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2.3 A vida como realidade radical

2.3.3 Ideias e crenças

No ensimesmamento, o homem liga sua vida aos mundos interiores que o possibilita pensar a realidade. Isso é o que Ortega y Gasset (1969) vai chamar de intimidade. A formação desses mundos que compõem a vida dá-se através da criação de um mundo imaginário formado pelas ideias. Estas, por sua vez, são o que pensamos sobre o real. Ortega y Gasset entende (1955b) por circunstância tudo que o homem conta para viver, o que sustenta sua vida, direcionando o seu agir e o seu pensar. Nesse caso, as ideias não têm valor de realidade pelo fato de que não é a teoria que determina a conduta do indivíduo, mas as crenças. São elas que atuam de forma latente, orientando a vida humana. Segundo o argumento de Ortega y Gasset (1959, p. 7, trad. nossa), a “[...] nossa relação com elas consiste em algo muito mais eficiente; consiste em [...] contar com elas, sempre, sem pausa”. Complementa o pensador (1959, p. 10, grifo do autor):

As crenças constituem a base de nossa vida, o terreno onde ela acontece. Porque elas nos põem diante do que para nós é a realidade mesma. Toda nossa conduta, inclusive a intelectual, depende de qual seja o sistema de nossas crenças autênticas. Nelas “vivemos e somos”.

Usando a metáfora da terra firme, Ortega y Gasset (1959) afirma ser na crença onde acontece a vida, pois esta possibilita o homem estar no mundo com uma margem de segurança. Quando a realidade passa a ser problematizada, aí aparece o que ele chama de dúvida. Nela o homem passa a viver inseguro, carecendo de ideias que deem estabilidade. O homem em dúvida encontra-se como num abismo, caindo, sem certezas. Por isso, forçosamente, na dúvida, o homem se agarra ao intelecto, buscando criar ideias que sejam capazes de reordenar o seu viver. O mar de dúvida é a figura metafórica encontrada por Ortega y Gasset para visualizar o estado de insegurança do homem ao carecer de certeza que assegure o seu viver, isso porque, no fundo, o homem é crédulo, sua vida está formada pelas crenças que possui. Por isso ele faz poesia, filosofia, ciência, religião, conhecimentos que representam a busca pela certeza que a vida humana carece. Essa distinção entre ideia e

crença é mais um recurso usado por Ortega y Gasset para fundamentar o seu pensar metafísico de que a vida é invenção, obra da imaginação. Retoma uma ideia muito presente em seus escritos, que é a vida enquanto conquista. Por ser dadas ao homem somente as penalidades e as alegrias de sua vida, necessita criar sua ideia de realidade, a fim de orientar o seu existir. É o que diz Ortega y Gasset (1959, p. 21) ao afirmar que, “com esta finalidade cria figuras imaginárias de mundos e de possível conduta nelas. Entre elas, uma lhe parece mais firme, e a isso chama de verdade”.

Viver é, na concepção de Ortega y Gasset, estar em alguma convicção. As convicções representam o universo de certezas que geram segurança, possibilitando ao homem continuar existindo. É sentir-se sobre algo importante. Distingue Ortega y Gasset a convicção positiva da negativa, esta, por sua vez, corresponde ao pouco grau de importância que elas desempenham no agir humano, são elas consideradas como ideias duvidosas, que não asseguram ao homem construir sua vida baseada nelas. Essa certeza é o que caracteriza a crença. “A orientação, os pontos cardinais que dirigem nossos atos é o mundo, nossas convicções sobre o mundo” (O.C., v 5, 1955a, p. 71). Nesse caso, a crença porta um conteúdo histórico, pois, quando um homem nasce, ele já é antecedido por um repertório de crenças que orientam o agir dos indivíduos daquele momento histórico, dito de outra forma, “o homem não é nunca um primeiro homem, senão sempre um sucessor, um herdeiro, um filho do passado humano” (O.C., v 5, 1955a, p. 124). Ele sempre faz parte de um momento histórico, circunstan ciado. Segundo Ortega y Gasset (1955a), por sua condição de indigente, necessita do outro para apoiar-se, para continuar existindo, daí a crença fazer parte do conteúdo da vida. Ortega y Gasset (1955b) define o homem como sendo um novelista, pois sua vida consiste em um fazer constante, criando, a partir da dúvida e da insuficiência do mundo exterior, ideias que norteiem seu estar no mundo. Ortega y Gasset (1959) usa um exemplo para esclarecer o conceito de crenças. Quando se está dentro de um determinado ambiente, ninguém se pergunta se, ao sair, não haverá terra firme, pois já parte da certeza de que lá fora tudo está da mesma forma como estava antes de entrar no determinado local. Por isso, sempre se está em uma crença. É a convicção de que aquilo acontece sempre e da mesma forma, possibilitando ao homem segurança. Quando uma determinada certeza passa a ser duvidada, a ser pesada, Ortega y Gasset (1955a) anuncia que nasce aí uma crise, ou seja, aquela idéia, que antes ordenava o existir de determinada pessoa ou grupo social, não é mais creditada ao ponto de o indivíduo guiar-se seguramente por ela. O exemplo clássico, por ele apresentado, é o cristianismo a partir do século XV. O surgimento de teorias científicas nesse mesmo período, como a de Galileu e Copérnico, assim como a teoria filosófica de Descartes dois séculos

depois, significa que aquela forma de pensar própria do mundo medieval não corresponde mais à exigência daquela geração. Nesse período da história, “o homem faz com que a razão pura, sirva de base ao sistema de suas convicções. Se vive da ciência” (O.C., v 5, 1955a, p. 66). O homem em crise é, afirma Ortega y Gasset (1959), sem mundo, entregado ao caos da pura circunstância. É o que ele chama de a lamentável desorientação. No entanto, a descrença em algumas convicções sempre leva o homem a buscar novas ideias, por isso, “para que o homem deixe de acreditar em umas coisas, é preciso que germine nele a fé confusa em outras” (O.C., v 5, 1955a, p.71).

A vida se define, assim pensa Ortega y Gasset, por meio das convicções, do repertório de opiniões que o homem tem sobre o mundo. Sobre as questões mais importantes da realidade o homem tem que ter uma opinião, um pensamento, delas dependem suas decisões, sua conduta e sua vida, pois ter uma opinião sobre “uma coisa não é senão saber o que fazer sobre ela”. (O.C., v 5, 1955a, p.72).