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3 A LOCALIZAÇÃO ESPACIAL E TEMPORAL: RORAIMA/ BOA VISTA

11.4 Identidade X Diferença: a Repercussão nas Relações Sociais no Contexto

Esta pesquisa buscou compreender a herança do branqueamento contida na identidade do afrodescendente a partir das relações sociais no contexto escolar, no que se refere a implementação da Lei 10.639/03 e com relação à inclusão do tema da educação das relações étnico-raciais e ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana nas escolas estaduais, tendo como base a normativas legais da SECD de Roraima.

Na observação foi constado que a herança do branqueamento é muito presente nas relações sociais no contexto escolar, como também não existe uma política de implementação educacional, onde priorize a identidade e a diferença étnico/racial do afrodescendente.

Começamos a discussão desta categorização, com a seguinte pergunta:

“O que é ser afrodescendente na realidade da cidade de Boa Vista/RR?” (Pesquisadora)

A partir desta pergunta, o que eles definiriam como afrodescendente, já que em outro momento da pesquisa, foi definido de acordo com o conceito do IBGE, mas agora o ponto de discussão estava correlacionado ao processo de identidade no contexto étnico/racial na cidade de Boa Vista/RR.

Mas os participantes ao iniciar a definir o que é ser afrodescendente, eles ainda estão presos as questões do fenótipo, ao descrever na conversa informal e na

entrevista, em ambos os momentos, descreveram o afrodescendente assim:

“É uma pessoa que não é negra, em uma pele mais branca.” (Aluno Negro) “Pessoa morena é aquela que a pele não é muito escura, mas também não é muito clara. Significa que ela é descendente de branco com uma pessoa mais morena.” (Aluno Pardo)

“Uma pessoa que nem é negra e nem é branca, tem um cabelo liso e um corpo mais definido.” (Aluna Branca)

“É um afro brasileiro, é a mistura de raça, nós somos todos misturados, é a mistura do negro com o branco (pausa) é a maioria daqui.” (Professor

Pardo)

Ao descreverem o fenótipo em relação a uma identidade subjetiva de uma pessoa branca, eles assim a descrevem:

“É uma pessoa como qualquer outra, tenho colegas brancas.” (Aluna

Negra)

“É uma pessoa de cabelo claro ou castanho, pele clara... mas para mim tanto faz como fez, nós todos somos iguais.” (Aluno Pardo)

“Eu sou branco e gosto de ser branco (Para um pouco e acrescenta); bem que agora os negros e os índios e aqui têm muitas vantagens, até mais que a gente.” (Aluno Branco)

Nessas falas, é importante destacar um conceito básico, que é a questão da mestiçagem, que foi exposta de forma subjetiva e não revelada, em que a identidade do afrodescendente no Brasil se confunde com a construção da ideia dialética sobre a mestiçagem.

Para Nascimento (1978), a política imigratória foi um instrumento essencial para embranquecer o país, considerando que a população brasileira, como feia e geneticamente inferior pela presença do sangue negro-africano, em que a população mestiça aumenta rapidamente, poderia contribuir para elevar o branqueamento no país.

Essa ideologia do branqueamento está presente na fala dos participantes, pois ela interferiu e interfere na aceitação de sua identidade; promoveu e promove a inferiorização e autorrejeição. Com isto, eles internalizam a superioridade branca e buscam, neste contexto dialético, identificar-se com o branco e, pela miscigenação, transformam-se em status na sociedade do branqueamento.

O processo de identidade do afrodescendente é, social e culturalmente, definido na relação de poder e dominação. Munanga (2008) nega a perspectiva ou a teoria biológica e define a identidade negra carregada de ideologia, em que esconde algo não publicado, no qual estabelece uma relação de poder e dominação.

Na conversa informal e na entrevista, ao falar sobre o afrodescendente, um aluno assim se expressa:

“Uma pessoa de pele escura, com o cabelo enrolado, mesmo que alguns fazem escova, mas o cabelo continua enrolado, não fica natural.” (Aluno

Negro)

É uma pessoa normal que nem as outras, não importa se ela é morena ou branca. Tem pele escura e cabelo enrolado (pausa) algumas pessoas diz, que é cabelo ruim, por isso agente faz alisamento, mas fica mais bonito, solto e brilhoso.” (Aluna Parda)

“Uma pessoa com a estrutura muscular forte, pele mais ressecada e os dentes brancos.” (Aluna Branca)

“Pessoa branca é a que não tem mistura, pele clara, olhos claros, cabelo liso e tem uns que o cabelo é bem loiro“. (A forma que fala é como existisse uma perfeição, considerados os mais belos). (Professora Parda)

“Posso dizer que são pessoas de pele clara e cabelo liso, geralmente tem olhos castanhos ou claros, como a profa. X (colega de trabalho). Só vem trabalhar toda arrumada.” (Aluna Negra)

“Pessoa com pele clara e cabelos negros. Pra mim não significa nada, é apenas uma cor.” (Aluna Branca)

Pois a estruturação da identidade ocorre em um espaço simbólico, em que os afrodescendentes negam a sua identidade, como brancos negam a existência do preconceito. Follmann (2001, p. 53) expõe os seguintes aspectos:

1) sentimento de diferença e da ‘identidade negativa’, podendo este até mesmo significar a consciência de ‘contra-identidade’ ou de oposição; 2) a negação de situação de alienação e a questão da autonomia;

3) a inter-relação ou a relação complementar entre o individual e o coletivo; 4) o constante ressituar-se em coerência com o tempo na relação entre passado e futuro;

5) a estruturação do ‘espaço’ simbólico;

6) a articulação entre a singularidade e a pluralidade complexa.

Os alunos e os professores identificam os negros diferentemente dos afrodescendentes, como se tivessem outra etnia, a terceira etnia, o afrobrasileiro.

Na questão do pertencimento do ser negro, pardo ou branco, no processo de socialização, se faz necessário considerar os elementos em que se pauta o sentimento de superioridade do branco, que se apresenta no discurso dos alunos.

“Uma estrutura bem conhecida, um moreno atlo, com os cabelos crespos e de olhos negros.” (Aluno Negro)

“Hoje em dia a cultura dos negros é comum, todos são iguais, é assim que eu penso, porque os negros tem os mesmos privilégios que os pardos e brancos, até melhor.” (Aluno Pardo)

“Mas conheço, sim, pessoas: são afro, mas todos são seres humanos.”

(Aluno Branco)

Os participantes não refletem sobre a pluralidade da questão racial, em que muitas vezes renegam a cultura afrodescendente, em que, ao exporem as diferenças, podem ser expelidas, engolidas, mantidas à parte, e há lugares em que se

especializam em cada caso. Mas as diferenças também podem ser tornadas invisíveis, ou melhor, impedidas de serem percebidas.

A incapacidade de enfrentar a pluralidade de seres humanos e a ambivalência de todas as decisões classificatórias, ao contrário, se autoperpetuam e reforçam: quanto mais eficaz a tendência à homogeneidade e o esforço para eliminar a diferença, tanto mais difícil sentir-se à vontade em presença de estranhos, tanto mais ameaçadora a diferença e tanto mais intensa a ansiedade que ela gera. (BAUMAN, 2001, p. 94).

Ainda se percebe, na fala dos participantes, a tendência da homogeneidade branca, mas percebi uma pequena resistência em uma aluna e em um aluno.

“A capoeira é uma cultura que é bastante valorizada aqui em Boa Vista, o candomblé é uma religião pouco conhecida.” (Aluno Pardo)

“Minha mãe dizia que meu cabelo era ruim, então aos 7 anos fiz o meu primeiro alisamento e também minhas colegas também fazia (sic). Eu nunca refleti sobre isso, eu vim refletir muito tempo depois, aí eu vi que renegar as minhas raízes, apagar, querer esconder, é esconder toda a luta dos meus antepassados.” (Aluna Negra)

Afirma Souza, N. (1983, p. 77):

Ser negro é, além disto, tomar consciência do processo ideológico que, através de um discurso mítico acerca de si, engendra uma estrutura de desconhecimento que o aprisiona numa imagem alienada, na qual não reconhece. Ser negro é tomar posse desta consciência e criar uma nova consciência que reassegure o respeito às diferenças e que reafirme uma dignidade alheia a qualquer nível de exploração.

Então ser negro é ter consciência de sua identidade, conhecer a importância de sua imagem e reconhecer a importância da história dos antepassados africanos e assim construir sua própria história.