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7. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA

7.7. Vícios

Considerando que não é exigido que a convenção arbitral siga determinado modelo formal, mas sim que reflita de forma inequívoca a vontade das partes em adotar a arbitragem como método para solução dos conflitos abrangidos ou a serem abrangidos pelas partes para esse efeito, isto poderia originar controvérsias e dificuldades.

No entanto, o compromisso arbitral, segundo o artigo 10 da lei de arbitragem247, dispõe de vários itens obrigatórios que definem, de maneira funcional, a

arbitragem como a matéria que será seu objeto, os dados das partes e dos árbitros, e outros. Para a cláusula compromissória devem ser dados maiores cuidados em sua elaboração, a fim de não gerar dificuldade ou até mesmo impedir a adoção da arbitragem248.

As cláusulas omissas, defeituosas, contraditórias e ambíguas são denominadas "cláusulas doentes" ou "patológicas".

Selma Lemes, citando Frederic Eisemamm, conceitua cláusulas doentes como sendo as cláusulas defeituosas, imperfeitas ou incompletas, “que pela ausência de

245MAGALHÃES, Rodrigo Almeida. op. cit., p. 207. 246Id. Ibid., p. 208.

247O artigo 10 da Lei da Arbitragem determina o que deverá constar obrigatoriamente do compromisso

arbitral.

elementos mínimos suscitam dificuldades ao desenvolvimento harmonioso da arbitragem”249.

Ainda nas palavras de Selma Ferreira Lopes250,

Muitos contratos estabelecem de maneira omissa e defeituosa que as dúvidas e controvérsias que surgirem serão solucionadas por arbitragem, mas não indicam a forma de operacionalizá-la, isto é, se farão uso da arbitragem institucional, quando nomeiam uma Câmara ou Centro de Arbitragem para administrar o processo arbitral, ou a “ad hoc”, quando as partes estabelecem as regras nas quais a arbitragem será processada naquele caso específico.

As cláusulas patológicas são entraves para o caminho da instituição da arbitragem. Para viabilizar a arbitragem, quando se depara com cláusula patológica, existem dois procedimentos possíveis: a) quando a cláusula denotar que a arbitragem seria institucional, a parte interessada dirigirá solicitação de abertura de processo arbitral, competindo ao órgão arbitral efetuar análise prévia para decidir se tem competência para administrar o processo, dando, então, início então à arbitragem. O tribunal arbitral verificará se tem competência para decidir a controvérsia; caso o tribunal arbitral entenda ser negativa sua competência, determinará que as partes instituam a arbitragem no judiciário; b) na hipótese de na cláusula não constar qualquer orientação de como as partes devem proceder, as partes também procurarão o judiciário para a instituição da arbitragem251.

Essas cláusulas podem ser classificadas em cláusulas compromissórias a) inválidas, que são aquelas redigidas de tal forma incongruente, que da leitura não se pode aferir tratar-se de cláusula compromissória, não permitem que se afirme que as partes elegeram a arbitragem para solucionar seus conflitos e, por consequência, serão consideradas nulas e se efeito no que se refere à instância arbitral; ou b) suscetíveis de validade, que são aquelas em branco ou vazias que, por exemplo, não esclarecem a forma de eleição dos árbitros ou o modo da arbitragem (institucional ou ad hoc), ou ambíguas, quando no mesmo documento ou em apartado prevê também a indicação de foro judicial.

O artigo 20, parágrafo 1º da Lei de Arbitragem trata de nulidade, invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem que deverá ser alegada pelo interessado logo na

249LEMES, Selma M. Ferreira. Cláusulas arbitrais ambíguas ou contraditórias e a interpretação da vontade

das partes, cit., p. 189.

250Id. As cláusulas arbitrais omissas e defeituosas, cit. 251Id. Ibid.

primeira oportunidade em que for se manifestar. Trata-se de vício formal da cláusula ou do compromisso que impedem o desenvolvimento válido do processo arbitral252.

A decisão do árbitro, quando da alegação de uma das hipóteses elencadas no caput do artigo 20 da referida lei, com a extinção do processo arbitral, não está sujeita a revisão judicial. A decisão do árbitro é definitiva e não comporta reexame. Por consequência, as partes estarão livres para proporem eventual litígio perante o Poder Judiciário competente para tanto. O árbitro extinguirá o processo arbitral, deixando que as partes proponham demanda judicial se assim quiserem253.

Identificadas as cláusulas compromissórias patológicas e a possibilidade de avaliação prévia quanto à sua validade e existência, observamos que princípios são aplicados para esses casos, e além dos princípios de interpretação, para as cláusulas compromissórias são aplicáveis também os princípios comuns à interpretação dos contratos.

Apoiando-nos no exposto por Selma Lemes, uma vez identificadas as cláusulas patológicas com a possibilidade de avaliação prévia quanto à validade e existência das cláusulas compromissórias, devem-se observar os princípios interpretativos serem aplicados para se verificar se efetivamente houve o consentimento das partes à arbitragem. São exemplos de alguns desses princípios254:

I – Princípio de Interpretação de Acordo com a Boa-fé

Conforme afirmamos em capítulo anterior, as partes têm o dever de adotar comportamento leal, padrão de conduta com probidade, honestidade em toda a fase prévia da elaboração contratual, durante a execução do contrato, se estendendo ao cumprimento de obrigações que remanescem durante a fase pós contratual.

A boa-fé é princípio basilar da vida negocial, “com o que não há dúvida que o princípio da boa-fé não é exclusivo do campo do Direito Civil, mas um paradigma de toda e qualquer relação humana”255.

252CARMONA, Carlos Alberto. op. cit., p. 247. 253Id., loc. cit.

254LEMES, Selma M. Ferreira. Cláusulas arbitrais ambíguas ou contraditórias e a interpretação da vontade

das partes, cit., p. 195-208.

A interpretação de boa-fé consiste em aplicar este princípio, não se limitando apenas à disposição literal, mas sim perquirir a real intenção das partes ao estabelecerem a convenção de arbitragem.

Faz-se necessário pesquisar e levar em consideração as consequências que as partes contratantes visaram, bem como verificar o comportamento das partes, seja na fase prévia como na posterior ao contrato ou a controvérsia.

O artigo 112 do Código Civil, que determina que nas declarações de vontade se atenderá mais a sua intenção que ao sentido literal da linguagem, sustenta a possibilidade de se pesquisar a real intenção das partes ao firmarem a cláusula compromissória, em vez que ater-se à interpretação literal da cláusula.

Quando nos deparamos com uma cláusula compromissória ambígua ou contraditória, deverá ser pesquisada a real intenção das partes, verificando se os contratantes desejam estabelecer a cláusula compromissória, e para isso, tanto pode ser considerado o comportamento anterior das partes quanto o posterior à conclusão do contrato.

Por fim, importante ressaltar que o artigo 113 do Código Civil determina que “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”.

Nos ensinamentos de Renan Lotufo, referido artigo representa a função interpretativa da boa-fé, que deverá orientar os destinatários do negócio jurídico – cláusula compromissória – visando atribuir o real significado que as partes lhe atribuíram, procedendo com honestidade, ou, na hipótese de cláusulas ambíguas, conferir preferência ao significado que a boa-fé indique como mais razoável256.

II – Princípio do Efeito Útil ou da Efetividade

“O princípio de interpretação da cláusula arbitral patológica consoante seu efeito útil é universalmente aceito e aplicado na jurisprudência arbitral, representando antes de tudo regra de bom senso”257.

Com base neste princípio, a interpretação de acordo com o efeito útil significa que devemos supor que as partes, ao redigirem cláusula compromissória, tinham a intenção

256LOTUFO, Renan. op. cit., v. 1, p. 316.

257LEMES, Selma M. Ferreira. Cláusulas arbitrais ambíguas ou contraditórias e a interpretação da vontade

de conceder-lhe um significado real e possível de operacionalização, isto é, de fato pretendiam que eventuais conflitos fossem solucionados pela arbitragem.

Desta forma, ainda que nos deparemos com cláusulas ambíguas, contraditórias, defeituosas, isto é, patológicas, a cláusula compromissória pode resultar na instituição da arbitragem, desde que esteja em consonância com a vontade das partes. E, para se chegar à vontade das partes, há que se fazer uso do processo hermenêutico indicado pela jurisprudência e doutrina, por meio dos princípios gerais do direito contratual e arbitral.