos mais velhos geralmente servem de modelo, assumem postos de responsabilidade. Além disso, em famílias com poucos recursos financeiros, exige-se dos irmãos mais velhos que cuidem do irmão com deficiência. Por outro lado, um segundo filho, quando o primeiro tem alguma deficiência, pode ser tratado como o primogênito vindo a exercer funções de irmão mais velho. Algumas vezes, há o aparecimento de sentimentos de culpa por estar-se desenvolvendo mais que o irmão, sentimento esse que pode levá-lo a restringir seu próprio desenvolvimento. (KROEFF, 2012; MEYNCKENS-FOUREZ, 2000; NUNES; SILVA; AIELLO, 2008). Porém, independente da ordem do

nascimento, a criança com deficiência é sempre tratada como “caçula”, podendo haver assimetria de papéis, ou seja, o irmão com desenvolvimento típico assume o papel do irmão mais velho, mesmo que não o seja. (NUNES; AIELLO, 2008).