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III — CARACTERIZAÇÃO E IMPORTÂNCIA

PRINCÍPIOS INFORMATIVOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO

III — CARACTERIZAÇÃO E IMPORTÂNCIA

Vê-se do já exposto que o agente público se caracteriza por estar investido em uma função pública e pela natureza pública dessa função. Logo, para caracterizar o agente público, são necessários dois requisitos:

b) natureza pública da função. Com efeito, só se tem agente público quando alguém está investido em uma função pública e se a natureza dessa função for pública.

A noção, ampla e abrangente, dos agentes públicos é funcional, daí sua importância. A partir dela, podem-se identificar suas espécies e extremar, com rigor, a categoria dos servidores públicos, conhecer e determinar o que seja autoridade para fins de impetração de mandado de segurança, ação popular e para fins de responsabilidade do Estado.

IV — PODERES

A par das atribuições hierárquica, disciplinar, vinculada e discricionária. Chamadas, comumente, de poderes administrativos, estudadas nesta

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obra nos momentos oportunos porque da essência das matérias ali analisadas. a doutrina cuida do poder de polícia e do poder regulamentar, ou, como preferimos, da atribuição de polícia e da atribuição regulamentar, cujos regimes são vistos no Capítulo IV, ao qual remetemos o leitor. Esses são os poderes de que se valem os agentes públicos no desempenho de suas funções.

V — USO E ABUSO DO PODER

O ordenamento jurídico de qualquer país dá tratamento diverso aos interesses públicos e privados. Por essa razão, acaba desigualando, e é natural que isso aconteça. a atuação dos titulares desses interesses, pois reconhece à Administração Pública poderes que não são usualmente desfrutados pelos particulares. Assim ocorre com a possibilidade que tem a Administração Pública de impor, unilateralmente, obrigações aos administrados (servidão administrativa). ou de executar seus próprios atos (interdição de prédio que ameaça ruir), respeitados, quando for o caso, os interesses patrimoniais dos alcançados por essas medidas.

Submete-se, então, a Administração Pública, por estar essencialmente voltada à realização dos interesses da coletividade — os únicos que deve perseguir — a um regime peculiar de atuação que lhe atribui ônus, restrições e sujeições ao lado de poderes que lhe permitem, adequadamente, cumprir suas finalidades.

1. A razão do poder

Do escorço introdutório já se infere a razão do poder que a doutrina, sem qualquer vacilação, reconhece a favor da Administração Pública. De fato, só se concebe esse poder como instrumento adequado para o exato e eficiente cumprimento das finalidades

a que. segundo o ordenamento legal. se propõe a Administração Pública alcançar. Com ele. equipa-se ou habilita-se a Administração Pública para a obtenção de seus fins.

É o que preleciona Celso Antônio Bandeira de Melio (Curso. cit.. p. 193). ao precisar que. “por meio de umas e de outras, pretende-se equipá-la adequadamente para o exato e eficiente cumpnmento de sua razão de ser”. e. logo adiante. esse mesmo autor oferece. a título de remate. a seguinte afirmação: “Tanto as limitações que a tolhem como os favores que a adornam não visam senão a conformá-la e habilitá-la ao rigoroso alcance de

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seus fins”. Outra não é a orientação de Hely Lopes Meirelles. ao explicitar que cada agente administrativo é investido da necessária parcela de poder público para o desempenho de suas atribuições.

Eis. Assim, na necessidade de se instrumentar a Administração Pública para “o cumprimento de sua razão de ser”, o porquê dos poderes que lhe são conferidos. De sorte que não constituem benefícios ou vantagens concedidos à Administração Pública por ser órgão do poder. nem lhe são outorgados. como privilégios, pelo simples fato de ser a “força governante”. como assevera. incisivamente, Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso. cit.. p. 193). São. isto sim. meros instrumentos de trabalho.

2. O uso do poder

O uso do poder. prerrogativa da Administração Pública, não é incondicionado ou ilimitado. Seu uso. para ser legal. há de ser normal. Assim, usar normalmente o poder significa. de acordo com Hely Lopes Meirelles (Direito administrativo. cit.. p. 94). “empregá-lo segundo as normas legais. a moral da instituição, a finalidade do ato e as exigências do interesse público”.

A esse entendimento cabe trazer — não só porque com ele se ajusta. mas em razão da sustentação que lhe dá — a lição de Celso Antônio Bandeira de Melio (Curso. cii.. p. 194). Afirma esse autor que: “No Estado de Direito, já se vê. nenhum desses poderes é incondicionado. Nem mesmo se poderia dizer que existem sempre. Com efeito, o caráter instrumental das prerrogativas da administração desde logo lhes desenha teoricamente o perfil. Sejam quais forem os meios jurídicos especiais que ataviam o desempenho da função administrativa, nenhum existe como favor concedido à própria Administração. Em verdade, são favores concedidos aos interesses públicos: à função desempenhada e não ao sujeito que a desempenha. Eis por que unicamente persistem quando relacionadas com a proteção deles”. Destarte, o uso do poder só se

legitima quando normal, isto é, quando aplicado para a consecução de interesses públicos e na medida em que for necessário para satisfazer tais interesses.

3. A expressão “abuso de poder”

O uso anormal do poder é circunstância que torna ilegal. total ou parcialmente. o ato administrativo ou irregular a sua execução. Na primeira hipótese. há desvio de finalidade ou excesso de poder, conforme a ilegalidade

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seja total ou parcial. enquanto. na segunda. há abuso de poder. Num quadro sinótico o que se afirmou fica assim:

a) total — desvio de finalidade 1.ilegalo ato b) parcial — excesso de poder

2. irregular a execução do ato — abuso de poder

Essas expressões (desvio de finalidade, excesso de poder e abuso de poder). a par de outras (desvio de poder. abuso de direito e abuso de autoridade) encontráveis entre os autores especializados, quase sempre indicam a mesma realidade, isto é, o uso anormal do poder ou, como afirma Celso Antônio Bandeira de Mello. um defeito do ato administrativo em face da legalidade.

Desse entendimento discrepam os autores que empregam a expressão “abuso de poder” para indicar o gênero e as locuções “desvio de finalidade” e “excesso de poder” para indicar as espécies. Esses especialistas acabam. com esse procedimento. por sistematizar a matéria, e isso convém ao Direito. Há, para os que assim procedem. abuso de poder quando a autoridade. embora competente. excede os limites de sua atribuição legal ou se desvia de suas finalidades administrativas. Essa é a lição de Hely Lopes Meirelles (Direito administrativo. cit., p. 94). Ainda desse sentir é José Creteila Júnior (Anulação do ato administrativo por desvio do poder. Rio de Janeiro. Forense. 1978, p. 16). ao explicitar que o abuso seria empregado em sentido mais genérico: desvio e excesso. em sentido mais específico.

Outros assemelham a noção de abuso de direito dada pelo Direito Privado com a de abuso de poder oferecida pelo Direito Administrativo. Desse modo pensam André de Laubadère (Traité élémentaire de droit administratif. Paris. 1953, p. 389). René Foingnet (Manuel élémentaire de droitadministratif 12. ed.. Paris. 1926, p. 648). Manoelde Oliveira Franco Sobrinho (Atos administrativos. São Paulo. Saraiva. 1980, p. 227) e Marceilo Caetano (Manual de direito administrativo. 4. ed.. Coimbra. Coimbra

Ed.. 1956, p. 482). em oposição aos que ressaltam as diferenças existentes entre essas noções, como faz Gaston Jèze.

Cremos. apesar desses esforços. que a matéria ainda não está perfeitamente delineada, pelo menos perante o nosso ordenamento jurídico. e que as expressões “abuso de poder”. “excesso de poder” e “desvio de finalidade” devem, como ocorre na prática. expressar realidades distintas.

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4. Caracterização

Perante o nosso ordenamento jurídico positivo, não se pode ter como vício de legalidade do ato administrativo o abuso de poder. como querem. entre outros. Luiz Eulálio de Bueno Vidigal (Mandado de seguranca. RE 139:43). Seabra Fagundes (O controle dos atos administrativos pelo Pode, Judiciário. 4. ed.. atual.. Rio de Janeiro. Forense, p. 271) e Carlos Medeiros Silva (Parecer. RE 209:53). Tampouco se pode ter o desvio de finalidade e o excesso de poder como espécies de abuso de poder. Cada uma dessas expressões encerra realidade distinta, cabendo à doutrina distingui-las. Distingamos. pois. o abuso de poder da ilegalidade, e o abuso de poder do excesso de poder e do desvio de finalidade, já que só assim se conseguirá compreendê-los corretamente.

O Direito brasileiro, a começar pelas Cartas Constitucionais federais. como faz a atual no art. 5. LXIX. sempre distinguiu. ao tratar do mandado de segurança. a ilegalidade do abuso de poder. Reprime-se o ilegal e o abusivo. De outro modo: condena-se o ato ilegítimo tanto quanto a execução de ato válido. ou ilegal. realizada com abuso de poder. E a lição de Manoel de Oliveira Franco Sobrinho (Atos administrativos. cit.. p. 222). quando. com precisão. afirma que o problema. na sua origem, é constitucional. porque a lei maior. ao mesmo tempo que fala de ilegalidade, condena igualmente o abuso de poder”. A ilegalidade diz respeito ao ato em si mesmo. O ato ilegal é o que não se conforma com a lei que o autoriza. Há um flagrante descompasso entre um (ato) e outra (lei). O abuso de poder diz respeito à execução do ato. Esta é que é viciada ou irregular.

O desvio de finalidade e o excesso de poder são defeitos do ato. em face da legalidade, que se submetem a regimes diferentes. Ocorre desvio de finalidade quando o agente exerce sua competência para alcançar fim diverso do interesse público. Vale dizer: o agente público que somente pode praticar ato ou agir voltado para o interesse

público acaba por praticar ato ou atuar para satisfazer a um interesse privado. É o que se passa quando o agente público desapropria, para vingar-se de seu desafeto político, proprietário do bem expropriado. ou quando determina a construção de uma escola para valorizar o plano de loteamento de seu correligionário. Nessas hipóteses costuma-se dizer que o desvio de finalidade é genérico: o interesse passa de público para particular.

Ainda há desvio de finalidade quando a autoridade administrativa vale- se de um dado instrumental jurídico destinado por lei a alcançar certo fim para obter outro. ainda que de interesse público. É o que aconteceria se determinada a troca semestral da cédula de identidade. cuja finalidade diz

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respeito à segurança pública, mediante o pagamento de uma taxa visando aumentar a receita pública, ou quando se institui a zona azul. cuja finalidade é a ordenação do tráfego e do trânsito. também com o fito de aumentar a arrecadação pública, ou. ainda, quando o agente público se vale de desapropriação para recuperar bens litigiosos, conforme já decidiu o STF (RDA. 114:258). Nessa hipótese há patente desvio de finalidade, que leva a nulidade ao ato administrativo que o encerra.

Há excesso de poder quando o próprio conteúdo (o que o ato decide) do ato vai além dos limites legais fixados. O excesso amplia ou restringe o conteúdo. O disposto pelo ato excede o estabelecido pela lei. “No excesso”. diz Manoel de Oliveira Franco Sobrinho (Atos administrativos. cit., p. 215). “a Administração vai além do permitido. estendendo direitos, deveres e obrigações, favorecendo interesses ou retirando faculdades. inobservando a norma legal e as condições extrínsecas nela prescritas”. O mesmo entendimento é oferecido por Themístocles Brandão Cavalcanti e Ore ste Ranelletti. Exemplifiquemos: a lei prescreve que a permissão de uso de bem público só pode ser outorgada a título precário, mas o agente outorga- a por certo prazo. Também há esse vício quando a lei estabelece que qualquer concessão de serviço público só pode ser outorgada sem exclusividade. mas o agente público celebra o contrato de concessão com essa cláusula. Mais um exemplo: a lei permite a entrada de qualquer pessoa em dado recinto público. o ato. no entanto. veda o ingresso de mulheres. Nesses exemplos ocorreu a ilegalidade conhecida por excesso de poder.

Apesar da aparente similitude dos vícios conhecidos por desvio de finalidade e excesso de poder. as duas figuras não se confundem. No desvio de finalidade o ato administrativo é ilegal por inteiro. Não há como aproveitálo. E ato nulo e. como tal. é assim entendido pela doutrina e pela jurisprudência. No excesso de poder não se dá o

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