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Corria o ano de 1755 e na freguesia da Lapa existia uma pequena ermida que albergava a venerada imagem de Nossa Senhora da Lapa em terras pertencentes à Casa do Infantado.

Em Novembro desse ano, com o terramoto, muitos dos que tinham fugido da baixa da cidade refugiaram-se nestas mesmas terras e estabeleceram-se em barracas improvisadas. Uma delas dedicaram-na ao culto de Nossa Senhora da Lapa, devido a uma imagem da Senhora, que escapou milagrosamente da catástrofe e aí edificaram uma casa:

“(...) o mesmo Senhor Admenistrador da Ca/ sa Sereníssima do Infantado e que pertence à Casal da Estrela: Há/ vendo se refugiado nelles varias famílias, que escaparão das ruínas/ do terramoto do primeiro de Novembro de mil Setecentos, e cincoenta, e/ cinco, e estabelecendo nelle a sua habitação primeiro em Barracas/ de madeira que depois forão reduzindo a Edifícios de pedra e cal a mês/ ma calamidade daquele tempo (...)597

Sabendo deste facto, o infante D. Pedro não só permitiu a continuidade do culto na barraca improvisada como “fechou os olhos”598

sobre a existência das edificações clandestinas que proliferavam nas suas terras do Casal da Estrela. Ordenou então, e às custas dos cofres da sua Casa, a construção de um recolhimento destinado aos órfãos da cidade e à edificação de uma igreja dedicada a Nossa Senhora da Lapa:

“(...) a mês/ ma calamidade daquele tempo fez com que Sua Magestade/ Não resistisse aquelas clandestinas edeficaçoens antes fechan/ do a ellas os seus Reaes olhos, e abrindo somente os da sua Regia commise/ ração não as não quis impedir, mas mandou fabricar no mesmo Terreno/ hum Recolhimento para orfans das muitas, que ficarão sem Pai na sobredi/ ta calamidade, e huma

597

“Sentença do Padroado da Igreja da Lapa”, in IANTT, Casa do Infantado, Livro nº 127, fls.149. Ver Anexo II, Doc. nº 36.

598 “Sentença do Padroado da Igreja da Lapa”, in IANTT, Casa do Infantado, Livro nº 127, fls.150.

barraca em que se colocou a Imagem de Nossa/ Senhora da Lapa onde no dia de Natal do mesmo anno se dice a pri/ meira Missa(...)”599

Como a pequena capela provisória se achava arruinada, ordenou o infante em 1764 ao arquitecto Mateus Vicente de Oliveira a edificação de uma nova igreja e do recolhimento anexo.

“(...) Arruinando se porem com o tempo a Bar/ raca, que servia de Igreja tanto as Recolhidas, como ao referido Povo: Informado Sua Majestade da ruína, e indecência em que se achava/ e movido do ardente zelo que tem pela Casa de Deos, e do seu divi/ no culto, ordenou logo ao Architecto Matheus Vicente fizesse risco/ para nova igreja; e mandou fazer pela sua Real Fazenda encarre/ gando a Inspecção e Admenistração da obra a José Romano muito/ devoto da Senhora da Lapa”600

O documento apresentado, refere-se à Sentença do Padroado da Igreja da Lapa, Sentença Cível para título, passada a requerimento do Desembargador Procurador da Fazenda da Casa do Infantado sobre as representações desta mesma e as do Cardeal Patriarca D. Fernando I a respeito deste padroado, quando o mesmo Cardeal reclama a posse da igreja, em 1784.

Esta sentença apresenta os antecedentes históricos que levaram à edificação da igreja e à elevação da mesma zona à freguesia de Nossa Senhora da Lapa. O recolhimento e a pequena capela instituída beneficiaram de uma protecção do Infante D. Pedro, como vimos no documento, que acedeu em primeiro lugar ao pedido do Conde São Lourenço e do padre Ângelo de Sequeira, que pediram autorização “(...) a El Rej Nosso Senhor Dom Pedro Terceiro para que na terra

do seu ca/ zal do Infantado fizesse hum recolhimento para orfans desam/ paradas”601

Os mesmos intervenientes ao se depararem com o problema dos desamparados nesta zona de Lisboa, terão posto o empenho na construção destes dois

599 “Sentença do Padroado da Igreja da Lapa”, in IANTT, Casa do Infantado, Livro nº 127, fls.150.

Ver Anexo II, Doc. nº 36.

600 “Sentença do Padroado da Igreja da Lapa”, in IANTT, Casa do Infantado, Livro nº 127, fls.150.

Ver Anexo II, Doc. nº 36.

edifícios, igreja e asilo, que desde o início se tornaram inseparáveis: “(...) sendo

esta barraca sempre inseparável do Re/ colhimento”602

O padre Ângelo Sequeira manteve-se na função de administrador das duas casas por dois anos até que recebeu ordens do Ministério da Igreja para se retirar de Lisboa e foi substituído por D. Gaspar Afonso da Costa Brandão. Retirou-se para o Porto, onde veio a fundar a igreja e o mosteiro das Carmelitas, da Ordem Terceira do Carmo.

Relativamente a D. Gaspar, este terá sido eleito pouco tempo depois, Bispo do Funchal, ocupando o lugar de administrador do Recolhimento, Monsenhor São Paio até ao ano de 1761603.

A barraca improvisada estava feita de tabique e, por volta de 1762, não resistiu ficando arruinada.

Terá sido o pároco da época, Nuno Henriques Dorta, que aliás atesta e certifica uma das partes da Sentença do Padroado da Igreja da Lapa, que terá apresentado a situação de ruína da barraca ao então Infante D. Pedro, que solicitou ao Cardeal Patriarca Saldanha a necessária autorização para “(...)

mandar fazer de novo a Hermida de Nossa Senhora da Lappa”604

Dada a devida autorização: “(...) mandou Sua Magestade que o Sargen/ to Mor

Matheus Vicente fizesse o risco, e principiou a Igreja no/ anno de mil Setecentos e sessenta e quatro, fazendo Sua Magestade as despesas como pode constar na Casa da Fazenda do Infantado605”.

A primeira pedra foi lançada e benzida pelo Reverendo António da Silva Leitão e a igreja foi edificada à custa da Casa do Infantado sob a orientação de José Romano, encarregue da obra que “(...) hia buscar o dinheiro a encepção do

vigamento e outras mais esmolas/ que Sua Magestade dava sem que fossem lansadas em despesa”606

.

602 Op. cit., ibidem, fl.152v. Ver Anexo II, Doc. nº 36. 603 Op. cit., ibidem, fl.152v. Ver Anexo II, Doc. nº 36. 604

Op. cit., ibidem, fl.153. Ver Anexo II, Doc. nº 36.

605 Op. cit., ibidem, fl.153. Ver Anexo II, Doc. nº 36. 606 Op. cit., ibidem, fl.153. Ver Anexo II, Doc. nº 36.

A construção da igreja foi rápida, pois, em 1771, o mesmo pároco informa que nesse ano, a 11 de Fevereiro, se constituiu a freguesia de Nossa Senhora da Lapa, pelo cardeal Saldanha, iniciando-se a problemática referente à legítima posse da igreja, se pertenceria ao Infante D. Pedro como este alegava ser sua, se ao Patriarcado, dada a instituição da nova freguesia. Até então o domínio e a posse da mesma pertenciam às Recolhidas, assim chamadas, que habitavam o asilo.

A igreja, projectada por Mateus Vicente, apresenta uma fachada simples, de linhas clássicas e rectas607.

Duas escadas de acesso ao templo na lateral da mesma igreja são antecedidas de um gradeamento também ele desprovido de qualquer decoração.608

O portal de entrada é encimado por um frontão curvo, que inclui um panejamento a lembrar os mesmos e os que existem na fachada da igreja de Santo António609. As duas igrejas foram erguidas na mesma época610.

Apenas na fachada uma janela e um óculo, permitem a entrada de luz para o interior deste espaço exíguo.

Também na fachada a existência de dois fogaréus e uma cruz também singela, que marca, sem dúvida, uma obra que não foi feita para ser admirada ou vista com a grandeza que se costuma empregar nas igrejas de Lisboa, mas para servir em primeira instância o recolhimento dos órfãos e das desamparadas, que estava anexado ao corpo da igreja, como veremos.

O interior da igreja, de nave única, possui à entrada, logo à direita o baptistério guardado por dois anjos suspensos, e na parede uma tela representativa do

Baptismo de Cristo611.

A enfase da arquitectura desta igreja é posta no altar-mor, ainda que com pouca decoração612.

607

Ver Anexo I, Imagem nº 202.

608 Ver Anexo I, Imagem nº 203. 609

Ver Anexo I, Imagens comparativas nºs 187 e 202.

610

A reedificação da igreja de Santo António teve o seu início em 1764, a igreja da Lapa começou a ser construída em 1766.

611 Ver Anexo I, Imagem nº 204 e 205. 612 Ver Anexo I, Imagem nº 206.

Tudo em madeira marmoreada, a imitar o próprio mármore, apresenta duas colunas coríntias e uma tela representativa da coroação da Virgem como Rainha

dos Céus, apresentando Cristo e a Santíssima Trindade613.

A igreja, como já foi referido, foi feita a expensas do Infante D. Pedro e das parcas esmolas angariadas. Porém, a capela-mor, prevista para esta igreja, seria outra, como revela o padre Nuno Dorta.

Ao que parece, e pelo facto do Cardeal Patriarca elevar a zona a freguesia e devido às dificuldades monetárias na construção dos edifícios, foi instituída uma irmandade na sede da igreja, a Irmandade do Santíssimo Sacramento.

Os irmãos que presidiam à Irmandade sentiram a necessidade de projectar um altar-mor digno para a nova paróquia e, porque o que existia era pequeno para os ofícios religiosos, ficou resolvido que o haveriam de aumentar.

Designaram então o Infante como o protector da Irmandade, dado que contribuía com 50 mil réis anuais para o Santíssimo614 e decidiram aumentar o altar-mor pedindo autorização a D. Pedro, que se terá empenhado na edificação do altar, do trono e do ornato da Senhora da Lapa615.

A capela-mor apresenta dois nichos com os santos padroeiros da Ordem da Lapa e a tela representativa da Virgem, inserida numa moldura em mármore preto, e ladeada pelas duas colunas adossadas à parede, que culminam num arco quebrado, de onde sai um remate ondulante tipo borrominiano e habitual em Mateus Vicente.

Desta vez não foi empregue o arco contracurvado, provavelmente pela falta de espaço, limitado, para o arquitecto o poder executar e porque o espaço em si também é marcado pela simplicidade.

Na construção da igreja da Lapa não esteve adjacente o objectivo da ostentação e da grandeza, porque numa primeira instância, não foi sede de paróquia.

613 Ver Anexo I, Imagem nº 207.

614 Op. cit., ibidem, fl.153v. Ver Anexo II, doc. nº36. 615

A imagem da Senhora da Lapa foi transferida para a Basílica da Estrela, onde se encontra actualmente na Sacristia. A igreja da Basílica foi convertida em sede da paróquia no século XIX e na Igreja da Lapa foi colocada uma Nossa Senhora do Carmo, que aliás deu o nome ao actual lar de Nossa Senhora do Carmo da Lapa.

É caracterizada sim por uma simplicidade que apenas serviria para o culto quase privado de um recolhimento.

Ainda no altar-mor, este possui duas tribunas, uma delas com acesso directo ao recolhimento616.

Sobre esta questão do recolhimento, a primeira função do corpo anexo seria o de albergar os órfãos e desamparados do Terramoto de 1755. Mas, por altura da elevação da nova freguesia e do aumento da capela-mor, o infante D. Pedro terá decidido construir um convento como afirma o padre Dorta:

“(...) Mandarão os irmãos fazer as paredes/ e sua Magestade ornar a Capella Mor com aquela decencia como tem/ estado athe agora que a manda desmanchar para a fazer major/ e manda fazer hum convento, e já tem dado para fundo quasi/ trinta mil cruzados(...)”617

O pequeno convento construído618, anexo à igreja, possui a sua ligação pelas tribunas e por uma porta de acesso à sacristia que conduz a um pátio já pertencente ao espaço conventual.

O que tinha sido anteriormente um recolhimento de amparo aos órfãos e viúvas do terramoto tinha agora dado lugar, por força das circunstâncias e da recente elevação da igreja a paróquia, a um pequeno convento, em tudo muito semelhante, como veremos, a uma espécie de réplica em menor escala do convento da Estrela.

O arquitecto responsável pelo convento, embora a documentação não o refira especificamente, terá sido Mateus Vicente, encarregue mais uma vez pelo Infante D. Pedro, que assim pensou em dedicar este espaço à veneração de Nossa Senhora da Lapa e do Santíssimo Sacramento.

Alguns desafios se colocaram ao arquitecto: o espaço era exíguo para um convento e correspondia ao terreno cedido pelo infante para o primitivo recolhimento. Desta forma, Mateus Vicente teve que converter a antiga casa que

616 Ver Anexo I, Imagem nº 208. 617

Op. cit., ibidem, fl.153v. Ver Anexo II, Doc. nº36.

618

Actualmente encontra-se nesse espaço o Lar de Nossa Senhora do Carmo da Lapa no r/c e 1ºandar. No segundo andar um jardim-de-infância e as dependências da Junta de Freguesia da Lapa.

serviu de amparo aos órfãos e às recolhidas num pequeno convento, que provavelmente albergou as mesmas pessoas, agora segundo a regra da Ordem Terceira da Lapa.

Possui o espaço conventual da Lapa um claustro que anteriormente tinha um tanque, depois removido619. Este claustro está revestido de azulejos, cuja temática fundamental incide no Santíssimo Sacramento620, na Eucaristia e na temática carmelita.

Ainda no claustro a existência de uma fonte, com as características do traço de Mateus Vicente, uma carranca inserida no típico “M”, usual no traço habitual do arquitecto, fonte essa ligada ao lago que existiu em tempos.

A azulejaria apresentada no átrio de entrada do convento e no claustro, sugere uma proximidade cronológica com o convento e Basílica da Estrela621. Afinal, são obras contemporâneas e próximas na sua localização. As cores utilizadas nos azulejos são as mesmas que foram escolhidas para o convento da Basílica da Estrela, sobretudo no átrio da entrada do convento da Lapa622

O convento ocupa um piso térreo correspondente ao claustro e um primeiro andar com as celas das freiras, actuais quartos do lar de Nossa Senhora do Carmo da Lapa.

Uma ampla escadaria em cantaria,623 que subsiste ainda hoje, dá acesso ao que seria o andar nobre do convento624.

A entrada para esta escada não se faz pela igreja, mas sim pela Rua da Lapa. Logo na entrada um registo de Nossa Senhora da Lapa625, único em todo o espaço e na referida escadaria os azulejos com motivos decorativos, de efeito vegetalista.626.

619 Ver Anexo I, Imagem nº 212 e 213. 620 Ver Anexo I, Imagem 214 e 215. 621

Ver Anexo I, Imagens nº 216 e 217.

622

Ver Anexo I, Imagens comparativas nº 216, 217 e 218.

623

Ver Anexo I, Imagem nº 219.

624

Este primeiro andar corresponde actualmente a uma creche e jardim-de-infância. No piso térreo, como já referimos, encontra-se o lar de apoio à 3ª idade, Nossa Senhora do Carmo da Lapa.

625 Ver Anexo I, Imagem nº 220. 626

O convento possuía ainda duas capelas que se situavam no claustro627, bem como um refeitório e cozinha que serviam as freiras e tinha ligação com o pátio de acesso ao interior da igreja.

De referir as janelas existentes nas paredes da igreja, que vistas por este pátio, apresentam um forte gradeamento a atestar a separação e a protecção do espaço conventual628

A igreja e o convento anexo da Lapa, representam uma pequena obra “assistencial” do infante D. Pedro, que pretendeu proteger e dar continuidade ao culto da Senhora da Lapa, cuja imagem escapou ao Terramoto e cuja comunidade e habitantes, que clandestinamente edificaram as suas casas em terrenos da Casa do Infantado, acabaram por criar uma nova paróquia e, consequente, bairro da Lapa.

627

As capelas não existem actualmente mas a sua configuração subsiste, de acordo com as imagens que apresentamos. Anexo I, Imagem nº 214 e 215.

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