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Igualdade de tratamento e a subalternidade do trabalhador migrante

D) Decreto lei 406 1938 que reforça a não permissão de inaptos para o trabalho e nocivos

3.2 PARADOXOS CONTRADIÇÕES, E AVANÇOS NA LEGISLAÇÃO MIGRATÓRIA BRASILEIRA.

3.2.2 Igualdade de tratamento e a subalternidade do trabalhador migrante

A relação entre migração para o trabalho, nos documentos analisados tem como ponto de partida a definição de quem pode ser considerado e admitido como trabalhador migrante. Em que pese disporem sobre o tratamento igualitário entre trabalhadores migrantes e nacionais, em sua maioria, os instrumentos trazem algum tipo de distinção que coloca os trabalhadores migrantes em uma condição de subalternidade e/ou de restrição de direitos.

Tanto a convenção 97 como a Convenção n 143 da OIT compreendem o trabalhador migrante como “toda pessoa que emigra de um país para outro com o fim de ocupar um emprego que não será exercido por sua própria conta”. Já a Convenção de UNU de 1990, da qual o Brasil não é signatário, amplia essa concepção contemplando também o "trabalhador independente", considerado como aquele que “ganha a sua vida através desta atividade, trabalhando normalmente só ou com membros da sua família”, ou seja: que exerce uma atividade remunerada não submetida a um contrato de trabalho.

No Brasil, a nova lei de migração contempla a possibilidade de o imigrante obter visto e residência para o trabalho, sendo que este deve ser concedido ao imigrante que venha exercer atividade laboral com ou sem vínculo empregatício. Todavia, o imigrante deve comprovar80 a

oferta de trabalho formalizada por pessoa jurídica em atividade no país. Até mesmo os sujeitos sem vínculo empregatício81 precisam comprovar a oferta de trabalho. Somente dispensada a

necessidade desta comprovação se o migrante comprovar titulação em curso de ensino superior ou equivalente. Destaca-se que o favorecimento daqueles que possuem curso de nível superior evidencia um tratamento desigual, que soa até mesmo como discriminatório.

Conforme Pereira (2019), no Brasil prevalece a visão de que a migração considerada “qualificada” precisa ser acolhida por contribuir com o país. A visão receptiva da migração qualificada está associada a um perfil de migrante proveniente dos países do centro do capitalismo que possuem ensino superior e que ocupam os postos de trabalho com os maiores níveis salariais. Contudo, não são raros os migrantes senegaleses, haitianos, cubanos que

80 No acordo de residência do Mercosul o país deve conceder residência provisória por 2 anos, sendo que após esse período a pessoa tem que comprovar “meios de vida lícitos” para transformar a residência provisória em permanente.

81 Restringe aos sujeitos sem vínculo as seguintes atividades: “auxílio técnico ao governo – acordo de cooperação internacional, prestação de serviço de assistência técnica ou transferência de tecnologia, representação no país de instituições financeiras, representação de pessoa jurídica de direito provado, sem fins lucrativos, treinamento profissional junto a subsidiaria, filial ou matriz brasileira, atuação marítimo, realização de estágio ou intercambio profissional, exercício de cargo, função ou atribuição que exija residência por prazo indeterminado, realização de auditoria ou consultoria, , atividade como correspondente”.

possuem uma qualificação laboral extrema e, mesmo assim, são recepcionados com expresso ou velado preconceito racial e econômico (PEREIRA, 2019, p.82).

A necessidade de comprovar contrato de trabalho não condiz com a realidade dos massivos fluxos migratórios que ingressam no Brasil no último período. Esses, em sua maioria, são compostos por sujeitos que vivenciam situações de desemprego e de crise econômica, cuja migração constitui-se na busca por melhores condições de vida através da venda da força de trabalho. O mais contraditório ainda é que tais exigências não condizem com as transformações operadas no mercado de trabalho global e, no Brasil, em conjunto de reformas implantadas a partir do processo de reestruturação produtiva. Com a flexibilização dos contratos, o crescimento do trabalho informal e o incentivo ao empreendedorismo, vem se constituindo uma classe trabalhadora cada vez mais ampla, heterogênea, fragmentada e complexa, que não pode ser restrita ao operariado formal. As exigências da Nova Lei e seu decreto de regulamentação destoam da atual realidade do mercado de trabalho típica da acumulação flexível.

Outro aspecto a ser ressaltado é o paradoxo entre a igualdade de tratamento e a distinção entre trabalhador nacional e trabalhador migrante. Os instrumentos internacionais, ao mesmo tempo que dispõem sobre igualdade de tratamento, trazem algum tipo de distinção entre o trabalhador migrante e o trabalhador nacional, de forma a colocar os primeiros em condição de subalternidade. A convecção 97 da OIT, por um lado, garante o direito igualitário, por outro, dispõe que “antes de autorizar a introdução de trabalhadores migrantes, a autoridade competente do território de imigração deverá certificar-se de que não existe nesse território número suficiente de trabalhadores disponíveis capazes de realizar trabalho”. A convenção 143 da OIT coloca que o país poderá restringir o acesso a certas categorias limitadas de emprego e de funções quando tal for necessário ao interesse do Estado. Nesse mesmo sentido, a declaração da ONU de 1990 também coloca a possibilidade de restrição desde que exija o interesse do Estado e esteja previsto na legislação nacional.

A nova lei da Migração garante a igualdade de tratamento, superando a noção do antigo Estatuto do Estrangeiro que prioriza a defesa do “trabalhador nacional”, enfatizando a dicotomia Nacional versus Estrangeiros. Todavia, no processo de aprovação da Nova Lei foi vetada a possibilidade de ocupação de cargo, emprego e função pública por migrantes, contradizendo o princípio de igualdade de tratamento. Um dos principais avanços da lei em relação a igualdade de tratamento foi possibilitar a “direito de reunião para fins pacíficos” e “direito de associação, inclusive sindical, para fins lícitos”, superando o estatuto do estrangeiro, o qual dispunha que:

O estrangeiro admitido no território nacional não pode exercer atividade de natureza política, nem participar de desfiles, passeatas, comícios e reuniões de qualquer natureza no Brasil, submetendo o infrator à pena de detenção de 1 (um) a 3 (três) anos e expulsão do País (BRASIL, 1980)

Ou seja, até 2018, o país manteve uma legislação que se encontrava em contradição com a Declaração Universal dos Direitos Humano82, Constituição de 198883, com a Convenção da

97 da OIT84, aprovada em 1965 no Brasil, e todos os demais instrumentos internacionais

relacionados à temática e que enfatizam o direito e a liberdade, à associação e participação sindical. Mas, em que pese esse notório avanço, os direitos políticos continuaram restritos, não permitindo aos migrantes votarem e serem votados.

Sayad (1998) enfatiza que a dicotomia entre estado permanente e provisório e a presença do migrante total e logicamente subordinada à inserção no mercado de trabalho, vincula-se a ilusão de neutralidade política, tanto “a neutralidade que se exige do migrante, mas tal como ela se impõe no próprio fenômeno da imigração (e da emigração), cuja natureza intrinsicamente política é mascarada, quando não é negada”, em proveito de uma única função econômica” (p.19). Ademais, a não garantia da participação eleitoral facilita a inclusão do discurso xenófobo nas plataformas eleitorais, sendo que os prejudicados por ele não possuem o direito ao voto.

3.3 PACTO GLOBAL E TENDÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS E A MIGRAÇÃO COMO