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3 AS TRILHAS TEÓRICO-METODOLÓGICAS

3.1 Descoberta dos lugares e interação com os sujeitos da pesquisa

3.1.1 Identificação e vivência

A primeira vez que visitamos a Escola de Ensino Fundamental e Médio Flor de Maravilha foi como voltar no tempo. Não havia registro da escola no cruzamento da avenida Alberto Magno com Professor Costa Mendes, mas os nomes das ruas saltaram à memória inesperadamente. Aquele entorno era bem conhecido. Nosso nascimento ocorreu na avenida 14 de julho, hoje avenida Professor Gomes de Matos e vivemos no bairro até os dez anos, e sempre voltamos para as visitas aos familiares que ainda residem nas redondezas. As lembranças são boas das brincadeiras na calçada, passeios pelas ruas de terra, as idas à feira livre do Benfica, a missa na Igreja de Nazaré, as visitas à casa das avós.

Aos poucos, fomos reconhecendo os lugares: a mercearia que vendia maria- maluca, a farmácia, a padaria, as casas de pessoas queridas. Tudo chegou muito rápido; em

flashes redescobrimos aquela geografia que não sabíamos ainda parte de nós.

As boas lembranças misturam-se ao cheiro do café que invadia a sala dos professores da escola que acolhia os visitantes. Estávamos curiosa para conhecer a “Flor de Maravilha”, porque não nos lembrávamos de uma escola, justo ali, por onde caminhamos tantas vezes e, também, pela expectativa que criáramos de saber mais daquele lugar que se transformava para receber os computadores do Projeto Um Computador por Aluno.

Para nós foi motivo de contentamento encontrar salas de aula em reforma para receber teto de PVC, ar-condicionado instalado, novo mobiliário e a equipe de docente em formação para conhecer o laptop educacional e inseri-lo nas suas práticas pedagógicas. Parecia que uma nova escola se erguia bem diante dos nossos olhos. Era fácil imaginar aquele

pátio de paredes verdes e piso de mosaico encerado, abrigando meninos e meninas com os computadores portáteis, apertando aqui e ali, descobrindo outro mundo por meio das telas de cristal líquido de sete polegadas.

A diretora apresentava a escola à equipe da Universidade Federal do Ceará diante dos olhares curiosos de professores e alunos. A equipe da Universidade Federal do Ceará (UFC) esquadrinhou o espaço. Era necessário apresentar relatório minucioso ao MEC com informações sobre segurança da sala, que serviria de abrigo para os computadores – a chamada sala forte – sobre a capacidade da rede elétrica, as condições das salas de aula para comportar cada estudante do ensino fundamental e médio, fazendo uso do computador na aula, a existência de conexão com a internet, os armários que acomodariam os computadores, enquanto eram carregados para uso.

Estávamos duplamente animada. O reencontro com o bairro do Montese nos comoveu e nos víamos naquelas ruas, menina de cabelos desalinhados, saltando as poças d’agua no caminho entre a nossa casa e a da avó, sentindo a brisa da noite e ouvindo um coaxar bem longe, mas que, mesmo assim, nos amedrontava.

O outro contentamento estava no presente. Em sabermos daquela escola tão limpa, organizada, com jardim modesto e, mesmo com pouco espaço para brincadeiras dos estudantes, havia uma renovação com a promessa da chegada de 500 laptops educacionais. Essa escola não se parecia em nada com as instituições públicas de ensino que sempre foram estigmatizadas pelo senso comum como sendo essencialmente espaços de carência. Claro que não há como ignorar os muitos problemas que afetam a Educação pública brasileira, e que certamente se faziam presentes ali, mas o retrato em preto e branco, insistentemente veiculado nos meios de comunicação, não encontrava correspondência direta nas cores daquela manhã, com o burburinho de meninos e meninas que faziam fila para o lanche, com a vida que teimava em acontecer a despeito de tantas dificuldades. Afinal, a escola se preparava para receber um computador para cada aluno, realidade que naquela ocasião estava distante até da maioria das escolas privadas.

Naquele momento, tivemos a certeza de que gostaríamos de que acontecesse ali a nossa investigação de doutorado. Queríamos fazer parte daquele cotidiano, conhecer os estudantes, professores e funcionários e acompanhar de perto as mudanças que estariam por vir com a implantação do Projeto Um Computador por Aluno. Queríamos estabelecer com aquelas gentes o “envolvimento compreensivo”, a que se refere Alba Zaluar em A Máquina e

Aprendéramos, em experiências, que é preciso enxergar o outro como a nós mesmos, como defende DaMatta (1978), e que, mesmo sendo estranha àquele contexto, seria possível mergulharmos na sua rotina e apreendê-la, “sem paternalismo e sem recusa à dignidade daquelas pessoas”. (ZALUAR, 1985, p. 11).

O lançamento oficial do Projeto UCA na Escola Flor de Maravilha aconteceu em junho de 2011, depois de realizada parte da reforma física, em que as salas foram forradas e algumas receberam ar-condicionado, com a construção da sala para abrigar os computadores e foram realizados ajustes na rede elétrica e na configuração da internet.

Nos primeiros meses de 2011 aconteceram várias aulas experimentais com o uso do laptop ao mesmo tempo em que os professores eram capacitados no uso do equipamento e nas possibilidades pedagógicas de inclusão dele nas rotinas da sala de aula. Com o lançamento do Projeto UCA, que contou com a presença das famílias dos estudantes, das autoridades da Secretaria de Educação do Estado e da Universidade Federal do Ceará, a intenção era de que o computador fosse usado continuamente nas aulas. E foi o que aconteceu em algumas turmas e algumas disciplinas, o que era sempre comemorado pelos estudantes: “Oba, hoje tem UCA”!