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5. AUTONOMIA DA VONTADE E DA AUTONOMIA PRIVADA

5.1. Identificação dos institutos

Pode-se diferenciar a autonomia da vontade e a autonomia privada.

O princípio da autonomia da vontade no qual se funda a liberdade contratual dos contratantes, consiste no poder de estipular livremente, como melhor lhes convier, mediante acordo de vontades, a disciplina de seus interesses, suscitando efeitos tutelados pela ordem jurídica122.

Por outro lado, a autonomia privada é um conceito que envolve um dado filosófico concernente ao valor da pessoa humana, da afirmação de sua dignidade e do desenvolvimento de sua personalidade, quando em comunicação com outras pessoas, deliberando sobre seus interesses. A noção de autonomia privada contém, ainda, uma faceta econômica relativa ao sistema capitalista fundado na livre iniciativa. Além disso, o conceito de autonomia privada envolve aspectos jurídicos, pois diz respeito à liberdade das pessoas como direito constitucional123.

Por outro lado, para Nelson Nery Junior, a autonomia da privada, também princípio de direito privado, corresponde ao poder do sujeito de criar e submeter-se a regras particulares124.

São elementos do princípio da autonomia vontade: a) a liberdade de contratar ou deixar de contratar; b) a liberdade de negociar e determinar o conteúdo do contrato; c) a liberdade de celebrar contratos atípicos; d) a liberdade de escolher o outro contratante; e) a liberdade de modificar o esquema legal do contrato; f) a liberdade de agir por meio de substitutos; g) a liberdade de forma.

Porém o princípio da autonomia da vontade acabou por sofrer grandes alterações e deu lugar ao novo princípio do direito contratual, qual seja, a autonomia privada.

121GUILHERME, Luiz Fernando do Vale de Almeida. op. cit., p. 59. 122DINIZ, Maria Helena. op. cit., v. 3, p. 23.

123GODOY, Claudio Luiz Bueno de. op. cit., p. 25. 124

Sempre se definiu a autonomia da vontade conceituada como um aspecto da liberdade de contratar, no qual o poder atribuído aos particulares é o de traçar determinada conduta para o futuro, relativamente às relações disciplinares da lei. Sendo liberdade de contratar, nada mais é do que o poder dos indivíduos de suscitar, que por meio de sua declaração de vontade, os efeitos reconhecidos e tutelados pela ordem jurídica.

A liberdade de contratar, que dá sustentação à autonomia da vontade classicamente concebida, cedeu a valores dispostos no ordenamento e até mesmo diante de novas formas de contratar, dentre elas, os contratos de massa.

A autonomia privada confere poder às pessoas que, dentro dos limites estabelecidos pela lei, podem criar normas jurídicas, sendo assim, colocada no campo das fontes do direito125.

Hoje se reconhece que, de fato, o contrato não tem sua fonte exclusiva e legitimadora na expressão da vontade dos sujeitos, assim como não é a ela que se atribui a justificativa dos efeitos obrigacionais do negócio, dado que a justificativa de sua tutela seria garantida pelo ordenamento. Não se pode perder de vista os valores constitucionais fundamentais, bem como as normas de disposições infraconstitucionais de dirigismo contratual, que também dão efetividade àqueles valores e ampliam o conceito das fontes dos contratos.

A autonomia privada pode ser vista como fonte normativa, na medida em que está ligada à ideia de poder das partes na realização de negócios jurídicos e é princípio próprio do direito privado126.

Na autonomia privada, a vontade não perdeu seu significado completamente, nem sua sujeição ao movimento das exigências promocionais do ordenamento leva simplesmente a esvaziar o conteúdo diferencial entre o que é público e o que é privado.

Como bem observado por Claudio Luiz Bueno de Godoy127,

[...] trata-se de recompreender o direito privado, à luz de um novo modelo jurídico, em que, a um só tempo, não só se garanta liberdade de atuação, que é, em última análise, uma forma de expressão do livre desenvolvimento da personalidade humana, aspecto positivo da dignidade, no Brasil elevada a fundamento da República, mas também se

125SANTOS, Francisco Cláudio de Almeida. O pacto antenupcial e a autonomia privada. Belo Horizonte:

Del Rey, 2006. p. 203.

126NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. op. cit., p. 500. 127GODOY, Claudio Luiz Bueno de. op. cit., p. 19.

entenda o papel de um Estado do qual se reclama o efetivo cumprimento de uma tarefa distributiva, assecuratória do bem-estar social.

O direito público não irá subjugar nem absorver o direito privado, mas o que se revela é que as regras públicas de intervenção virão para assegurar ainda mais o campo de atuação privada entre as partes, garantindo-lhes uma liberdade real de ação.

A autonomia privada não se restringe ao contrato, apesar de ser mais facilmente identificável nesta situação; também fora dos contratos se reconhece ao indivíduo o poder de determinar a modificação de situações jurídicas e determinar, ele próprio, as relações decorrentes destas situações.

Por fim, verifica-se que a autonomia privada não se confunde com a autodeterminação, uma vez que a primeira vem de qualquer negócio jurídico, ainda que revele uma parte da autodeterminação, da liberdade individual juridicamente tutelada; a autodeterminação, por sua vez, é mais ampla e confere ao indivíduo a liberdade de agir ou não agir.

Desta forma, verifica-se que a autonomia privada é delimitada pela supremacia da ordem pública, e esta premissa é aplicável a todos os negócios jurídicos, visto que, para os negócios jurídicos deve haver declaração de vontade. Por isso, para que o contrato exista; deverá haver uma declaração de vontade comum, lícita e de fácil identificação; uma manifestação negocial, isenta de ofensa a leis inderrogáveis e que não esteja maculada por nenhum vício. Somente desta forma está-se diante de um contrato válido; e por fim a declaração da vontade deve ser apta a produzir seus efeitos, para que o contrato seja eficaz. As situações acima demonstradas, que nada mais são do que acontecimentos comuns no cotidiano, serão ainda disciplinadas pela boa-fé objetiva, pela função social do contrato e pela justiça contratual128.