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2 O comércio com o Noroeste Peninsular: entre o Atlântico e o Mediterrâneo

No documento Vidro Pre Romano Norte Portugal (páginas 131-134)

É um facto que, sobretudo a partir dos finais da Idade do Bronze, entre os séculos XII e IX a.C., “…um amplo leque de objectos circulou por um vasto espaço que abrange territórios compreendidos entre a Bretanha francesa e o Mediterrâneo Oriental e existem abundantes testemunhos de que a Península Ibérica, quer meridional, quer ocidental, foi tocada por esse processo.” (Arruda, 2008).

A generalidade dos investigadores considera que o peso “Atlântico” é particularmente significativo durante o Bronze Final, entre os finais do II milénio a.C. e o primeiro quartel do I milénio a.C.. Tratava-se de uma actividade comercial vocacionada, quase exclusivamente para itens de prestígio e mercadorias de grande valor, sobretudo metais. No território português são várias as evidências da influência deste comércio. Podemos citar, entre outras: a metalurgia de cariz mediterrânico de Baiões; a cronologia dos primeiros ferros encontrados no nosso território, a presença de algumas fíbulas, designadamente, as de arco multi-curvilíneo, etc. É sobretudo das regiões do interior de Portugal que provém os principais vestígios de cariz orientalizante mais antigos, vestígios esses que correspondem, maioritariamente, a elementos de adorno, como contas de vidro, fíbulas e pinças (Arruda, 2008: 357), datados entre os séculos XI e IX a.C.. Também o Noroeste Peninsular, de que faz parte a nossa área de estudo, se encontra inserido nesta vasta rede de intercâmbios cuja grande motivação foram, como já referimos, os metais, com particular destaque para o estanho, sobretudo nesta fase mais antiga (Senna-Martinnez, 2010: p.13-26).

Armando Coelho Ferreira da Silva chama a atenção para o papel que as influências e contactos de populações alógenas terão desempenhado na dinâmica evolutiva cultural na região. Como vimos, os estudos deste autor revelam que a etapa de formação da cultura castreja, na transição entre o II e o I milénio está relacionada com o desenvolvimento excepcional da actividade metalúrgica (Silva, 2007: 38) que, como já foi referido acima, parece ter originado uma implantação de povoados ex-novo em pontos estratégicos, maioritariamente em posições elevadas (outeiros e remates de esporões), de altitude média e bom controlo visual da paisagem envolvente. Esta implantação visava, sobretudo, o controlo das bacias fluviais e exploração de recursos naturais, designadamente, os mineiros, com destaque para o estanho e o ouro, e o domínio das principais vias de penetração e comercialização, o que revela a integração das sociedades do noroeste num sistema económico de largo espectro. (Silva, 2007: 38). O objectivo desta alteração estratégica relativamente à realidade conhecida para a fase anterior deveu-se, certamente, a uma necessidade, por parte das elites locais, de domínio do território e dos mecanismos de produção e intercâmbio dos produtos metálicos e dos recursos minerais da região.

Senna-Martinnez (Senna-Martinnez, 2010: p.13-26) constata esta mesma realidade na região da Beira interior, designadamante, no Grupo Baiões/Santa Luzia onde, a partir do último quartel do II milénio a.C., começam a surgir algumas peças e, sobretudo, modelos metálicos de origem mediterrânica, distribuídos por três categorias formais principais: as primeiras fíbulas; os primeiros objectos de ferro e os ponderais.

O principal motivo subjeacente a estes, tão precoces, influxos culturais mediterrânicos seria a, já abordada, procura pelos metais, particularmente, do estanho, necessário para a obtenção de bronze. Houve, certamente, entre as populações do mundo antigo, mediterrânicas e atlânticas, uma necessidade crescente de estanho, devido à generalização da tecnologia do bronze e à escassez ou inexistência deste minério em várias regiões. Tal situação terá conduzido à procura de um abastecimento regular (mesmo que em escala reduzida) deste metal. Refira-se que, sob a forma mineral de cassiterite (óxido de estanho) este metal ocorre nos “placers” aluviais desde as Beiras até ao Noroeste Peninsular (Senna-Martinnez, 2010: p.13-26)

Senna-Martinnez sugere que o desenvolvimento posterior “…da influência orientalizante durante os séculos VIII a VI a.C., de que é um bom exemplo o aparecimento dos “ports of trade” de Santarém e Santa Olaia…” traduzirá um esforço de intensificação de contactos com estas áreas interiores e produtoras de estanho por parte das populações do Mediterrâneo Oriental, à época, os Fenícios.

O desenvolvimento de uma capacidade produtiva de metal local em Santa Olaia (provavelmente, ferro) poderá ser, assim, encarado como uma solução alternativa ao fracasso das intenções iniciais. Se, à capacidade de produzir localmente ferro, se adicionar a possibilidade de captação de escravos como outra das suas actividades no

hinterland, em estreita relação com os seus “clientes” do âmbito litoral, tal torna possível a sua conexão com o processo de colapso deste mundo interior, o qual parece centrar-se nos séculos VII a VI a.C.. Por outro lado, tal facto explicaria por que os povoados litorais, face ao colapso dos interiores, continuam a desenvolver-se na Segunda Idade do Ferro com destaque para os casos do Crasto de Tavarede e Conímbriga (Senna-Martinez, 2010 13-26) e para a generalidade dos povoados da nossa área de estudo.

O estanho, como recurso estratégico no Mediterrâneo, terá, certamente, perdido importância com o desenvolvimento da metalurgia do ferro, situação que, em parte, coincide com o colapso fenício oriental, em meados do século VI a.C..

Esta realidade vai inverter-se no decurso do século V a.C. pois o desenvolvimento da marinha de guerra ateniense irá exigir para cada esporão de trirreme uma quantidade de 500 kg de bronze, que corresponde a cerca de 50 kg de estanho (Senna-Martinez, 2010: 22). A partir do séc. V a.C., segundo Heródoto, os Gregos obtinham a maior parte do estanho de que necessitavam através da colónia ocidental de Massília onde este metal chegava a partir das Cassitérides (Bretanha e Sul das Ilhas Britânicas).

De resto, a pressão grega no Mediterrâneo Ocidental irá colidir com os interesses de Cartago que se vê, também, obrigada a desenvolver a sua armada, voltando a necessitar de estanho.

É, assim, neste quadro de busca dos recursos metalíferos que não abundavam no mundo antigo, em que ainda não haviam tecnologias suficientemente avançadas para possibilitar o alcance de veios minerais mais profundos, que se enquadram os achados, quer de cunho atlântico, quer mediterrânico, que se registam no ocidente peninsular entre os finais do II milénio e os finais do I milénio a.C., de que fazem parte, igualmente, os achados vítreos.

É, efectivamente, a partir do século V a.C., de acordo com o quadro que apresentámos, que se generalizam os achados vítreos na região do Noroeste Peninsular, designadamente, das contas de vidro (González-Ruibal, 2004: 40).

No âmbito do comércio púnico-gaditano com a região galaica, determinados sítios costeiros terão funcionado como verdadeiros emporia, atraindo o comércio de longa distância para a região e filtrando apenas uma parte dos bens para as regiões do interior. Segundo Ruibal e outros autores, estes emporia permitiriam a negociação local dos significados das importações, funcionando um pouco como centros de teste às mesmas, sancionando ou recusando as novidades (González-Ruibal, 2004: 40).

No documento Vidro Pre Romano Norte Portugal (páginas 131-134)