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4. A profissão médica e sua atuação social

2.4 III Conferência Nacional de Educação (CNE-1929)

A III CNE ocorreu no período 7 a 15 de setembro de 1929 em São Paulo e possuía como presidente da Comissão Executiva Fernando Magalhães e dois de seus membros eram Paula Souza e Francisco Figueira de Mello. Inicialmente, a conferência tinha como foco o ensino secundário; entretanto, segundo Carvalho (1998, p.355),

A Diretoria da Instrução Pública de São Paulo fica incumbida, após acordo com Magalhães, da organização da Conferência. Deste acordo resulta novo temário para o evento, que deixa de dedicar-se exclusivamente à escola secundária.

O evento foi estruturado de acordo com os seguintes temas: 1- Finalidade do ensino secundário, 2- Defeitos da legislação brasileira, relativamente ao ensino secundário, 3- Como formar a opinião pública sobre a vantagem de um ensino secundário efficiente – base da cultura média do paiz, 4- Disseminação do ensino secundário pelo Brasil, 5- Responsabilidade dos pais na deficiência da instrução secundária no país. Meios de combater essa deficiência, 6- Combate ao analfabetismo na zona rural, 6- A organização e disseminação das escolas primárias em face dos recursos financeiros, 7- A instituição das Escolas Normais Livres. Seu papel na formação do professorado primário, 8- A iniciativa particular na organização das escolas primárias e profissionais. Meios de provocar e intensificar essa iniciativa, 9- A Educação Sanitária. Sua organização e função. A instrução sanitária através da Escola, 10- Trabalhos realizados no país sobre a escola ativa (documentação e estatística), 11- Nacionalização da escola ativa. Adaptação dos métodos estrangeiros às escolas brasileiras, 12- Meios de provocar a revelação das vocações técnicas profissionais, 13- A organização universitária brasileira (Congresso Nacional de Educação - CNE, 1930).

As sessões de Educação Sanitária foram realizadas em três dias e tiveram como seu presidente o Dr. Waldomiro de Oliveira, Diretor do Serviço Sanitário de São Paulo, e uma das secretárias foi Maria Antonieta de Castro.

Foram apresentadas 18 teses relacionadas ao tema. Dessa totalidade apenas sete foram publicadas nos anais e cinco foram analisadas neste trabalho em virtude de tratarem sobre educação, saúde e higiene.

O primeiro trabalho foi apresentado pelo Dr. Francisco Figueira de Mello, chefe da Inspetoria de Educação Sanitária e Centros de Saúde de São Paulo, que tratou da Inspetoria de Educação e Centros de Saúde: sua organização e

finalidade.

Destacou o papel ocupado pelo órgão paulista pela

bôa reputação que desfructa, no conceito publico, é a eloquente demonstração da actuação salutar, que vem desenvolvendo pelos seus processos educativos e instructivos, da grande massa, bem como a assistencia medico-sanitaria, proficientemente dispensada á população. (Mello, 1930, p.627)

A afirmação de Figueira de Mello destacava a inovação do serviço, subsidiado por um modelo de educação e assistência, que tinha como finalidades: “a) formação da consciencia sanitária da população pela instrucção e educação sanitárias; b) assistencia sanitária” (Mello, 1930, p.633).

Criada na gestão de Paula Souza como diretor do Serviço Sanitário de São Paulo, o médico destacou que, inicialmente criticada, a Inspetoria tornara- se órgão imprescindível para a difusão da higiene no Estado, alargando seu raio de ação. A “hygiene é o elemento fundamental da saúde” (Mello, 1930, p.629).

A função de difundir a higiene cabia à educação sanitária, ensinando crianças, mães e alunos a praticar os conhecimentos adquiridos fortalecendo sua saúde e preparando-se para o futuro promissor que o investimento na saúde traria. Nesse sentido, os concursos de robustez realizados em São Paulo tinham como finalidade estimular as mães a cuidar da saúde de seus filhos sendo, também, “uma demonstração pratica de quanto podem a Hygiene e a Puericultura na formação da Raça” (Mello, 1930, p.629).

Higiene e eugenia aliavam-se no propósito de educar a população paulista e idealizar um futuro promissor que começasse a ser semeado nas crianças que se tornariam os futuros homens e cidadãos da pátria. Ao analisar

a eugenia Mota (2003, p.16) apontou que ela “vinha afirmar a normatividade da higiene para ajustar a vida social das populações urbanas, alargando consideravelmente aquele campo de ação”.

O lugar comum e ideia recorrente na fala de médicos e professores era a comparação da difusão da educação sanitária ao lançamento de sementes em terreno fértil. Ao tratar desses concursos de robustez e assinalar a vitória da educação alimentar das mães sobre a anterior ignorância, Mello (1930, p.632) destacou que

(...) nesse ponto, atiradas á terra fertil de São Paulo, em que medram todas as grandes iniciativas, a semente da eugenia, (...), concorrendo, desse modo, para a constituição de uma

sociedade mais sã, mais moralizada, em summa, uma humanidade equilibrada, composta de individuos fortes e

bellos, elementos de paz e de trabalho.

Acentua-se, em sua tese, as iniciativas desenvolvidas em São Paulo concernentes à saúde pública e educação da população em relação ao restante do Brasil; ao destacar vocábulos como sociedade e humanidade, Mello referia-se a um local específico e não a todo o Brasil. Era a partir da capital paulista que o modelo de serviços, organização e educação sanitária, dentre outros, seriam disseminados aos demais estados brasileiros. “A Educação sanitária semeia, a raça colherá o fruto” (Mello, 1930, p.644).

Oscar Guelli, Inspetor do 55.º Distrito Escolar de São Paulo, no texto

Educação Sanitária: sua organização e funcção – A instrucção sanitaria através da escola, destacou o papel da educação sanitária e o da higiene:

A educação sanitaria como ninguém ignora, tem por fim familiarizar o publico com as noções de hygiene individual e collectiva. E a vantagem dessa familiaridade é dita e pregoada pela propria divisa da hygiene: cuidar da saúde é poupar a vida! Hygiene é, portanto, qualquer cousa como cautela, como prevenção. E isso e mais. Quem contestará que prevenir é mais acertado e mais efficaz que corrigir? Por isso, antes da prophylaxia medicamentosa, importa-nos a prophylaxia higienica. (Guelli, 1930, p.670)

Sem definir o que entendia por higiene, simplificando no discurso o que não era simples na ação, Oscar Guelli pontuava sua fala com base nos argumentos de médicos e educadores, pois era preciso mais preservar do que remediar, educar do que curar.

Assim, como Almeida Júnior no trabalho apresentado no III Congresso Brasileiro de Higiene, em 1926, Oscar Guelli não via a necessidade de saber especializado para a educação higiênica das crianças, pois constituía-se em algo corriqueiro. Os saberes especializados só deveriam ser utilizados em casos que o exigissem, pois os que o detinham, além de onerarem o Estado não existiam em grande quantidade como os professores.

O Dr. Decio Parreiras, Presidente do Departamento Fluminense da ABE, apresentou a tese Educação Sanitária e tratou sobre a utilização de bons modos sanitários que não possuía relação direta com a aquisição de conhecimento acadêmico. A obtenção de conhecimento escolar não significa, necessariamente, ter noções de higiene e saber aplicá-las. “(...) em materia de hygiene, mesmo entre os fartamente cultos, mesmo entre os medicos, é notavel o atrazo em que vivemos de muitas dezenas de annos, pouco se tendo avantajado á epoca pasteuriana” (Parreiras, 1930, p.674).

O Dr. Parreiras referia-se à crença, ainda existente, das pessoas e dos clínicos na teoria dos miasmas, na qual os odores fétidos acarretavam doenças e, com isso, não consideravam ou desconheciam as descobertas de Pasteur69. Nem a imprensa escapou de sua crítica, “orientadora da opinião publica, investe contra aquelles que não as querem attender” (Parreiras, 1930, p.674). Por falta de conhecimentos específicos em saúde pública ou higiene, calcadas em uma perspectiva de medicina curativa, muitas pessoas ainda acreditavam em teorias ultrapassadas. Por meio de sua crítica compreendia-se, ainda mais, o papel que higienistas e sanitaristas deveriam ocupar naquele período, o saber específico deveria distingui-los de outros médicos, de sua própria classe, fazendo-os agir de forma diferenciada em relação à saúde ou à doença.

Dentro da profissão sanitaria ha as autoridades que relegam para um segundo plano as medidas prophylacticas de emergencia, entregando-se á multa e punição, por exemplo, dos fraudadores dos generos alimentícios, pelo addicionamento do milho ao café, o que, absolutamente, não interessa ao problema sanitário e quando muito aos fiscaes da Prefeitura, não respeitada em suas disposições regulamentares. (Parreiras, 1930, p.674)

Por meio de uma proposta eugênica o médico acreditava que a

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Associação Brasileira de Educação poderia intervir junto ao Estado para que este, sem coacção, pelos meios suasorios e educativos, viesse conseguir a realização do exame pré- nupcial, já que elle visa interesses individuaes e sobretudo da raça. (Parreiras, 1930, p.676)

Em nome da ABE carioca, Parreiras propunha uma ação mais efetiva em relação aos casamentos, para assegurar, legalmente, a normalidade da raça e evitar sua degeneração. O argumento utilizado pelo médico pressupunha a ação nacional que a Associação queria garantir ao difundir as ideias eugenistas no período, evidenciando que se o sanitarismo e a educação higiênica não fossem suficientes era necessário tomar medidas mais efetivas, de ordem restritiva ou preventiva. Ao analisar os procedimentos utilizados pelos defensores da eugenia, Mota (2003, p.43-44) afirmou:

As estratégias eugênicas formuladas no Brasil, advindas do campo da ação da higiene, deveriam estar de acordo com aquelas adotadas por outros países, que tinham uma ação teórica e prática, por exemplo os Estados Unidos e a Europa no sentido de constituir homens de „raça elevada‟ e de utilizar diversos dispositivos para barrar e impedir o surgimento daqueles considerados inferiores e ameaçadores aos projetos nacionais. Por esses motivos, todo o esforço eugênico teria de se fazer de dois modos: por ação negativa ou restritiva e por ação positiva ou construtiva.

A ação eugênica restritiva abrangia três medidas fundamentais: a regulamentação do casamento, a segregação e a esterilização. (...)

A ação eugênica construtiva estava baseada sobretudo na educação higiênica e na propaganda dos princípios de eugenia e hereditariedade. Vale destacar a importância do exame médico pré-nupcial, que deveria ser largamente divulgado e mais tarde exigido por lei70.

No texto Escola de Saúde, Maria Antonieta de Castro, analisou o trabalho da educação sanitária, destacando a escola como “centro irradiador da Saude de nossa gente. Tem que ser o nucleo revigorador da Saude da nação (Castro, 1930, p.720). Os fundamentos da consciência sanitária seriam lançados, tendo a educadora sanitária como agente propagador, elo entre a escola e os Centros de Saúde, concorrendo para que a criança:

a) conserve, melhore e preserve a saude;

b) constitua, junto á família, um instructor e propagandista sanitário;

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c) seja um laço de ligação entre a família, os serviços do dispensario sanitario e social e os serviços de hygiene escolar; d) constitua, futuramente, elemento capaz de implantar, em sua família, a consciencia sanitaria e seja factor poderoso na implantação da Educação Sanitária. (São Paulo apud Castro, 1930, p.728)

Por meio de comportamentos que favorecessem a aquisição de hábitos saudáveis, a educadora sanitária contribuía com o professor primário que, na maioria das vezes, não possuía seus conhecimentos, e com os médicos que não tinham formação pedagógica, além de ter a função específica de proporcionar educação higiênica às crianças e às famílias, necessitando de uma auxiliar para esse trabalho.

A ciência, na hierarquia, estava acima de muitos outros saberes e, portanto, o médico ocupava lugar social de destaque. No trabalho

Considerações sobre hygiene e inspeção médico escolar: A educação sanitaria através da escola, a Dra. Carmela Juliani, da Assistência Médico Escolar de

São Paulo, afirmou que o médico, além do conhecimento científico, deveria possuir outras qualidades para salvar a raça brasileira.

O medico é o verdadeiro soldado e o verdadeiro abnegado! (...) (...) a medicina é profissão que exige dos que a abraçam, a verdadeira vocação e abnegação. Não póde e não deve ser medico aquelle que não possuir grande coração, e que não trabalha com o seu cerebro sempre unido, aquelle palpitando para o bem. Quem não possuir estas qualidades, será doutor, mas, não medico. (Juliani, 1930, p.707)

Em outro trecho do texto utilizou uma citação do médico Miguel Couto para destacar o que, para ela, representava o médico na sociedade.

Tu medico não terás nem patria e nem família, nem Natal, nem Paschôa e nem Anno Bom, onde estiver a doença tu estarás. Dormirás e comerás quando puderes, antes de tudo, porém, está o cumprimento do teu dever, de enxugar as lágrimas dos que choram de dor, mitigando, assim que puderes, os males dos teus semelhantes enquanto tiveres consciencia e vida. (Couto apud Juliani, 1930, p.715)

O médico, nos dois excertos aparece como missionário, que vive em função da sua vocação, e por isso faz jus à profissão que escolheu. Entretanto, a constituição de sua profissão não se dava em função de títulos, vaidades ou condição social, o médico era alguém que deveria atender àqueles que precisavam de seus conhecimentos.

A configuração do saber médico no intuito de forjar as ações escolares nas primeiras décadas do século XX contribui, de forma relevante, para os estudos historiográficos em que os campos da medicina e o da educação articulam-se. A utilização de dispositivos de controle, como visitas e inspeções, que procuravam atestar sua relevância e autoridade, possibilitou aos médicos consolidar-se, no período, como agentes sociais fundamentais para a conformação da população. Dessa forma, esses profissionais atuaram em diferentes espaços sociais, ampliando o campo de atuação e de especialização de seus conhecimentos. De acordo com Silva (2003, p.37):

Primeiro engenheiros e médicos clínicos, depois engenheiros que se tornaram sanitaristas, médicos que se tornaram cientistas, médicos que se tornaram estatísticos, médicos que se tornaram bacteriologistas ou microbiologistas e outros com objetivos em comum ou não, que se introduziam e povoaram os espaços da saúde paulista.

O controle e a mediação social realizadas pela área médica, nas primeiras três décadas do período republicano, por meio de campanhas de vacinação, criação de instituições de higiene, inspeções na escola, dentre outros, além de atender ao processo de industrialização, pelo qual o Brasil passava, principalmente, da década de 1930 em diante, destinavam-se aos novos parâmetros culturais europeus que aportaram nas grandes capitais, principalmente São Paulo e Rio de Janeiro. Entretanto outros fatores intervieram para o papel atuante que os médicos desempenharam, pois conforme Avelino (1993, p.142):

Não era apenas a realidade cultural que exigia cuidados médicos, os reclamos da Saúde Pública e da medicina preventiva também exigiam uma atuação mais efetiva do poder público, que se manifestou através da criação de instituições que pudessem controlar de maneira mais eficaz o que afligiam a população paulistana.

Uma das estratégias utilizadas para o controle da população brasileira e não apenas paulistana foi a utilização da escola para esse fim, principalmente por meio da educação primária. Assim, era necessário empreender, desde a mais tenra idade, ações que moldassem a criança em relação à moral e à higiene; mas, para isso, os professores deveriam mudar seus métodos,

adequando-os aos padrões médicos-científicos, para que pudessem formar consciências sanitárias.

Os trabalhadores das cidades necessitavam adquirir hábitos que os (con)formassem ao mundo moderno. Isso significava eliminar os hábitos inadequados aos padrões de civilização. Desse modo, como Silva (2003, p. 37) apontou:

A higiene, as doenças transmissíveis e epidêmicas e a busca pelo melhor meio de evitá-las, inscreviam-se num mundo multiplicado pelos processos e pelas demandas de modernização. A natureza passava a ser organizada em novos moldes. A idéia de civilização alterava os conceitos do que é natural, transformando o que era selvagem, desregrado, em algo que pode ser redimensionado e aperfeiçoado.

A concepção de moderno tornou-se fundamental para o ideário higiênico e sanitário difundido no período e também para o momento de industrialização e afirmação do capitalismo pelo qual o Brasil passava, ao conduzir as estratégias médicas que foram se estruturando ao final do século XIX e que se intensificaram a partir de 1920.71

Portanto, era necessário, repensar o moderno, segundo Herschmann & Pereira (1994, p.13),

a partir da explicitação de sua crise na contemporaneidade, examinando, entre outros aspectos, as formas de saber técnico-científico, especializado, que se constituíram na base desse paradigma moderno. Foram elas: a medicina (normatizando o corpo), a educação (conformando as “mentalidades”) e a engenharia (organizando o espaço).

Nessa perspectiva, era necessário reinterpretar o Brasil, levá-lo ao progresso por meio de profissionais formados para atender a esse fim, garantindo, conforme Silva (2003, p.38), “aos especialistas desse serviço a supremacia dos assuntos de saúde da população. As definições sobre a saúde sairiam da esfera do político e encaminharam-se para a competência do perito,

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Para Herschmann e Pereira (1994, p. 12-15) Enquanto na virada do século XIX para o XX a palavra de ordem é „civilizar‟, isto é, ficar em pé de igualdade com a Europa no que se refere a cotidiano, instituições, economia, idéias liberais etc., nos anos 30 a questão fundamental é realizar uma espécie de ajuste de contas entre o conjunto das idéias modernas e a realidade institucional no país; ou seja, adequar esta modernidade a um quadro institucional possível. No Brasil, [...] ao longo dos anos 20-30, quando afirmar-se “moderno”, por exemplo, é, antes que mais nada, tentar assumir um lugar prestigiado no debate científico e artístico [...], expressando também uma sintonia de certa forma obrigatória com determinado conjunto de questões nem sempre claras para os sujeitos sociais envolvidos.

do científico, portanto do pretensamente apolítico”. Cabe ressaltar que a pretensão apolítica dos médicos, se é que houve, não se revelou em suas ações que se destinaram a mudanças sociais e organização de propostas de intervenção na sociedade. Essa mudança ancorou-se em dois projetos que se articularam e convergiram: a educação e a saúde, pois ao longo da primeira metade do século passado, a higienização social ainda estaria muito presente nos discursos médicos.

Como já afirmado anteriormente, neste trabalho, não foi apenas em São Paulo, apesar de seu evidente protagonismo em relação à saúde, que os médicos realizaram ações significativas que configuraram um novo desenho social. No texto Uma forma de formação: médicos na escola profissional, Stephanou (1997, p. 293) analisou o período de 1919 aos anos de 1930, por meio da atuação do Departamento de Saúde da Escola de Engenharia de Porto Alegre, e identificou que

as estratégias de saneamento pela educação, no período em estudo, guardam especificidades no que se refere à população pobre. Era preciso higienizá-la, mas também purificá-la para fazer frente aos riscos da degeneração. Fez-se uma íntima associação entre o discurso higienista e os princípios eugenistas que, especialmente a partir dos anos 20, no Brasil, se disseminaram entre os cientistas-intelectuais do país.

Passa-se nos anos 20 uma preocupação maior com a identidade nacional, fortemente influenciada pela questão da saúde da população que gerou teorias sobre raça e herança colonial que “assumem crescente importância nas controvérsias intelectuais e científicas que marcam o último quartel do século XIX e as três primeiras décadas do século XX” (Lima; Hochman, 2004, p. 496).

Na década de 1930, a identidade nacional, por meio de obras de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Hollanda, apresentaram as análises interpretativas, e tornava-se premente refletir sobre a identidade do Brasil e de seu povo. Outras propostas e argumentos com relação à população brasileira resvalaram na degeneração social, na necessidade de pensar cientificamente propostas para embranquecer a população brasileira mestiça72. A eugenia,

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A tese do branqueamento racial ganha contornos positivos na década de 1920, e “a mistura racial era vista como causa, não de degeneração, mas de regeneração, porque levava a um

assim, começou a tomar corpo nas discussões entre os intelectuais nos espaços sociais como a escola, por exemplo.

A preocupação com a degeneração da raça engrossou os argumentos que elevavam a educação popular ao patamar de única solução. Através da educação seria possível concorrer para o „saneamento da raça, tornando-a forte e válida, capaz de vencer na grande competição mundial‟. (Stephanou, 1997, p. 293)

Assim, a medicina depositou na educação seus esforços para a regeneração da população, utilizando-se de um discurso similar ao utilizado pelos educadores que viam na escola o único instrumento capaz de modificar a sociedade73. Emblemático exemplo foi o de Borges Vieira, ao afirmar que “A medicina é antes de tudo um sacerdócio (...). Dos médicos brasileiros é sabida a abnegação com que sempre se portaram, merecendo as homenagens e reconhecimento das populações” (Vieira, 1928, p.158). Nesse sentido, a educação tornou-se um espaço de disputa em que médicos e professores concorreram.

Nos anos posteriores, esses discursos permaneceram? Como médicos e professores viam a saúde dos alunos? Vargas utilizou-se dos mesmos argumentos para justificar sua política social, educacional e sanitária?

Com base nesses questionamentos, no capítulo III foram analisados os discursos oficiais do governo federal, por meio de mensagens presidenciais e