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4. UMA APROXIMAÇÃO DA PRÁTICA ESCOLAR DOS PROFESSORES

4.3 Identificando os saberes mobilizados na atuação docente

“(...) Porque mesmo a matemática sendo exata,

a profissão ainda é muito humana (Ana Luisa).”

Por meio da análise da prática docente é possível visualizar os saberes que os docentes consideram necessários para poder atuar em sua profissão. Logo, após o percurso de reflexão sobre vários aspectos relacionados à atuação docente, foi perguntado aos docentes quais seriam os saberes que consideravam necessários para realizar suas atividades, o que a profissão exigia deles. Em suas respostas, basicamente os docentes elencam três áreas como saberes necessário: o saber do conteúdo, o da didática e o de saber lidar com os alunos.

Eles consideram como o saber do conteúdo o saber disciplinar, em que deve haver o domínio do conteúdo de ensino, que no caso é o conteúdo de matemática, que vão transmitir para seus alunos.

O saber da didática seria a parte de transposição do conteúdo disciplinar para conteúdo de ensino, habilidades e procedimentos que eles consideram necessários para que o professor consiga ensinar o saber disciplinar aos alunos, de forma que aprendam.

Por fim, o que esteve sempre presente nas falas anteriores e que destacam como saber imprescindível é a questão de conseguir lidar com alunos, suas diferenças e suas particularidades. É necessário perceber que o professor lida com pessoas. Sendo assim, ter

conhecimentos suficientes para se adequar às realidades singulares é algo que os docentes colocam como fundamental para o professor.

Veja nos relatos a seguir o que os docentes colocam sobre os saberes necessários para a atuação docente:

Do conteúdo, da didática, acho que didática é importante, área da psicologia também, eu acho muito importante, pois a gente usa muito. Eu acho que essas três coisas são as mais importantes (Flávia).

Domínio do conteúdo que vai ministrar e lidar com pessoas (André).

Saberes necessários, (...) eu acho o seguinte, eu acho que primeiro é domínio de conteúdo, é o principal deles. Porque isso vai te dar a tranquilidade pra ter os outros né. Saberes, é, organização lógica, eu acho que é importante, saber dosar teoria com exercícios, eu acho que isso é importante e, tentar usar a fala dos alunos né, quero dizer assim, o vocabulário deles, porque quando a gente sai da faculdade a gente fica tentando falar, usar aquela nomenclatura da matemática, linguagem técnica, e tudo, mas depois de um certo tempo você vê que não funciona e que não adianta ficar insistindo naquilo. Então eu acho que basicamente é isso. É domínio de conteúdo e saber expressar as ideias de forma lógica, né, assim, acessível, vamos dizer assim, raciocínio lógico (Juca).

A gente vê muitas pessoas que detêm o conhecimento né, elas sabem a matéria, mas na hora de saber lidar com o aluno, na hora de saber explicar aquilo eh... a coisa não acontece? Eu já tive professor assim. Então o saber não pode ser simplesmente conhecimento técnico, não pode ser somente a teoria. É claro que ela é importante, porque se ela não acontecer também, o aprendizado fica complicado, porque a gente pode acabar cometendo equívocos, ensinar coisas erradas que eu já vi. (...) também acho que todo mundo deveria ter condição de fazer a faculdade que a gente fez, pra poder entender melhor certas coisas, pra realmente ter um conhecimento amplo dentro da nossa área técnica. Mas eu vejo que o saber lecionar, o saber falar, o saber ouvir, sabe?, ouvir o aluno, ouvir a dúvida do aluno, ouvir a crítica das outras pessoas. Porque mesmo a matemática sendo exata, a profissão ainda é muito humana. O professor, ele respira a área humana, a gente tem que ser um pouco psicólogo, filósofo, a gente tem que saber ouvir o aluno, às vezes nem é pra tirar dúvida, é pra desabafar, então a gente tem que saber fazer isso também sem se intrometer nos alunos. Eu acho que é uma área muito ampla, tem muitos porquês, sabe? Não é simplesmente saber a matéria (Ana Luísa).

Fazendo uma associação dos saberes elaborados por Niss (2010), composto pelas competências necessárias de serem trabalhadas na formação inicial do professor de matemática, são encontradas inúmeras correspondências em relação à necessidade de apoio pelos sujeitos e o que consideram como necessário para saber lecionar.

Quanto às competências relacionadas à formação matemática, constata-se que o saber do conteúdo é mencionado pelos entrevistados de forma generalizada, e não é comentado especificamente em momento algum nas falas, o que parece demonstrar que esse saber foi bem constituído e que os professores não têm, nem tiveram nenhuma dificuldade relacionada a esse tópico durante sua prática inicial.

Já em relação às competências didáticas e pedagógicas não se pode dizer o mesmo, visto que foram inúmeras as falas que se referiram a fatos que elencaram dificuldades referentes a algumas competências que Niss (2010) denomina competência em currículos, competência pedagógica, competência na detecção da aprendizagem, competência em avaliação, competência de colaboração e competência de desenvolvimento profissional.

Sobre a competência em currículos, que inclui habilidades para entender, analisar, avaliar, relacionar e implementar currículos e planos de ensino em matemática, as principais queixas foram referentes a adaptar o conteúdo matemático aos horários reduzidos das aulas, aos cursos técnicos, à educação de jovens e adultos – EJA, entre outros.

Os maiores desafios enfrentados pelos professores, pelo que se pode identificar nos relatos, referem-se ao que Niss (2010) denomina de competência pedagógica. A transposição didática, em que se ressalta a dissonância entre a matemática aprendida na faculdade e a matemática a ser ensinada na educação básica, o cumprir com o planejamento, o adaptar-se aos alunos e à realidade de cada um e de cada contexto educacional, bem como a dificuldade de motivá-los têm sido alguns dos vários desafios enfrentados pelos professores.

Quanto à competência na detecção da aprendizagem, citaram a dificuldade em saber se os alunos estão aprendendo e sua adaptação a eles, bem como conseguir analisá-los individualmente.

Avaliar de forma eficaz, utilizando diferentes métodos, dando retorno ao aluno, e concluir o processo de avaliação com o aprendizado daquilo que faltou ser aprendido são fatores que se destacam como déficits na formação dos licenciados no que se refere à competência em avaliação.

Uma competência que não se destaca de maneira explícita nas discussões concernentes aos saberes docentes feitas por Shulman (1986), Pimenta (1999), Tardif (2002), entre outros, é discutida mais explicitamente por Niss (2010), quando o autor acrescenta nas discussões sobre os saberes a competência que denomina de colaboração. Por mais que essa competência não esteja muito presente em algumas discussões, os professores entrevistados relataram que se trata de um tema extremamente relevante na formação do educador. Devemos envolver na profissão docente os fatores relacionados às questões sociais. Quando se debate o desenvolvimento profissional docente, um aspecto importante se refere à socialização. Esse é um ponto que ainda não se faz muito presente nas discussões sobre saberes. A luta concorrencial, a socialização na instituição e o lidar com os pais dos alunos são exemplos de necessidades de apoio dos entrevistados que demonstram a importância de esses temas

estarem presentes nas discussões referentes à formação e aos saberes necessários dos docentes.

Por fim, Niss (2010) ressalta a competência do desenvolvimento profissional. Abre-se nesse momento um espaço para ampla discussão no que se refere ao saber da experiência. Quando propõe essa competência, ele inclui a habilidade do professor desenvolver sua própria competência como professor de matemática, participando de atividades de desenvolvimento profissional, refletindo sobre seu próprio ensino e as necessidades de desenvolvimento, mantendo-se atualizado sobre novos desenvolvimentos e tendências na pesquisa e na prática. Ao analisar essa competência e ao compará-la ao que Shulman (1986), Pimenta (1999) e Tardif (2002) descrevem como saber da experiência, fica fácil perceber um campo comum de conceitos.

O que se traz para discussão é que não se deve considerar a experiência simplesmente como uma dimensão temporal. Por se tratar de uma pesquisa com professores iniciantes, muitas vezes pode-se erroneamente pensar que esses ainda não tiveram a oportunidade de constituir saberes que só a experiência lhes ofereceria. As falas dos docentes trouxeram exemplos diversificados que puderam fornecer significativas análises sobre esse entendimento.

A experiência vazia, simplesmente como tempo decorrido, sem reflexão, indagação, pesquisa, discussão e uma possível conclusão, também não pode ser considerada válida para se constituir um saber docente. Segundo a definição dada por Niss (2010), para que isso ocorra a experiência deve vir aliada ao desenvolvimento profissional. Sendo assim, deve-se pensar no saber da experiência discutido por Shulman (1986), Pimenta (1999) e Tardif (2002), aliado à competência do desenvolvimento profissional de Niss (2010), para que as experiências vividas sejam compartilhadas, refletidas, discutidas e analisadas, constituindo, assim, um saber profissional.

É necessário pensar essa reflexão sobre a prática de forma efetiva, pois como disse Pimenta (1999) a formação própria do professor somente poderá ocorrer a partir de um processo de autoformação e de reelaboração dos saberes iniciais em confronto com sua prática vivenciada, ou seja, refletindo na e sobre essa prática.

Para chegar a essa discussão refletiu-se sobre a situação do professor André, que teve durante a graduação a experiência do PIBID e está tendo diversas outras experiências, mas não relatou grandes aprendizados em suas falas, como foi mencionado pelos outros três entrevistados. Logo, coloca-se como questão: do que adianta passar um tempo vivendo algo,

considerado por muitos como experiência, se você não aprende com ela ou se não lhe é concedido oportunidades para aprender com ela? Muitas vezes vários professores iniciantes passam por um isolamento não tendo com quem compartilhar suas angústias, seus medos e suas limitações. Se ele não conseguiu adquirir no curso conhecimentos que o possibilitasse fazer reflexões sobre sua própria prática de modo a aprimorá-la com o decorrer dos fatos, o sentimento de incompetência é o que vai predominar, como é o caso do entrevistado André, quando relata que o curso não deixou nada a desejar quanto à sua formação, e sim ele é quem não sabe lidar com os alunos e com o ensino na educação básica.

Ao contrário desse docente, os outros entrevistados já buscam refletir, indagar, pesquisar. Querem continuar estudando, falam da necessidade de ter profissionais ajudando, como psicólogos, professores experientes, etc. Dessa forma, as experiências que vão ter ao longo da profissão podem ser potencializadas para construção dos saberes profissionais, sendo significativas a ponto de constituírem-se em saberes docentes. São os caminhos de um desenvolvimento profissional.

Se grupos ou profissionais experientes ajudassem esses docentes iniciantes e ainda em formação a lidarem com suas dificuldades, possibilitando reflexões, compartilhamentos de experiências, pesquisas, discussões, entre outros, promovendo seu desenvolvimento profissional e fazendo com que eles possam criar um repertório de conhecimentos que constituam seu saber da experiência, talvez muitos aspectos sejam novamente delineados, principalmente a evasão do curso e a desistência de professores pela educação básica. Garcia (1999) reforça esse pensamento quando fornece um conceito de formação que leva a fazer uma relação com esse saber da experiência. O autor coloca que é pelo meio da formação entre professores, denominada como interformação, que se pode efetivar o aprendizado com vistas a favorecer a procura de metas de aperfeiçoamento pessoal e profissional. Além do mais, esses grupos permitiriam validar o que Gauthier (1998) denomina de saber da ação pedagógica, que se refere ao saber da experiência dos professores quando se torna público e verificado por pesquisas realizadas em sala de aula.

Além dessas dificuldades relatadas pelos docentes que puderam ser associadas à literatura, algumas como o conhecimento dos alunos, a questão de saber lidar com os mesmos e a dimensão social da educação, que inclui as diversidades encontradas na sala aula e a inclusão, são aspectos que precisam ser mais bem explorados pela literatura. Os docentes estão requerendo um saber que os possibilite lidar com fatos extracurriculares, como as experiências relatadas por André e Juca, referentes às brigas e ao aborto, bem como a

necessidade relatada pela docente Flávia, que enfatiza ser imprescindível o apoio de um psicólogo em diversas situações enfrentadas.

Depois de analisar as dificuldades encontradas pelos docentes em início de carreira e o que consideram importante saber para ser um professor, é possível fazer um paralelo com a formação inicial. Garcia (1999) cita princípios que devem orientar uma formação docente. Quando esses princípios utilizados por ele são analisados, é possível visualizar os saberes elencados como necessários para os professores entrevistados, o que expande um pouco mais os saberes desenvolvidos por outros pesquisadores. O autor em questão desenvolve esses conceitos em oito princípios: conceber a formação como um contínuo, integrar a formação de professores ao processo de mudanças, ligar seus processos ao desenvolvimento organizacional da escola, integrar os conteúdos acadêmicos e pedagógicos, integrar teoria e prática, procurar o isomorfismo entre a formação recebida e a educação que posteriormente será pedido que ele desenvolva, lidar com individualização e formar para a indagação e reflexão.

Após essa aproximação da prática escolar dos professores iniciantes, em que foi possível destacar as dificuldades encontradas por eles, suas necessidades de apoio e principalmente o que consideram necessário ao professor saber para o exercício de sua profissão, e diante dessa definição de formação de Garcia (1999), que nos orienta com princípios básicos da formação docente, será feita uma análise do curso de licenciatura que os formaram. No capítulo seguinte os docentes produzirão significados sobre o curso de licenciatura que os formaram, identificando os limites e as contribuições do curso de licenciatura em matemática da UFV para formação, constituição dos saberes e atuação na docência.

5. PRODUZINDO SIGNIFICADOS: AS ATITUDES, INFORMAÇÕES E