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Vigência do securitaríssimo com a criminalização da migração

D) Decreto lei 406 1938 que reforça a não permissão de inaptos para o trabalho e nocivos

3.2 PARADOXOS CONTRADIÇÕES, E AVANÇOS NA LEGISLAÇÃO MIGRATÓRIA BRASILEIRA.

3.2.1. Vigência do securitaríssimo com a criminalização da migração

A entrada irregular foi historicamente tratada de forma a criminalizar os migrantes sujeitos a prisão, expulsão e deportação. A partir da perspectiva da soberania do estado, cria-se distinção entre os migrantes aceitos de forma regular e que podem gozar de determinados direitos, e os que não tem permissão de estadia, os irregulares. Uma das polêmicas evidenciadas na análise dos documentos internacionais está relacionada ao reconhecimento dos migrantes em situação de irregularidade como sujeitos de direitos, incluindo o direito a regularização migratória.

No quesito da migração irregular, a legislação de refúgio possui uma concepção avançada na medida que compreende que não se deve aplicar sansões em virtude da entrada e permanência irregular no território nacional uma vez que a vida e a liberdade do sujeito estiveram ameaçadas. A Lei Brasileira adere essa concepção dispondo que “o ingresso irregular no território nacional não constitui impedimento para o estrangeiro solicitar refúgio às autoridades competentes” (art. 8º) e a “solicitação, suspenderá qualquer procedimento administrativo ou criminal pela entrada irregular” (art. 10°) (BRASIL, 1997).

Já na legislação migratória os documentos internacionais foram avançando timidamente no sentido de incluir o migrante ilegal como sujeito de determinados direitos. A Convenção n 143 da OIT, dispõe sobre o direito do trabalhador migrante:

“(...)nos casos em que a legislação não tenha sido respeitada e nos quais a sua situação não possa ser regularizada de “beneficiar pessoalmente, assim como a sua família, de tratamento igual no que diz respeito aos direitos decorrentes de empregos anteriores em relação à remuneração, à segurança social e a outras vantagens” (OIT, 1975, art. 9°)

Nessa mesma linha, a declaração do Mercosul dispõe que “as sanções aos que empreguem nacionais das partes em condições ilegais não afetarão os direitos que correspondam aos trabalhadores imigrantes” (BRASIL, 2009). Já a Convenção da ONU, sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros de Suas Famílias, ao utilizar a palavra todos, inclui os migrantes independentemente de sua situação migratória – esse instrumento vai além, pois ela coloca para o Estado a necessidade de “tomar as medidas adequadas para evitar que a situação de irregularidade se prolongue”, e sugere que estes “considerem a possibilidade de regularizar a situação dessas pessoas” (ONU, 1990). Em suma, de forma muito tímida, os documentos avançam no sentido de descriminalização e trato humanitário do imigrante irregular.

A nova lei da migração77, por sua vez, abarca entre os princípios: a não criminalização

da migração, a não discriminação em razão dos critérios ou dos procedimentos pelos quais a pessoa foi admitida em território nacional, a promoção de entrada regular e de regularização documental e o repúdio às práticas de expulsão ou de deportação coletivas. Destaca-se também o artigo 123 que preceitua que “ninguém será privado de sua liberdade por razões migratórias, exceto nos casos previstos nesta lei” (BRASIL, 2017).

Todavia, o decreto regulamentar, contradiz ao texto da lei, quando, por exemplo, utiliza a expressão “imigrante impedido ou clandestino”. Conforme Pereira (2019), o termo é digno de rechaço e repúdio, uma categoria que não vem sendo utilizada há tempos no ordenamento jurídico. Assim como “ilegal”, os termos “impedido” e “clandestino” são considerados discriminatórios por carregam a desconfiança dos que estariam for a da lei, sendo que a presença

77 Apesar de possuir uma aparência mais humanizada a lei manteve, ainda que de forma menos implícita, a perspectiva de criminalização dos migrantes se conservou, inclusive porque se manteve a atuação da Polícia Federal como única agência responsável pelo gerenciamento da migração. Conforme Decker (2017): a imigração continua sendo um problema de polícia, na medida em que não se prevê a criação de uma instituição que organize as políticas, “como se a própria lei, de alguma forma, resolvesse imediatamente todas as questões” O risco, em última análise, é que caberia somente à Polícia Federal a definição de quem é, ou não, legal, o que vai de encontro à premissa de proteção dos direitos humanos ( p.79 ).

desses sujeitos tende a ser interpretada como ofensa criminal e não como infração administrativa. Outro ponto questionável do Decreto nº 9.199/17 é o artigo 211 que abre a possibilidade da decretação de prisão do deportando e/ou imigrantes em situação irregular78,

expressamente ignorando o artigo 123 (BRASIL, 2017).

Destaca-se, ainda, no artigo 27 sobre a concessão de visto, o qual dispõe que não seja concedido “a quem, no momento de solicitação comportar-se de forma agressiva, insultuosa ou desrespeitosa para com os agentes do serviço consular brasileiro”, abrindo margens para arbitrariedades e para a retomada da distinção entre migrantes desejáveis e indesejáveis.

Não bastassem os retrocessos destacados acima, em 25 de julho de 2019, foi publicada uma portaria pelo Ministério do Estado e da Segurança Pública que busca “regular o impedimento de ingresso, a repatriação, a deportação sumária, a redução o cancelamento do prazo de estada da pessoa perigosa para a segurança do Brasil”. Essa portaria foi minunciosamente analisada pela DPU através de uma Nota Técnica que, entre outros fatores, critica: a) o rol vago de hipóteses da expressão “pessoa perigosa”; b) as hipóteses de conhecimento e avaliação do que seria pessoa perigosa, as quais incluem informação de inteligência proveniente de autoridade brasileira ou estrangeira; c) a criação do termo “deportação sumária”, sem nenhuma relação com o tipo de deportação prevista na Lei e no Decreto79; e d) a imposição de sigilo sobre os motivos da medida, atentando contra os princípios

do contraditório e da ampla defesa. Em suma, como evidência a DPU, trata-se de:

(..) preceitos jurídicos indeterminados e extremamente abertos em que qualquer migrante ou visitante indesejado, por razões não publicizadas possam serem impedidos de entrar no território, ou ainda serem deportados sumariamente sem a garantia efetiva do processo legal, com possibilidade de prisão que sequer é admitida na legislação vigente (DPU, 2019).

Percebe-se que o processo de aprovação e, especialmente, de regulamentação e efetivação da Nova Lei da Migração no Brasil, não superou as características históricas da política migratória. Se o texto foi aprovado, representava certo avanço na perspectiva dos direitos humanos, atualmente sendo impostas uma série de regulamentações sem debate com a sociedade civil que evidenciam tratar-se de mais um processo de transformação conservadora.

78Em face do dispositivo que permite o delegado da Polícia Federal representar perante o juízo federal pela prisão ou por outra medida cautelar.

79 A lei prevê a deportação em relação ao migrante irregular, mas é obrigatória notificação prévia para saída voluntária com um prazo de 60 dias e o Decreto 9. 199/ 2017 estipula um processo de deportação com a garantia mínima do contraditório. Já a deportação sumária estipula um período de 48 horas para a pessoa se defender.

Essas alterações que ocorrem no sentido da criminalização estão em consonância com os avanços do neoconservadorismo em escala mundial. A consolidação da visão da imigração como problema de segurança nacional e sua vinculação com o terrorismo foi largamente difundida pelos países centrais no último período e ganhou fôlego especialmente após os atentados de 11 de setembro de 2001. Disseminada pelos Estados Unidos através dos grandes meios de comunicação, essa doutrina exerce influência nos países periféricos induzindo a sensação de que é necessário “proteger as fronteiras”.

Como é desenvolvido no capítulo anterior, as políticas restritivas e criminalizastes cumprem o papel de encobrir as reais causas das migrações e a responsabilidade dos países – especialmente os países centrais-nos conflitos, guerras e crises econômicas que impulsionam os fluxos migratórios. Também possibilitam criar a sensação de ameaça permanente para justificar um “estado de permanente exceção” e justificar medidas que, de outro modo, seriam facilmente rechaçáveis. Ademais, conforme Costa e Amaral (2017), é útil situar como causa dos sentimentos e frustrações das pessoas afetadas pela crise, a presença estrangeira, apresentando, como solução lógica, medidas de controle das fronteiras, com o uso do direito penal.

Destaca-se que a criminalização atinge diretamente o trabalhador migrante deixando-o mais vulnerável a superexploração do trabalho, violações de direitos trabalhistas e condições análogas à escravidão. O medo de ser deportado tende a levar os migrantes em situação de irregularidade a não denunciarem as condições em que são submetidos. O fortalecimento do migrante como “pessoa perigosa” sujeita a deportação contribuiu para uma existência amedrontada que inibe a organização, mobilização e luta por direitos. Como sintetiza Minecussi (2015) “a criminalização das migrações e dos migrantes é o fundamento de uma “tanatopolítica”, que lucra – em termos econômicos, políticos e sociais – pela negação sistemática dos direitos fundamentais dos povos em fuga” (p.8).

O Brasil, em certos momentos tentou ir na contramão dessas políticas, através da atuação do Conselho Nacional de Imigração (CNIg) e na concessão de anistias aos imigrantes em situação irregular (1981, 1989, 1998 e 2009), além da discussão de uma nova lei de migrações centrada nos direitos humanos (COSTA; AMARAL, 2017). Mas apesar destes esforços e considerando o cenário de ofensiva neoconservadora no processo de regulamentação da Nova Lei, prevalecem os resquícios autoritários e restritivos relacionadas à criminalização da migração.