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ii O I Milénio – Fenícios, Gregos, Cartagineses e Gaditanos

No documento Vidro Pre Romano Norte Portugal (páginas 85-91)

IV. 3 Os Principais Agentes do Comércio Vidreiro

IV.3. ii O I Milénio – Fenícios, Gregos, Cartagineses e Gaditanos

Abordaremos aqui, apenas aqueles que terão sido os principais interlocutores do comércio com o ocidente peninsular, a partir do segundo quartel do I milénio a.C., deixando, propositadamente, de fora povos como os Etruscos que tiveram grande importância e chegaram a ser uma das grandes potências Mediterrânicas mas que não terão desempenhado um papel tão relevante no que concerne ao comércio com o ocidente da Península Ibérica.

Os conhecimentos existentes relativamente a este período são, exponencialmente, superiores devido à existência de muito mais abundantes fontes escritas, para além das arqueológicas.

Assim, a partir dos inícios do I milénio a.C., os Fenícios iniciam um avanço de cariz colonizador rumo ao Ocidente. Os mais antigos assentamentos fenícios na Península Ibérica datam entre 800 a.C. e 750 a.C (Gadir/Cádiz). Tal como aconteceu relativamente aos seus predecessores, o interesse dos Fenícios eram os metais, particularmente, a prata (abundante na área tartéssica), o ouro e o estanho, sendo este último essencialmente proveniente do Noroeste e da Beira Interior (Alarcão, 1996: 19).

Os Fenícios vão estabelecer entrepostos próprios, ou articular-se com povoados indígenas localizados ao longo da costa portuguesa, nos estuários ou no curso dos principais rios, no sentido de apoiar um comércio de cabotagem: Castro Marim e Bensafrim (Algarve); Sines (Alentejo); Alcácer do Sal (Foz do Sado); Alcáçova de Santarém (curso do Tejo) e Santa Olaia, Tavarede e Chões de Alpompé, na Foz do Mondego (SILVA, 1990: 145 e 147).

Após a queda de Tiro, em 573 a.C., Cartago, que era uma antiga colónia tíria fundada em 814 a.C., assumiu, ou herdou, o papel da sua cidade-mãe bem como a sua vocação comercial, assumindo-se como uma potência, não apenas nessa vertente, mas também a nível militar, no Mediterrâneo, até à sua destruição por Roma, em 146 a.C..

O papel de Cartago não foi, no entanto, tão hegemónico como havia sido, nas centúrias anteriores, o dos seus antecessores Fenícios devido, em grande medida, à existência de outros povos na região, nomeadamente, os Gregos, os Etruscos e, posteriormente, os Romanos.

As movimentações comerciais dos Gregos no Mediterrâneo Ocidental são, por motivos óbvios, abundantemente referenciadas pelos autores clássicos. Heródoto, por exemplo, aborda a expedição de um navio de Colaios, confiado a Corróbio pelos Sâmios e que terá alcançado as Colunas de Hércules (Estreito de Gibraltar) e chegado mesmo a Tartessos (Tavares, 2001: 18). Para além dos Sâmios, também os Fócios são referenciados pelo mesmo autor clássico, que nos diz ter este povo fundado Marselha (Massália), cerca de 600 a.C. e encetado, também, contactos com Tartessos (Tavares, 2001: 19). Os fócios desenvolveram, efectivamente, intensa actividade comercial com o

território ibérico, em particular com a costa levantina e terão tido confrontações com os Cartagineses, vencendo-os mesmo, segundo nos diz Pausânias, numa batalha naval.

É, efectivamente, a este povo de origem grega que se deve atribuir, por exemplo, a difusão para a Península Ibérica de materiais gregos, designadamente, da chamada cerâmica ática que surge, em diversos contextos, ao lado da cerâmica púnica.

Para combater a ameaça fócia, os Cartagineses ter-se-ão aliado aos Etruscos conseguindo infligir-lhes, então, várias derrotas, entre as quais a célebre Batalha de Alália, em 535 a.C., nas costas da Córsega, segundo relato de Heródoto (I, 165). Esta batalha terá servido para demarcar as áreas de influência dos três intervenientes: os Etruscos terão ficado com a região de Itália, à excepção do Sul; os Gregos terão ficado impossibilitados de comerciar directamente com o Ocidente e os Cartagineses passariam a dominar esta última região do ponto de vista comercial. Esta situação não terá sido tão linear mas os Cartagineses terão, em todo o caso, passado a gozar de uma posição mais privilegiada no comércio com o ocidente peninsular, sendo que possuiam já um importante posto avançado para esse domínio na colónia de Ibiza, fundada em 635 a.C..

São várias as passagens dos autores clássicos que abordam a questão das navegações dos Fenícios / Cartagineses para Ocidente, de que são exemplo o relato de Diodoro da Sicília ou os périplos de Hanão e Himilco (Tavares, 2001: 22). A viagem de Himilco, que navegou para o Norte, seguindo as costas da Península Ibérica, chegou até ao nosso conhecimento devido ao relato de um outro autor, Rúfio Festo Avieno e à sua Ora

Maritima, obra do século IV d.C., que tem por base um périplo do último quartel do

século VI a.C., atribuído a um marinheiro massaliota, que poderá ter sido Eutímenes. Este périplo descreve a viagem marítima de Tartessos até Massília, mas integra várias referências relativas às costas atlâniticas, à Bretanha (Estrímenes), a Tartessos e às ilhas da Irlanda e da Grã-Bretanha. Deixemos, então, aqui uma passagem da Ora Marítima:

“Entre os Tartéssios havia o costume de negociar nos confins das Estrímnidas. Também os colonos cartagineses, e o povo que habitava junto às Colunas de Hércules, frequentavam estes mares que, no dizer do cartaginês Hímilco, apenas em quatro meses – como ele próprio afirma ter verificado, quando aí navegou – podem ser percorridos…”.

Esta citação é, também, um bom ponto de partida para abordar o papel que os próprios Gaditanos, ou Tartéssios, terão desempenhado no tráfego comercial entre o Mediterrâneo e a costa atlântica, questão que foi tema de um trabalho recente de Martín Almagro-Gorbea e Mariano Torres Ortiz (Almagro-Gorbea e Torres Ortiz, 2009: 113- 142). Como vimos, a citação da obra de Avieno refere que os Tartéssios, bem como

“…o povo que habitava junto às Colunas de Hércules…”, costumavam desenvolver

actividade comercial, com alguma regularidade, com as Estrímnidas (Ilhas Britânicas). Almagro-Gorbea e Torres Ortiz, seguem esta linha e falam de uma “Colonização Tartéssia”, com base na análise que fazem de dados, essencialmente, arqueológicos e linguísticos. Para estes autores, o papel directo das populações originárias do Mediterrâneo oriental no processo colonizador, para lá das Colunas de Hércules, terá sido reduzido ou mesmo inexistente, tendo o mesmo sido desempenhado pelos Tartéssios que terão funcionado como intermediários e principais agentes do comércio com as regiões atlânticas, em que se inclui a costa portuguesa, referindo, a este propósito, a própria presença dos Turduli Veteres, na região a Sul do Douro (Almagro- Gorbea e Torres Ortiz, 2009: 129).

González–Ruibal (González-Ruibal, 2004 e González-Ruibal et alii: 2007), abordou, especificamente, a temática do comércio mediterrânico com o Noroeste Peninsular na Idade do Ferro de forma, particularmente, aprofundada. Para este autor, é possível distinguir três momentos de importações mediterrânicas para o mundo galaico no I milénio: 1) comércio com Fenícios e, sobretudo, Tartéssicos (s. IX-VI a.C.); 2) comércio púnico (s. V-II a.C.); 3) comércio romano (s. I a.C. – I d.C.).

No entanto, salienta que o processo de transição entre o comércio dominado pelos púnicos para o verdadeiramente controlado pelos romanos não foi simples pois, como referem as fontes clássicas, a rota do Noroeste terá prosseguido sob controlo gadirita (ou gaditano) durante todo o século II a.C.. A primeira expedição romana, documentada, às Cassitérides, terá sido conduzida por Públio Crasso, em 96 a.C. Segundo Estrabão (Estr. 3, 5, 11), Crasso divulgou as rotas para as terras do estanho aos que não as conheciam, designadamente, aos navegadores romanos que não estavam vinculados às antigas cidades púnicas do Estreito (Gibraltar). Efectivamente, até meados do século I a.C., o

comércio com o Atlântico, ter-se-á, em grande medida, mantido sob monopólio ou domínio gadirita (González-Ruibal et alii, 2007: 43-44).

V - O VIDRO PRÉ-ROMANO NA PENÍNSULA IBÉRICA

Agora que definimos a origem do vidro que chegou, no decurso da Proto-história, ao palco peninsular e definimos quais os prováveis agentes da sua comercialização e transporte, iremos passar a analisar os principais achados vítreos no ocidente peninsular.

Neste capítulo, abordaremos, de forma sumária, a presença do vidro no território espanhol e no Sul e Centro de Portugal, no sentido de fornecer alguma contextualização relativamente aos materiais exumados na área de estudo, que será analisada no capítulo seguinte.

No documento Vidro Pre Romano Norte Portugal (páginas 85-91)