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PARTICULARIDADES DO TRABALHO MIGRANTE NO BRASIL

3. TRABALHO E MIGRAÇÃO NO BRASIL PERIFÉRICO

3.1 PARTICULARIDADES DO TRABALHO MIGRANTE NO BRASIL

A particularidade do trabalho migrante no Brasil está diretamente vinculada às particularidades do desenvolvimento do capitalismo do país e o lugar que este ocupa na divisão internacional do trabalho. Uma das principais características é a natureza conservadora das mudanças, pois a hegemonização do capitalismo como modo de produção dominante e suas sucessivas transformações ocorreram sempre de forma a preservar as estruturas econômicas vigentes. O padrão agrícola nacional, por exemplo, seguiu os caminhos da modernização da grande propriedade agrícola sem qualquer alteração na estrutura fundiária.

O processo de urbanização e industrialização, por sua vez, ocorreu atrelado ao modelo agrícola agroexportador, sem confronta-lo efetivamente. Essas particularidades foram, nos estudos marxistas, sobre a formação socio-histórica brasileira, relacionadas com os conceitos

67 PNAD Contínua: taxa de desocupação é de 12,7% no trimestre encerrado em maio. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/21583-pnad- continua-taxa-de-desocupacao-e-de-12-7-no-trimestre-encerrado-em-maio. Acesso em: dezembro de 2019 68 PNAD Contínua: taxa de desocupação é de 11,8% e taxa de subutilização é de 24,6% no trimestre encerrado em julho de 2019. Editoria: Estatísticas Sociais. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala- de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/25315-pnad-continua-taxa-de-desocupacao-e-de-11-8-e-taxa-de- subutilizacao-e-de-24-6-no-trimestre-encerrado-em-julho-de-2019. Acesso em: dezembro de 2019

de modernização conservadora, cunhado por Moore Jr ou capitalismo de via prussiana nos termos de Lenin. Outro aspecto importante é a antecipação das classes dominantes aos movimentos reais ou potenciais dos trabalhadores, buscando sempre manter o controle e a ordem nas transformações, o que Gramsci denominou “revolução passiva”. Dessa forma, reforçam-se os processos de mudança conservadora, na medida que as massas são excluídas dos processos de mudança.

Conforme Prado Junior (2004), o latifúndio de monocultura extensiva voltado para a exportação solidificou o lugar do país de fornecedor de artigos de exportação, na forma de matérias-primas na divisão internacional do trabalho. Essa dominância do modelo agroexportador é produto da conjugação de uma série de fatores de produção a baixo custo, especialmente da força de trabalho que possibilitou a produção de matérias-primas baratas, atendendo aos interesses do capitalismo central para onde eram direcionadas essas mercadorias (SANTOS, 2017)

Outra particularidade da formação do capitalismo brasileiro é o prolongamento da escravidão, considerando que o trabalho escravo possibilitava intensa espoliação da força de trabalho e a elevada apropriação de valores nas mãos dos proprietários de escravos. O processo abolição foi realizado de forma “a não abalar os alicerces, os privilégios, a base, que não tocava na essência do modo de produção (SODRÉ, 1976, p.159). A classe escravista buscou socializar ao máximo as perdas dos escravos, transformando-a em uma dívida nacional através da indenização, enquanto a população, até então escravizada, viu-se alijada do acesso à terra e até mesmo da constituição do trabalho assalariado. Cabe destacar que as elites também temiam a revolta da população negra, considerando processos vivenciados em outros países como a revolução dos negros no Haiti em 1791, o primeiro levante a abolir o trabalho escravo.

Nesse contexto de uma abolição feita de forma inconclusa e, resguardando os interesses dos setores dominantes, é elaborada uma política de incentivo à vinda de migrantes europeus para fornecer mão de obra assalariada com a finalidade de desenvolver o modo de produção capitalista. Assim, a partir da segunda metade do século XIX, na iminência da abolição da escravatura, o Brasil utilizou das teorias racialistas para justificar uma política de recepção seletiva de migrantes no país. Conforme Brito:

Dissimulando a questão racial, difundiu-se pela sociedade brasileira a cultura do homem pobre, fruto da miscigenação, como um “caipira”, um “preguiçoso”, um “indolente”, em síntese, alguém com pouca aptidão para o trabalho. Na transição para a economia capitalista no Brasil, isso significava um atestado de marginalização, pois nem a força de trabalho, a única propriedade dos mais pobres, tinha algum valor. Ao contrário dos imigrantes “brancos e industriosos” que deveriam suprir, segundo as

elites, as necessidades do mercado de trabalho da economia cafeeira capitalista (BRITO, 2013, p. 83).

Nesse aspecto, o Brasil buscava mudar a sua imagem fomentando a vinda de migrantes que auxiliariam no desenvolvimento do país em detrimento da população negra que era associada ao atraso e ao subdesenvolvimento. Dessa forma, conforme Ramos (1999), todo período da imigração de massas creditou-se ao sujeito branco, pois, na tentativa de construir uma raça brasileira, por um lado o Estado incentivava a imigração Europeia, por outro, restringia ou interditava aqueles povos considerados inferiores. Buscava-se mudar o fenótipo da população brasileira, pois com base no social-darwinismo os pensadores imaginaram uma “seleção natural” em direção à vitória do “elemento branco” tido como superior. Portanto, prevaleceu uma política baseada em migrantes “desejáveis” e “indesejáveis”, que excluía os nãos brancos, os considerados inaptos para o trabalho, “vagabundos” e aqueles se apresentavam como um risco para a segurança nacional.

Um marco desse período é a Lei nº 601/1850, denominada Lei de Terras, que regulamenta o estabelecimento de colônias de nacionais de estrangeiros, autorizando o Governo a promover a colonização estrangeira. Com a lei de terras, as chamadas “terras devolutas” (aquelas que não tinham dono e não estavam sob os cuidados do Estado) não poderiam ser obtidas somente por meio da compra junto ao governo (BRASIL, 1850). Não por acaso, a Lei de terras foi promulgada no mesmo período da Lei Eusébio de Queirós, que determinava a proibição do tráfico de escravos em território brasileiro. Ao transformar as terras devolutas em mercadoria e legitimar posse de terra, criaram-se obstáculos ao acesso à pequena propriedade rural, inviabilizando o acesso à terra às camadas populares, especialmente a população até então escravizada. Também dificultava a posse dos imigrantes, geralmente europeus empobrecidos e sem recursos, tornando-se propensos a fornecer sua força de trabalho para a grande lavoura de café (MENDES, 2009). A curto prazo funcionou como um mecanismo de sujeição da força de trabalho nas grandes fazendas cafeeiras e a médio e longo prazos contribuiu significativamente para solidificar uma abissal desigualdade social e racial no Brasil.

Após a promulgação da Lei de Terras uma série de instrumentos foram criados a fim de institucionalizar políticas migratórias no Brasil, sendo os principais:

A) Decreto 528/1890 de abertura dos portos da república, torna livre a entrada de indivíduos

válidos e aptos para o trabalho, não sujeitos ação criminal do seu país, com exceção de “indígenas da Ásia, ou da África”, que somente poderiam ser admitidos com autorização do

impedir o desembarque destes indivíduos, bem como dos mendigos e indigentes, e prevê

multa e punição para os comandantes que os trouxeram.