PUC-SP
Maria Aparecida Augusto Satto Vilela
SEMEAR EDUCAÇÃO E COLHER SAÚDE:
1.º Congresso Nacional de Saúde Escolar
(São Paulo
–
1941)
Doutorado em Educação
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP
Maria Aparecida Augusto Satto Vilela
SEMEAR EDUCAÇÃO E COLHER SAÚDE:
1.º Congresso Nacional de Saúde Escolar
(São Paulo
–
1941)
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,como exigência parcial para obtenção do título de DOUTORA em Educação: História, Política, Sociedade, sob orientação do Prof. Dr. Kazumi Munakata.
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Dedico, especialmente, ao meu marido Marcus pelo amor sem limites.
AGRADECIMENTOS
O resultado de um trabalho de quatro anos de pesquisa permite o
entendimento de que uma tese, apesar de se constituir em uma produção
solitária, requer, no processo de pesquisa, a colaboração de vários atores.
Assim, este espaço é dedicado a retribuir, com gratidão, aos personagens que
contribuíram para sua elaboração.
Em primeiro lugar, agradeço imensamente ao meu orientador, Prof. Dr. Kazumi Munakata, pelo convívio, paciência, apesar das “broncas”, e dedicação. Sua forma de ver o mundo e, especificamente, o campo da pesquisa,
possibilitou-me repensar as minhas convicções.
Às professoras Heloísa Helena Pimenta Rocha e Circe Bittencourt,
membros da Banca para Exame de Qualificação, pelas sugestões
imprescindíveis, mostrando novos caminhos para esta pesquisa.
Agradeço aos professores Bruno Bontempi Júnior e José Geraldo
Silveira Bueno por terem participado, desde o início, da minha história no
Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política,
Sociedade. Vocês foram essenciais para a formação da pesquisadora e da
pessoa que sou hoje.
Agradeço ao meu marido que contribui, de forma incondicional, para que
este trabalho pudesse ser concluído, incentivando-me e propiciando-me
tranquilidade nos momentos em que mais necessitei.
Agradeço aos meus pais que, na simplicidade de sua compreensão
sobre o que é uma tese, sempre acreditaram na minha capacidade e
estimularam-me para que eu não desistisse diante dos obstáculos.
Aos meus irmãos que torcem pelas minhas vitórias e conquistas diárias
e sabem de todos os meus percalços.
À minha “sograsta” e à D. Adélia que, nos meus momentos de reclusão, colaboraram para que o Vítor não sentisse tanto a minha ausência, “substituindo-me” em vários momentos.
Aos meus filhos por participarem desta pesquisa por meio dos meus
Aos meus amigos, companheiros de luta nesse Doutorado, em especial
à Juliana que sempre se mostrou generosa e disposta a dividir as angústias e
as alegrias da pesquisa.
À Rosiméri, que me abrigou em sua casa durante quatro anos e que no
final da elaboração deste trabalho, acolheu-me definitivamente, cuidando para
que, além de alimentar o espírito, eu alimentasse meu corpo. Você é mais do
que uma amiga, é uma irmã.
À todos os professores do Programa de Estudos Pós-Graduados em
Educação: História, Política, Sociedade por contribuírem para a minha
formação acadêmica.
À Betinha, “Xuxuca”, pela atenção, disposição e carinho, sempre me socorrendo nos momentos em que mais precisava.
À todos os profissionais das bibliotecas e arquivos que visitei, em
especial, agradeço ao Roque do arquivo do Museu de Saúde Pública Emílio
Ribas e aos estagiários Camila, Márcia e Raphael do Centro de Memória da
Faculdade de Saúde Pública.
À Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais pela concessão
da licença do meu trabalho.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento e Pesquisa – CNPq, que me
concedeu uma bolsa de estudo e garantiu, financeiramente, o desenvolvimento
desta tese.
O campo da educação está à espera de
receber as boas sementes que germinem
realizações viçosas e aptas a preparar o Brasil
grandioso e forte de amanhã, capaz de
enfrentar galhardamente a incerteza dos dias
que vivemos.
E uma dessas sementes é a da educação da
RESUMO
Esta pesquisa tem como objetivos analisar a relação entre saúde e educação nos anos 1920 e 1940, assim como identificar os discursos oficiais do governo Vargas e os discursos utilizados por médicos e educadores em relação à saúde e à saúde escolar durante a periodização proposta. Para compreender o papel que o médico teve para a política educacional e sanitária do governo Vargas foram utilizadas como fontes primárias principais os anais do 1.º Congresso Nacional de Saúde Escolar. Tal evento contou com 1.264 profissionais, representantes, principalmente, do meio médico-educacional. Um dos objetivos do Congresso era reunir especialistas no assunto, o que foi alcançado plenamente pelo número de participantes. É possível identificar por meio da análise dos relatórios que a escola era, para médicos e educadores, um lugar de fundamental importância para a formação mais ampla dos alunos, no qual os aspectos físicos, morais e psíquicos deveriam ser contemplados. Essa educação integral, portanto, não cabia apenas ao professor, visto que o médico era o profissional que possuía a especialidade para cuidar da saúde e do aspecto físico e, porque não, moral do aluno. Por esses aspectos, ao aceitar que o 1.º Congresso Nacional de Saúde Escolar foi um espaço de convergência de temas médicos e educacionais pode-se compreender os médicos como especialistas que utilizavam seu saber e ocupavam socialmente uma condição de intelectuais especialistas (Bobbio, 1997), profissionais engajados e protagonistas sociais (Sirinelli, 2003).
ABSTRACT
This research has the purposes of analyzing the relationship between health and education in the 1920‟s and 1940‟s, and identifying the official speeches of the Vargas government and speeches used by physicians and educators in relation to health and pertaining to school health during the periodization proposed. To understand the role that the physician had for the educational and sanitary policy of the Vargas government were used as primary sources the annals of the 1 National Congress of School Health. Such event had the participation of 1.264 professionals, representatives, mainly, of the medical-educational environment. One of the purposes of the Congress was to reunite experts at the subject, which was fully reached by the number of participants. It is possible to identify by means of the analysis of the reports that the school was, for doctors and educators, a place of basic importance for the broader training of the students, in which the physical, moral and psychic aspects should be addressed. This integral education, therefore, did not fit only to the professor, since the doctor was the professional who owned the expertise to take care of the physical and, why not, moral health of the student. By these aspects, at accepting that the 1 National Congress of School Health was a space of convergence of medical and educational subjects, it can be understood the physicians as specialists who used their knowledge and occupied the social condition of intellectual specialists (Bobbio, 1997), engaged professionals and social protagonists (Sirinelli, 2003).
ÍNDICE GERAL
LISTA DE ILUSTRAÇÕES ... X LISTA DE TABELAS ... X
INTRODUÇÃO ... 11
1. Objeto e problema de pesquisa ... 17
2. Procedimentos metodológicos ... 19
3. Fontes ... 21
4. A profissão médica e sua atuação social ... 23
I – O PLANTIO DAS SEMENTES: a saúde escolar nos anais do Congresso ... 30
1.1 Descrição da organização e programação do Congresso ... 30
1.2 Os discursos sobre saúde e saúde escolar no 1.º CNSE ... 42
1.2.1 Propostas de organização e orientação de serviços ... 46
1.2.2 A saúde do escolar nos meios urbanos e rurais ... 57
1.2.3 Morbilidade e mortalidade no meio escolar ... 61
1.2.4 A educação sanitária nas escolas ... 68
1.2.5 Alimentação e nutrição dos escolares ... 74
1.2.6 Bases científicas para a restauração biológica dos débeis físicos ... 80
II – A ESCOLHA DO TERRENO PARA O PLANTIO: uma análise dos discursos sobre educação e saúde nos anos 1920 ... 87
2.1 III Congresso Brasileiro de Higiene (1926) ... 92
2.2 I Conferência Nacional de Educação (CNE-1927) ... 112
2.3.II Conferência Nacional de Educação (CNE-1928) ... 127
2.4 III Conferência Nacional de Educação (CNE-1929) ... 137
III – A PREPARAÇÃO DO TERRENO: os discursos oficiais e de periódicos dos anos 1930 e 1940 sobre educação e saúde ... 147
3.1 Os discursos oficiais do presidente Vargas e de seus ministros ... 153
3.2 Os discursos oficiais e não oficiais em periódicos e boletins ... 175
A COLHEITA: Considerações Finais ... 185
ARQUIVOS ... 205
FONTES ... 205
JORNAIS ... 217
LEGISLAÇÃO ... 217
REFERÊNCIAS ... 220
APÊNDICE A ... 228
APÊNDICE B ... 229
ANEXO A ... 241
ANEXO B ... 242
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Foto 1 - Exposição de Saúde Escolar ... 37
Foto 2 - Visita ao Interventor Federal de São Paulo ... 39
Foto 3 -Concurso de Robustez Infantil ... 166
Quadro 1 - Teses referentes à Educação Sanitária ... 128
Figura 1 - Organização do Departamento de Instrução Pública e Higiene Escolar ... 43
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Temas oficiais, trabalhos e autores ... 34Tabela 2 - Trabalhos dos Médicos nos grupos escolares ... 53
Tabela 3 - Trabalhos das Educadoras Sanitárias nos grupos escolares ... 53
INTRODUÇÃO
O tema desta pesquisa é a relação entre saúde e educação, durante os
anos de 1920 a 1940, por meio da análise dos discursos de médicos e
educadores no período, embasada em uma perspectiva histórica.
O interesse de pesquisar esta temática, a relação entre o saber médico
e o educacional, teve origem em minha pesquisa de Mestrado, na qual
investiguei as concepções de deficiência mental presentes nos artigos da
Revista Educação, no período de 1927 a 19461.
A escolha por investigar o tema deficiência mental ocorreu depois que
tomei conhecimento do Projeto de Pesquisa Educação e Saúde: a construção histórica da relação entre o fracasso escolar e a educação especial, coordenado por Bueno (1995), entre o 2.º semestre de 1993 e o 1.º semestre
de 1995, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Ao ler o referido projeto, pude perceber que até a década de 1950 do
século passado poucas ações foram realizadas em função da educação
especial. Segundo Bueno (1995, p. 3), “a partir dos anos 50 é que o Estado
passou a desenvolver efetivamente ações abrangentes no sentido da
diminuição do fracasso escolar e da oferta de escolarização a crianças excepcionais”.
A análise dos 27 artigos que tratavam sobre o tema revelou a intensa
intervenção dos médicos e psicólogos na educação, especialmente por se
apresentarem como autoridades legítimas a distinguir os normais dos anormais, os que teriam sucesso e os que fracassariam na escola.
Os médicos e os psicólogos tinham uma concepção biológica do que era
deficiência mental e apontavam que a hereditariedade era o fator
preponderante para a sua ocorrência e, consequentemente, irreversível.
Portanto, havia certo consenso em afirmar que o deficiente mental estava
fadado a não se desenvolver intelectualmente, pois, dada a fatalidade
1
A revista foi criada em 1927, como periódico oficial da Diretoria Geral da Instrução Pública e da Sociedade de Educação de São Paulo e circulou até 1961 Nesse período, seu título sofreu algumas alterações. “De 1927 a setembro de 1930, o periódico chamou-se Educação; de outubro de 1930 a julho de 1931, Escola Nova, de agosto de 1931 a dezembro de 1932,
Educação novamente e de 1933 a 1961, Revista de Educação (Lima, 2004, p. 231 grifo do
biológica, pedagogicamente não havia muito a ser feito. Persistindo a
divergência apenas sobre como denominar o deficiente mental e como
conceituar a inteligência.
Ao constatar que todos esses discursos eram afirmados como científicos
e, portanto, inquestionáveis pelos leigos, notei a importância do discurso
médico na educação e a necessidade de investigá-lo, a fim de compreender os
discursos educacionais e políticas a eles correspondentes, presentes no Brasil
do século XX. Ao investigar a produção em torno da educação brasileira,
identifiquei alguns trabalhos que contribuíram para as primeiras definições
desta pesquisa, dos quais extraio a seguir algumas informações e
interpretações pertinentes.
Rocha (2003) no livro A Higienização dos costumes: Educação escolar e saúde analisou, por meio do projeto do Instituto de Hygiene de São Paulo, os modelos de higiene difundidos pelos “homens de ciência” para a limpeza dos hábitos da população paulista no início do século XX.
Esses especialistas não foram considerados, nessa obra, como um
grupo uniforme, pois ao destacar as disputas existentes no Instituto de Higiene,
a autora permitiu compreender a posição política de muitos médicos, suas
alianças e os conflitos em relação às posições tomadas pela Fundação
Rockefeller ao utilizar como fonte as correspondências trocadas por
representantes da Fundação e do Instituto. A autora, entretanto, não se
restringiu a elas, utilizou processos, anais, atas, relatórios, teses, manuscritos,
separatas, folhetos e conferências, bem como textos divulgados pela imprensa.
Ela tratou também da política de formação sanitária das educadoras, por
meio da qual os médicos intervinham, de forma mediada, nas atividades
realizadas em sala de aula. Utilizou as fotografias para destacar os dispositivos
de formação das educadoras sanitárias, demonstrando o papel desempenhado
pelos médicos e professoras na educação das crianças no período de 1910 a
1920. Para tanto, analisou o uso de impressos destinados à formação das
crianças como as cartilhas, destacando sua materialidade e sua apropriação
nas escolas. A educação sanitária, nesse período, passou a não ter apenas o
propósito de curar ou prevenir; o objetivo era mais ambicioso, procurou-se a
A era do saneamento, de Hochman (1998), teve como ponto central a análise das políticas sanitárias na zona rural nos dois últimos decênios da
Primeira República. Tendo em vista essa proposta o autor procurou identificar o
momento, os motivos e as ações empreendidas para a saúde tornar-se um
bem público, gerida pelo governo federal, partindo da proposição de que as políticas destinadas à saúde pública foram relevantes “para a criação e o aumento da capacidade do Estado de intervir sobre o território nacional” (p.28). Entretanto, a maior intervenção do Estado e o fato de a saúde ter se
tornado um bem gerenciado por órgãos públicos estatais não impediram que
iniciativas individuais e coletivas se entrelaçassem às propostas de instâncias
oficiais, por meio da interdependência de ações coletivas de órgãos públicos ou
de entidades privadas.
Hochman (1998, p.29), por meio dessa perspectiva analítica, não
compreende a organização de políticas sociais como um “processo cumulativo, evolutivo e crescentemente indiferenciado”. Ao longo do processo de criação e implantação de leis destinadas ao acesso de serviços de saúde, a população
foi impactada por subterfúgios e programas, dentre outros, elaborados pelo
Poder Público, que o autor analisou em sua obra.
Outra obra importante e que contribuiu para a análise e interpretação
das fontes desta pesquisa foi Los laboratórios de la norma: medicina y regulación social en el estado liberal, de García-Alejo (2008), que estudou alguns espaços destinados a inculcar e ensinar os indivíduos e a sociedade a
como deviam se comportar, como os asilos para loucos e a escola. O seu
pressuposto é de que os conhecimentos científicos não podem ser entendidos
como neutros e a-históricos, sendo relevante analisar o contexto social,
histórico e geográfico em que seus preceitos foram elaborados, tendo em vista
que a profissão médica está condicionada aos aspectos sociais e políticos do
período em que for exercida.
Nesse sentido, ao analisar os saberes divulgados, por meio de
congressos, periódicos e boletins, foi importante compreender que se
destinavam a atender um momento específico pelo qual o Brasil passava. Os
saberes propagados pelos médicos constituíram uma nova linguagem que,
gradualmente, foi invadindo a sociedade brasileira, por meio de expressões
e do discurso de intelectuais e educadores que popularizaram esse
conhecimento.
Outra questão apontada por García-Alejo, relevante para este trabalho, é
o uso dos saberes científicos, supostamente inquestionáveis, e sua relação
com o poder, visto que os médicos colaboraram para a criação de regras de
disciplinamento e controle, configurando a sociedade da qual faziam parte,
ultrapassando os limites de sua especialidade e formação.
A criação dos primeiros cursos superiores de Medicina, em 1808, iniciou
outro período da história da medicina no Brasil; entretanto isso não significou,
inicialmente, o fim das controvérsias entre o que era considerada prática
charlatã e o que era conhecimento acadêmico e científico, visto que entre os
médicos formados havia divergências. Ao final do século XIX, práticas como as
rezas e o curandeirismo começaram a ser combatidas, pois não eram embasadas e legitimadas pela medicina. Desse modo, “o saber médico se autoconstituía como autoridade por meio da aplicação do par saúde/doença, que excluía outras práticas curativas como alienação” (Carvalho apud Gondra, 2004, p. 13).
Percebe-se que as últimas décadas do século XIX ainda foram de
disputa e afirmação da medicina como área de atuação de profissionais
formados em cursos de nível superior. Posteriormente, com o movimento
sanitarista no Brasil e a relevância da figura do médico como especialista na
área e detentor do conhecimento para curar os enfermos, o conflito
constituiu-se entre o conhecimento científico e o uso de saberes populares.
Em relação a espaços de interlocução entre os médicos, até 1930,
a única entidade médica [era] a Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo. [...] Além de espaço privilegiado de discussões médico-científicas e dos famosos „banquetes
hipocráticos‟ a sociedade se dedicava também à filantropia,
mantendo uma Policlínica [...] onde o povo era atendido gratuitamente. (ASSOCIAÇÃO PAULISTA DE MEDICINA - APM, 1996).
O papel social destinado ao médico, como detentor de um saber
considerado científico, foi consolidando-se, de fato, durante as primeiras
décadas da República, quando a própria classe médica notou a necessidade
doente e o delinquente. Esses indivíduos não correspondiam ao que os
republicanos esperavam dos cidadãos que iriam levar a Nação ao progresso.
Havia, nesse período, duas grandes tendências nas visões relativas aos
problemas do Brasil e suas respectivas soluções para o progresso: uma estava
relacionada a que este era um país doente, e que precisava de saúde; outra
era a de que este era um país ignorante que precisava de educação. O
higienismo veio articular essas duas propostas, ao utilizar a educação para
difundir práticas salutares de comportamento da população2.
As preocupações com a higiene escolar, presentes no século XIX, foram
intensificadas nas primeiras décadas do século XX, principalmente pela
atuação dos médicos. Para Gondra (2004), os médicos fundamentaram a “invenção” da escola, pois a educação escolar era considerada uma estratégia para transformar a sociedade brasileira em uma Nação civilizada3.
Nos anos de 1920, essa transformação, entretanto, não deveria se
destinar exclusivamente à educação escolar; era importante “produzir trabalhadores fortes, saudáveis e ordeiros” (Rocha, 2003, p. 45). Desse modo, era necessária a intervenção dos médicos e outros profissionais no cotidiano
das escolares e dos lares.
Procurou-se convencer os trabalhadores, por meio de um discurso
médico construído historicamente e legitimado socialmente, que suas famílias e
habitações precisavam ser saneadas, tornando-se limpas e higiênicas. No
entanto, no caso das famílias, o saneamento significava uma intervenção no
seu universo particular, em seu comportamento, enfim, nos hábitos domésticos.
Além disso, para resolver os problemas da proliferação de doenças que se
multiplicavam com os cortiços e habitações coletivas devido ao agrupamento
de um grande número de pessoas, e também pela criação e utilização de
ambientes adequados para as escolas, era necessário que fossem tomadas
algumas medidas de intervenção social, o que se verificou com as ações
realizadas pelos médicos, pautadas por um discurso de cientificidade.
2
Segundo Silva (2003, p. 35) “O higienismo foi um movimento nascido no final do século XVIII, mas que no século XIX ainda guardava vínculos estreitos com suas origens”.
3
A partir de 1930, como teria se desenvolvido essas questões sociais,
considerando a atenção que o Governo Vargas manifestou em relação à
política de assistência à família, à infância e à juventude, visto que foram
fundadas em princípios higienistas e eugenistas em circulação no período?4
Para obter respostas a esse questionamento, é importante analisar algumas
características da organização política, bem como as ações relacionadas a
esses grupos sociais no período.
A política social do governo possuía como um de seus problemas a
família. Procurando resolver a situação da família brasileira em que a pobreza
moral e econômica imperava, foi difundida por meio do Ministério da Educação
e Saúde e de líderes católicos, a defesa do modelo de família ideal: cristã,
indissolúvel, composta de pai, mãe e filhos. Essa foi uma estratégia utilizada
para a preservação da sociedade e a manutenção da harmonia social, bem
como para contribuir com o aumento populacional, tendo em vista o alto índice
de mortalidade infantil. Várias foram as propostas para o aumento da taxa de natalidade, como benefício às famílias numerosas, e até “redução progressiva do trabalho feminino fora do lar” (Franca apud Vilhena, 1988, p. 61).
Sob a justificativa de que a criança pobre era uma das questões mais
problemáticas e que exigia medidas preventivas, alguns órgãos foram criados,
nesse período, com o objetivo de cuidar da infância, entre eles o Departamento
Nacional da Criança (DNCr), em 1940, que primava pela colaboração de
pessoas da sociedade civil como professoras, mulheres, médicos, entre outros,
e tinha uma concepção assistencialista, e o Serviço de Assistência a Menores,
em 1941, além da elaboração e implantação de várias legislações
educacionais5.
Deve-se destacar que, durante o Estado Novo, foi criado “o primeiro
programa estatal de proteção à maternidade, à infância e à adolescência no Brasil” (Pereira, 1999, p. 165), o qual estava subordinado ao Departamento Nacional da Criança6. Apesar da preocupação do governo com as crianças e
4
Segundo Domingues (apud Souza, 2004, p. 77) “eugenia é a ciência que se propõe estabelecer princípios e regras para a formação de proles sadias de corpo, sadias de espírito”.
5
O Departamento Nacional da Criança foi criado por meio do Decreto-Lei n.º 2.024 – de 17 de fevereiro de 1940.
6
mães desamparadas e desnutridas, em condições inadequadas de vida e
higiene, esse Departamento só passou a funcionar, de fato, em 1941,
preocupando-se em arregimentar médicos que se dedicassem, gratuitamente,
a orientar as mães e salvar as crianças; a competência não era o critério mais
importante para exercer a função, pois a presença do médico já contribuía para
que as doenças fossem afastadas e a saúde imperasse (Pereira, 1999).
Concomitantemente aos cuidados com a saúde física, havia a
preocupação com a saúde moral das pessoas (mães e crianças) e, portanto,
era necessário educá-las para saberem se cuidar física e moralmente, pois um
dos maiores obstáculos a ser resolvido era a falta de conhecimento das mães.
A política social do governo estadonovista tinha como outro grande
problema melhorar as condições de vida dos jovens trabalhadores; para isso,
era relevante educá-los para saberem se comportar socialmente e viver em condições de construir “um Estado Nacional forte e organizado” (Vilhena, 1988, p. 52).
Verificam-se, pelo breve relato, alguns aspectos sociais importantes para
a compreensão dos anos de 1930 e 1940, que serão analisados ao longo desta
pesquisa. A descrição da conjuntura social e educacional permitiu perceber as
estratégias utilizadas pelo governo varguista que se serviu de instrumentos
como propaganda, programas, campanhas, lei, dentre outras estratégias, para
direcionar a sociedade. Os argumentos dos médicos, por exemplo, foram
utilizados como forma de convencer a população a (re)construir a Nação.
Desse modo, compreende-se a relevância da análise do 1.° Congresso
Nacional de Saúde Escolar, como espaço de socialização de saberes de
médicos, educadores e outros profissionais e de interlocução com o governo
federal, tendo em vista que foi patrocinado por ele.
1. OBJETO E PROBLEMA DE PESQUISA
O objeto de estudo desta pesquisa é o 1.º Congresso Nacional de Saúde
Escolar, realizado entre 21 e 27 de abril de 1941, em São Paulo, que contou
com a participação de 1264 congressistas, representantes, principalmente, do
meio médico-educacional, além de diversos “psiquiatras, psicólogos, higienistas, assistentes sociais especializados” (Congresso Nacional de Saúde Escolar - CNSE, 1941, p. 66). Em declaração ao jornal Folha da Noite, publicada nos anais do Congresso, o diretor do Departamento de Educação de São Paulo Antenor Romano Barreto relatou que “Nada menos que 1.264 congressistas aqui se reuniram” (CNSE, 1941, p.863). Cabe ressaltar que na lista de congressistas, publicada nos anais, constam 1270 membros, inclusive
foi informado o nome de Getúlio Vargas, que não compareceu ao congresso.
No livro Saúde Escolar e Educação, o autor informou que “reuniram-se no encontro 1.224 congressistas” (Lima, 1985, p.137).
Esta pesquisa teve como periodização os anos de 1920 a 1940. O
marco balizador foi o ano em que se realizou o Congresso. A partir dele
procurou-se investigar os discursos de médicos e educadores anteriores a esse
evento para apreender as temáticas de discussão em evidência e os
personagens que se destacaram. Tendo em vista que o Congresso ocorreu
durante o Governo de Getúlio Vargas, foi importante, também, analisar o que
os discursos oficiais evidenciavam7. Cabe ressaltar que a periodização não se
configurou pela rigidez, pois foram consultadas revistas e outras fontes de anos
anteriores a 1920 e posteriores a 1940. Para o estudo dos discursos sobre
saúde e saúde escolar de médicos e educadores e suas articulações com os
discursos do governo federal, foram utilizados como fontes principais os anais
do 1.º Congresso Nacional de Saúde Escolar.
O Congresso é entendido, neste trabalho, como um espaço de
convergência e apresentação de temas médicos e educacionais que enfatizou
o saber médico como um dos fundamentos de uma política de educação
pública pautada por meio da ciência, propagando um modelo de homem
saudável, higiênico, trabalhador e preservador da ordem social.
7
A análise e o estudo das ideias difundidas durante o Congresso
contribuíram para a compreensão do ideário de um período em que foram
gestadas políticas destinadas aos trabalhadores, suas famílias e crianças. Por
meio dos documentos levantados e analisados nesta pesquisa, pretendeu-se,
também, compreender como o saber médico norteou parte das ações
educacionais durante o período e como a educação assimilou o discurso
médico, seus diagnósticos e medidas prescritivas. Para tanto, as perguntas que
nortearam esta pesquisa foram as seguintes:
Por que se entendeu como oportuna a realização de um Congresso
Nacional de Saúde Escolar em 1941? Qual era sua finalidade? Que relevância
possuiu este evento, tendo em vista o investimento do poder público e o
envolvimento de autoridades do governo federal? O que médicos e educadores
entendiam por saúde e saúde escolar? Quais foram os pontos de convergência
e divergência entre eles? Que temas relacionados à saúde e saúde escolar
mereceram destaque no Congresso, e por quê? E anterior ao Congresso?
Como os médicos articulavam e teciam sua rede de sociabilidade fora do
âmbito do Congresso? Que ações foram realizadas em prol da saúde do
escolar após o Congresso?
Com base na problematização apresentada, a hipótese deste estudo é a
de que os discursos dos médicos nos anos de 1930 e 1940, bem como os
temas do Congresso Nacional de Saúde Escolar se articularam com as
doutrinas sociais e a ideologia do governo Vargas. Os discursos dos médicos e
os discursos político-sociais do governo de Vargas, apoiados na suposta
infalibilidade da ciência, procuraram convencer e persuadir a população da
necessidade de cuidar da saúde física e moral, assemelhando-se ao que era
propagado pelos especialistas em saúde e educadores antes de 1930.
2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Esta pesquisa teve como propósito apresentar as tendências principais
dos discursos médicos relacionados à educação no período, considerando seu
potencial de subsidiar as políticas relativas à saúde escolar. Também analisou
os pontos de convergência e divergência dos vários discursos sobre saúde e
discursos difundidos pelos médicos e pelo Estado no período dos anos de 1920
a 1940.
Para a leitura e a análise dos discursos dos médicos, dos textos e
revistas destinados a eles, assim como dos discursos proferidos por Getúlio
Vargas no período a ser estudado, foi elaborado um quadro para a leitura dos
textos (Apêndice A), fundamentando-se na análise de estrutura argumentativa
(Osakabe, 1999). Esse procedimento permitiu a compreensão da linguagem
como instrumento utilizado pelo enunciador para transmitir informações e,
principalmente, persuadir o ouvinte que, necessariamente, não é o interlocutor
no momento do discurso. Nesse sentido,
o discurso tem sua semanticidade garantida situacionalmente, (...) no processo de relação que se estabelece entre duas pessoas (eu/tu) e as pessoas da situação, entre seus indicadores de tempo, lugar, etc. e o tempo, lugar, etc. da própria situação. ligada a um processo pelo qual eu e tu se aproximam pelo significado. (Osakabe, 1999, p. 20-21)
É fundamental analisar as entrelinhas do discurso, procurando detectar dubiedades e contradições, pois “quem enuncia é, no momento específico em que enuncia, a entidade dominante, na medida em que é ela quem manipula as coordenadas do discurso” (Osakabe, 1999, p. 70).
Esse procedimento de análise permitiu compreender as temáticas que
causavam discordâncias e as que eram consensuais nos trabalhos do
Congresso compostos por textos de caráter político e científico; as revistas
escritas por médicos e destinadas a eles que, muitas vezes, tinham um caráter
científico, e os discursos de Getúlio Vargas pautados por uma concepção
política autoritária.
A análise dos discursos dos membros do Congresso contribuiu para
verificar as concepções de saúde e saúde escolar que possuíam; considerados, neste projeto, como “elaboração de uma realidade” (Carvalho, 1998). Foi possível, também, a partir desse procedimento, confrontar os
discursos existentes no período e verificar o que defendiam (convergências) e
o que criticavam (divergências) e de que forma intervinham no processo
3. FONTES
Esta pesquisa foi embasada, inicialmente, pela análise dos 172
trabalhos apresentados no 1.º Congresso Nacional de Saúde Escolar, por meio
de um quadro de análise que permitiu identificar alguns pontos similares e
distintos nos discursos de médicos e educadores8. Os 172 trabalhos estão
dispostos em seis das 10 temáticas do Congresso e foram selecionados por
tratarem de aspectos referentes à saúde física do aluno da zona rural e urbana,
os serviços médicos existentes, as instituições educativas, a alimentação, a
higiene e outros. Cabe ressaltar que, apesar da incidência de trabalhos sobre a
criança em idade escolar, havia a preocupação dos profissionais quanto à
criança pré-escolar e, por isso, alguns trabalhos enfatizaram essa questão.
Utilizou-se, também, boletins do Ministério da Educação e Saúde Pública
localizados na Universidade de São Paulo, os anais da 1.ª Conferência
Nacional de Educação e algumas mensagens presidenciais compiladas em
uma publicação identificada na Biblioteca Nadir Gouveia Kfouri da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e no sítio da Universidade de
Chicago que foram relacionados e contrapostos aos trabalhos apresentados no
Congresso. Além disso, foram realizadas visitas ao arquivo do Centro de
Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da
Fundação Getúlio Vargas e ao Arquivo Nacional do Rio de Janeiro que
contribuíram para a identificação de fontes relevantes sobre educação e saúde
no período como telegramas, minutas, decretos, almanaques e revistas
médicas.
A legislação educacional e sanitária das décadas de 1930 a 1940 foi
encontrada na revista Lex, localizada na Biblioteca Nadir Gouveia Kfouri da PUC/SP e algumas específicas à saúde foram encontradas em sítios e em
livros que tratam da temática. A utilização da legislação foi importante para a
compreensão das mudanças da estrutura sanitária no Brasil e em São Paulo
no período de 1920 a 1940.
8
Alguns dicionários biográficos de médicos foram encontrados no acervo
da Biblioteca da Faculdade de Saúde Pública e da Biblioteca da Associação
Paulista de Medicina, e por meio deles foi possível conhecer as histórias de
vida pessoal e profissional de alguns médicos, suas relações com outros
médicos, professores e sua relevância na área médica, o que foi importante
para traçar suas redes de sociabilidade.9 A pesquisa em sebos também foi
relevante, pois foi possível encontrar anais do Ministério da Educação e Saúde
Pública e obras que tratam de saúde e educação, bem como alguns livros
escritos por médicos e outros profissionais. Esse material contribuiu para
entender melhor os temas que foram alvo de preocupações e debates no
período de 1920 a 1940.
Cabe ressaltar a relevância das fontes encontradas no Arquivo do
Centro de Memória da Faculdade de Saúde Pública. Nele estão catalogados
documentos referentes à vida e à obra de Geraldo Horácio de Paula Souza e
de Francisco Borges Vieira, como curriculum, trabalhos publicados em
periódicos e congressos, recortes de jornais, documentos pessoais, dentre
outros, além das conferências do III Congresso Brasileiro de Higiene e de
periódicos relacionados à questão sanitária.
Outro arquivo importante para esta pesquisa foi o do Museu de Saúde
Pública Emílio Ribas, no qual foram encontrados recortes de jornais referentes
ao Congresso e relacionados à saúde das crianças pré-escolares, periódicos
sobre higiene, referentes ao ano de 1944, teses sobre saúde pública e arquivos
do Serviço de Saúde Escolar de São Paulo de 1945. Essas fontes
possibilitaram a compreensão de ações realizadas em prol da educação
sanitária em São Paulo, especificamente, após a realização do 1.º Congresso
Nacional de Saúde Escolar.
A pesquisa empreendida no Arquivo do Estado de São Paulo foi
importante para a localização de notícias relacionadas à saúde e à educação,
alguns concursos realizados nas escolas, às atividades do Congresso, às
realizações do Ministro da Educação durante o período do Congresso; de
9
revista que tratava do enaltecimento a Getúlio Vargas e ao Interventor de São
Paulo, Adhemar de Barros, valorizando seu patriotismo; até o certificado de sua
participação no Congresso foi encontrado.
As fontes supracitadas, de forma geral, contribuíram para analisar o
papel do médico e sua relação com a escola, bem como verificar as ações
difundidas na instituição escolar e nos meios de comunicação do período
quanto aos cuidados com a higiene. Outrossim, foram relevantes, também,
para identificar os grupos existentes e suas posições em relação à educação e
à saúde escolar e a intervenção política dos médicos e suas concepções sobre
o tema deste trabalho.
Nesse sentido, as fontes utilizadas nesta pesquisa possibilitaram maior
entendimento quanto à configuração da medicina no Brasil e o que significaram
as ações empreendidas pelos médicos em relação à educação escolar.
4. A PROFISSÃO MÉDICA E SUA ATUAÇÃO SOCIAL
A escolha por analisar os médicos em um período em que o governo
federal pautava-se pela centralização requer a compreensão de como foi
concebido esse grupo social neste trabalho, bem como o estabelecimento de
sua relação com o Estado. É relevante frisar que foi durante o período do
governo de Vargas que se regulamentou o exercício da medicina, por meio do
Decreto n.º 20.931, de 11 de janeiro de 1932, definindo as formas de
fiscalização e de punição da profissão médica.
A profissionalização da medicina, de acordo com Freidson (2009, p.15) difere “da maioria das ocupações, [por ser] persuasiva e conseguir convencer as pessoas de que seus membros são confiáveis”. Outro aspecto importante se refere a analisar a profissão “como um tipo de organização ocupacional na qual
certo estado de consciência floresce e que (por consequência autorizada na
sociedade) chega a transformar, se não realmente criar a essência do próprio trabalho” (Freidson, 2009, p.15).
Nessa perspectiva, a medicina se configura como profissão por se
caracterizar pela autonomia e possuir regras, feitas pelos médicos, além de
monitorar a atuação de quem as criou, bem como a de seus pares. A regulação
hierarquia das profissões de saúde, ocupando lugar social de destaque e
direcionando a vida dos que não tem conhecimento científico.
Coelho (1999) é outro teórico importante para a compreensão do
processo de constituição da medicina como profissão durante o império. Ao
tratar dessa profissão, ele caracterizou os médicos em três tipos: Herói,
Marionete ou Boquirroto, conforme são enquadrados pelos trabalhos que
tratam da história das profissões10.
Outra perspectiva teórica de se pensar o médico é o de analisá-lo como
intelectual. Um dos fatores que contribuiu para a análise do médico nessa
perspectiva foi fazer do grupo de pesquisa vinculado ao Projeto Intelectuais da educação brasileira: formação, idéias e ações, coordenado pelo Professor Dr. Bruno Bontempi Junior, tendo como colaboradora a Professora Dra. Maria Rita
de Almeida Toledo, ambos, no período, professores do Programa de Estudos
Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade, da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. O projeto de pesquisa tinha como
intenção
[...] investigar os intelectuais da educação [...] aqueles cujas idéias e ações na cena pública brasileira estiveram direta ou indiretamente relacionadas com os assuntos da instrução e da educação. As pesquisas históricas de docentes e discentes vinculados a este projeto têm como objeto as instituições escolares e acadêmicas em que esses foram formados, os grupos e redes de relacionamento e sociabilidade de que fizeram parte, as associações profissionais e de caráter político-ideológico em torno das quais se agruparam, as instituições políticas e de poder direto com os quais estiveram envolvidos, os veículos de debate e disseminação pública de suas idéias e das ações que empreenderam com relação à educação e à cultura no país. (Bontempi Júnior, s/p, 2005)
Os intelectuais, segundo Sirinelli (2003, p. 243), são aqueles que tem
10
[...] sua notoriedade eventual ou sua „especialização‟,
reconhecida pela sociedade em que ele vive – especialização esta que legitima e mesmo privilegia sua intervenção no debate da cidade -, que o intelectual põe a serviço da causa que defende.
Nesse sentido, entende-se os médicos como profissionais capazes de
guiar a sociedade para um futuro promissor, que se engajaram nas questões
prementes no período desta pesquisa e tornaram-se, portanto, protagonistas
sociais (Sirinelli, 2003), reconhecidos pela sociedade como agentes de
transformação ao procurar tornar o Brasil uma nação civilizada e foram, por
essa mesma sociedade e pelo Estado, autorizados como profissionais
especializados, intelectuais-cientistas a proferir palestrar, inspecionar escolas, alunos, enfim, a intervir socialmente.
Os médicos foram chamados a utilizar seus conhecimentos técnicos e
específicos para resolver problemas sociais, e podem ser caracterizados como
intelectuais especialistas que, conforme Bobbio (1997, p. 73-74), são “aqueles
que, indicando os conhecimentos mais adequados para o alcance de um
determinado fim, fazem que a ação que a ele se conforma possa ser chamada de racional segundo o objetivo”. (sic)
A racionalidade médica estava fundamentada em um discurso pautado
por conhecimentos considerados científicos e por interesses em disputa, pois
se deve ressaltar que os médicos não representavam um grupo coeso em que
todos os seus membros tinham as mesmas concepções em relação à saúde, à
saúde escolar e à higiene. Conforme destacou Rocha (2003), havia conflitos
internos nas instituições em que trabalhavam ou circulavam, como foi o caso
do Instituto de Higiene. As questões relacionadas às disputas existentes no
meio médico também foram tratadas por Stephanou (2005), que utilizou como
procedimento metodológico a análise de seus discursos, numa perspectiva
foucaultiana.
Esta pesquisa, no entanto, tem como proposta compreender de que
forma a medicina instituiu seu poder simbólico, analisando as disputas discursivas entre as áreas da medicina e da educação no Brasil. A relação entre a medicina e a educação é pautada por disputas de representações, de
grupos, os quais detem um poder específico, o poder simbólico, considerado
poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo e, deste modo, a ação sobre o mundo, portanto o mundo; poder quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica), graças ao efeito específico de mobilização, só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário. (grifo do original)
Com o intuito de compreender as relações entre os profissionais da
medicina e o Estado, este trabalho se embasou em Rudé (1982) ao entender
que as ideias não se formam e são impostas hierarquicamente, além de não se
direcionarem em um único sentido. Isso permite compreender que elas
circulam entre os grupos sociais que, muitas vezes lutam, disputam e
protestam em relação a esse ideário. Não há, assim, uma receptividade das
ideias pelo povo de forma passiva, aliás,
não é apenas uma questão de receptividade; talvez seja ainda mais significativo que as idéias derivadas, ou mais
“estruturadas” sejam, com freqüência, uma destilação mais
sofisticada da experiência popular e das crenças “inerentes” do
povo. Assim, não há de fato um tráfego numa só direção, mas uma constante interação entre elas. (Rudé, 1982, p. 26)
Ao analisar o vínculo entre os médicos e o Estado é importante refletir
sobre as considerações de Freidson (2009, p.17-18) ao afirmar que a Medicina “(...) mesmo em circunstâncias em que não está livre do controle do Estado, encontra-se finalmente livre para controlar o conteúdo, mas não
necessariamente as condições de seu trabalho”.
Coelho (1999, p. 56-57) também contribui para esse debate
ao afirmar que o conhecimento especializado e a perícia dos profissionais estão, de fato, disseminados pela sociedade e disponíveis tanto para o governo quanto para os grupos que se opõem aos programas do governo e até mesmo para aqueles
cujos interesses beneficiam-se com algum grau de
ingovernabilidade. Nesses termos, não há nada de excepcional no fato de que o governo utilize a perícia dos profissionais para melhorar sua capacidade decisória em matérias específicas.
Nesse sentido, o governo Vargas não era o único articulador e detentor
de poder ideológico, pois sofria interferências da ideologia popular, de vários
grupos sociais, ouvindo, atendendo suas reivindicações e tomando decisões,
muitas vezes em função do posicionamento desses grupos. Portanto, não se
sem pensar em um processo intercambiável em que há acordos, discordâncias,
uniões e rupturas.
Embasando-se nessa perspectiva, os relatórios dos temas do 1.º
Congresso Nacional de Saúde Escolar não foram entendidos somente como
dados, mas como propostas e intenções que se articulavam ou se
contrapunham às ações da sociedade civil ou do Estado. Assim as ideias
defendidas por médicos e professores não foram analisadas individualmente,
pertencentes a apenas nomes de destaque no cenário médico-educacional,
pois elas circulavam pela sociedade.
Assim, tomando-se cuidado para não cair na armadilha de superestimar
ou subestimar a atuação dos médicos na sociedade brasileira das primeiras
décadas do século XX, eles foram compreendidos como uma categoria
profissional que, pautada pelo saber científico, ocupou um lugar de destaque
na sociedade, disputando e se associando, conforme o interesse e a
necessidade, com outros grupos sociais, como os professores e os políticos,
difundindo um ideário que privilegiava os cuidados com a saúde, com o
comportamento, enfim, com as questões do corpo e do espírito.
Desse modo, os médicos produziam e disseminavam ideologia, ao se
posicionarem frente às questões sociais, ao incutir valores e normas. Segundo Bobbio (1997, p. 12), “o principal meio do poder ideológico é a palavra, ou melhor, a expressão de idéias por meio da palavra, e com a palavra, agora e sempre mais, a imagem”. Ao denunciar os maus hábitos de higiene da população, os médicos, na cidade de São Paulo, na década de 1920,
utilizavam, muitas vezes, como estratégia, a fotografia que “exerceu um
importante papel de documentação, registro e divulgação das práticas de intervenção, dos hábitos de higiene e das práticas de educação sanitária” (Rocha, 2003, p. 102).
Houve a preocupação, portanto, por parte dos médicos, em elaborar
várias estratégias com o intuito de transformar uma população pobre e sem
modos em uma população conformada ao mundo moderno. Ao serem
formadas pelos médicos, as educadoras sanitárias teriam a função de propagar
às crianças e aos jovens os bons hábitos de higiene que seriam incorporados
por suas famílias. As aulas ministradas por educadoras sanitárias eram
proporcionar consciência sanitária às crianças para, em sala de aula e fora
dela, divulgar valores, por meio da palavra, do gesto, da ação. Mas não
existiriam entre as educadoras sanitárias, os médicos e as professoras
primárias divergências quanto à melhor forma de educar higienicamente as
crianças?
Stephanou (2005, p.145) fez referência à relação dos médicos com a
educação escolar e apontou que
(...) o discurso médico sobre a Educação, longe de restringir-se a uma discussão política, implicou num envolvimento significativo de vários médicos em temas cada vez mais complexos sobre a escola, os processos de aprendizagem, a educação sanitária do povo.
Esse envolvimento nos aspectos relacionados a questões, muitas vezes
mais pedagógicas do que médicas, como os métodos utilizados pelos
professores, pode ter contribuído para que houvesse uma disputa entre a
função dos médicos e dos docentes no processo educativo; isso pode ser
percebido nos textos do 1.º Congresso Nacional de Saúde Escolar. Analisá-lo como espaço de disputa é entender que: “Existem lugares privados e públicos que são não somente o foco de elaboração dessa sociabilidade, mas o espaço de produção real das idéias, na medida em que elas são tanto um bem coletivo como individual” (Leclerc, 2004, p. 72, grifo do original).
Assim, ao investigar o papel do governo estadual e federal em relação
às ações de saúde coletiva principalmente após 1930, foi possível refletir em
que medida o poder instituído por governos locais ou nacionais se contrapôs ou
se aliou aos costumes da população, às prescrições médicas e retirou dessa
conjuntura as intenções e as propostas de sua política, pois segundo Rudé (1982, p. 32), “não existe uma tabula rasa no lugar da mente onde se possam inscrever novas idéias e onde não houvesse idéias antes”. É importante compreender que conjunto de ideias foram difundidas no período e como a
sociedade, os médicos, as escolas e o próprio governo as utilizaram. Cabe
ressaltar que o período a ser analisado, neste trabalho, consistiu-se pela perspectiva da “reconstrução da nação”, em que o movimento médico -educacional influiu nas ações do Estado.
É a partir dessa compreensão que foi desenvolvida esta pesquisa, a qual
a saúde escolar nos anais do Congresso analisou-se os anais com o objetivo de verificar os discursos médicos e educacionais sobre saúde e saúde escolar.
O capítulo II A escolha do terreno para o plantio: uma análise dos discursos sobre educação e saúde nos anos de 1920 analisou-se o III Congresso Brasileiro de Higiene e as três primeiras Conferências Nacionais de Educação,
promovidas pela Associação Brasileira de Educação, com o intuito de
identificar os discursos e propostas sobre educação e saúde. No Capítulo III A preparação do terreno: os discursos oficiais e de periódicos dos anos 1930 e 1940 sobre educação e saúde analisou os discursos do Presidente da República e os dos periódicos oficiais. Na última parte A Colheita foram apresentadas as considerações finais, por meio do entrecruzamento dos
discursos do governo e os discursos dos médicos no Congresso com o
propósito de verificar similitudes e distinções, assim como apresentar algumas
I - O PLANTIO DAS SEMENTES: a saúde escolar nos anais do
Congresso
O propósito deste capítulo é apresentar o 1.° Congresso Nacional de
Saúde Escolar, destacando seus objetivos e sua relevância para as discussões
sobre saúde e saúde escolar no período em que foi realizado, como também
analisar os temas tratados, as propostas e as sugestões apresentadas por
médicos e professores em relação à educação sanitária.
Tendo em vista esses objetivos, faz-se necessário voltar ao período em
que o Congresso foi realizado e procurar compreendê-lo com base nos
discursos apresentados em relação ao que se esperava de um aluno saudável
e com condições de aprender e ser útil para a Nação.
1.1 Descrição da organização e programação do Congresso
Segundo os anais do Congresso “Em sessão do mês de outubro de 1940, da Sociedade de Medicina e Higiene Escolar [de São Paulo], foi
lembrada a idéia de um Congresso de Saúde Escolar. Não bastava, entretanto,
ter a idéia – o principal era poder realizá-la” (CNSE, 1941, p. 19)11. A sugestão
do Congresso Nacional de Saúde Escolar foi apresentada ao diretor do
Departamento de Educação de São Paulo, Dr. Romano Barreto, por causa de sua atuação no “magistério público” e a preocupação com a saúde do aluno. Houve aquiescência por parte dele, pois sua intenção era promover algo que “mostrasse o indispensável da conjunção de esforços de médicos e educadores em prol da educação popular” (CNSE, 1941, p. 19). Desse modo, logo após esse encontro organizou-se a Comissão Executiva do Congresso.
Os temas e as várias sugestões para a realização do evento foram
levados, pela Comissão Executiva, ao conhecimento do interventor federal de
São Paulo Adhemar de Barros, a quem foi solicitado patrocínio. Ele concordou em colaborar e seu “apoio [...] constituiu o marco decisivo para a realização do Congresso” (CNSE, 1941, p. 20).
11
O presidente Getúlio Vargas também recebeu, em uma audiência,
alguns membros da Comissão Executiva, como A. Romano Barreto e Francisco
Figueira de Mello.
O dr. A. Romano Barreto, fazendo uso da palavra, externou ao senhor Doutor Getúlio Vargas os desejos da Comissão e apresentou a Sua Excelência o programa do Congresso, bem como lhe solicitou que aquele certame fosse considerado de caráter nacional e se realizasse sob o seu alto patrocínio. (CNSE, 1941, p. 20)
Francisco Figueira de Melo, médico sanitarista, “foi colaborador da Cruzada [Pró-Infância] desde a fundação e responsável pelos Serviços de
Higiene Pré-Escolar e Escolar e pelo Serviço Médico da Escola de Saúde da Cruzada” (Mott et. all, 2005, p.44).
O presidente da República aprovou a ideia do Congresso e foi convidado
para a abertura solene do evento no dia 21 de abril de 1941, contudo não
compareceu, sendo representado pelo Ministro Gustavo Capanema, que
também recebeu uma visita da Comissão Executiva antes da realização do
Congresso, assim como o Interventor do Estado do Rio de Janeiro,
Comandante Ernani do Amaral Peixoto, e outras figuras ilustres do Rio de
Janeiro que apoiaram a iniciativa.
O 1.° Congresso Nacional de Saúde Escolar ocorreu entre 21 e 27 de
abril de 1941, em São Paulo, com o patrocínio do Presidente da República
Getúlio Dorneles Vargas e do Interventor Federal de São Paulo, Adhemar
Pereira de Barros, e contou, ainda, com a colaboração dos interventores dos
20 estados brasileiros do período e do prefeito do Distrito Federal, Dr. Henrique
de Toledo Dodsworth. O evento teve dois presidentes de honra, o Ministro da
Educação e Saúde Pública Gustavo Capanema e o Secretário da Educação e
Saúde Pública do Estado de São Paulo, Mario Guimarães de Barros Lino.
A Comissão de Honra teve dez representantes de diversos setores da
sociedade brasileira, como o Arcebispo de São Paulo, José Gaspar de
Affonseca e Silva, o Diretor do Departamento Nacional de Educação do
Ministério da Educação e Saúde, Abgar Renault, e o Presidente da Academia
Nacional de Medicina, Professor Aloísio de Castro, entre outros. Organizou-se,
também, a Comissão de Cooperação que possuía 70 membros de diversos
Educação e Saúde de vários estados, do esporte, cultura e ensino profissional
do Departamento de Educação da capital paulista e de algumas delegacias
regionais de ensino do interior, da Liga do Professorado Católico, bem como de
Lourenço Filho, diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), e
Sud Menucci, do Centro do Professorado Paulista (CPP). Essa diversidade
permitia vislumbrar a participação de diferentes setores da sociedade civil,
além de órgãos públicos de educação e saúde e a diversidade de ideias que
circulavam.
Outra comissão organizada foi a de Orientação Técnica que possuía 16
representantes, como Antenor Romano Barreto, diretor do Departamento de
Educação de São Paulo, o Diretor do Instituto de Higiene de São Paulo
Geraldo Horácio de Paula Souza, e Francisco Figueira de Melo, Diretor do
Serviço de Saúde Escolar do Departamento de Educação de São Paulo e
Presidente do Congresso Nacional de Saúde Escolar.
Antes de continuar a discorrer sobre a organização do Congresso e as
atividades realizadas ao longo dele, é pertinente destacar a contribuição de
Paula Souza no que se refere à saúde e à saúde escolar em São Paulo. Sua
participação foi decisiva para a elaboração e implementação de serviços
públicos de saúde que repercutiram nacionalmente.
O médico sanitarista Paula Souza
diplomou-se em Farmácia pela Escola de Farmácia de São Paulo e em Medicina pela Faculdade Nacional de Medicina, em 1913. Iniciou sua carreira em 1914, como assistente de Química Médica da Faculdade de Medicina em São Paulo, tendo sido designado em 1918 para professor substituto de Higiene e auxiliar do Prof. Samuel Darling. (Lacaz, 1963, p.82)
Assumiu a Direção do Serviço Sanitário de São Paulo, no período de
1922 a 1927. Em sua gestão foi elaborado o Código Sanitário de 1925 que, segundo Campos (2002, p.XVII), “formulado pelo Serviço Sanitário, regulamentava a vida sanitária do Estado: exigências para as construções
endemias locais e à mortalidade infantil” (Mott et.all., 2005, p.40), dentre outras medidas.
Respaldado pelos estudos que fez entre 1918 a 1920, nos Estados
Unidos, por meio dos acordos do governo de São Paulo com a Fundação
Rockefeller, Paula Souza doutorou-se pela Universidade Johns Hopkins, em
Baltimore, junto com Francisco Borges Vieira e ao regressar ao Brasil tornou-se Diretor do Instituto de Higiene, “a primeira instituição totalmente voltada ao estudo da disciplina [de Higiene] no País” (Campos, 2002, p.XVII). Segundo
Rocha (2003, p.14) esse Instituto
teve papel fundamental na formulação da política sanitária, adotada a partir de 1925 (...) [e] se constituiu também num espaço importante na articulação de estratégias voltadas para a veiculação da mensagem da Higiene no universo escolar.
De acordo com manuscritos de Paula Souza, a reforma de 1925 “dava ao Instituto as atribuições de uma Escola de Saúde Pública” (s/d, p.3). No período em que esteve à frente do Serviço Sanitário de São Paulo, utilizou-se
da concepção política de saúde norte-americana da Fundação Rockefeller para
implantar mudanças na capital paulista. Criticado pela forma como procurou
resolver os problemas sanitários, afastou-se do cargo em 1927. Após sua
saída,
continuou a dar vida a seus ideais de higiene e saúde pública, criando novos cursos destinados à formação de técnicos e profissionais de nível superior. Na verdade, tratou de estimular
os estudos sobre a higiene por intermédio da
institucionalização e transformação dos mesmos em Faculdade de Higiene e Saúde Pública, da Universidade de São Paulo, em 1945. (Campos, 2002, p.XVIII)
Em 1945, Paula Souza foi “representante do Brasil na Organização das
Nações Unidas (ONU), onde apresentou proposta para a criação da Organização Mundial de Saúde” (Mott, 2005, p.40). Médico e pesquisador atuante, publicou artigos em periódicos, bem como participou de várias
conferências e congressos.
por Paula Souza para ser preparador da cadeira de Higiene, cujo chefe era “o
Dr. Samuel Taylor Darling, higienista norte-americano” (Vieira, s/d, p.2).
Em 1918, junto com Paula Souza “foi comissionado pelo Governo [de São Paulo] para, nos Estados Unidos, fazer estudos especializados de Higiene (...) sob os auspícios da Fundação Rockefeller” (s/d, p.2). Após retornar ao Brasil, dedicou-se, em São Paulo, à higiene; lecionou, publicou artigos em
periódicos, participou de eventos, como o 1.º Congresso Nacional de Saúde
Escolar além de atuar, com Paula Souza, na educação sanitária da cidade.
Em relação à composição do Congresso, criaram-se, também, duas
comissões, uma de Imprensa e Propaganda que contou com a colaboração do
Departamento Nacional de Imprensa e Propaganda, órgão vinculado à
Presidência da República, por meio de seu diretor Lourival Fontes, e de
Cassiano Ricardo, Diretor do Departamento de Imprensa e Propaganda de São
Paulo; e uma Executiva composta por 12 membros, alguns anteriormente
citados em outras comissões como Geraldo Horácio de Paula Souza e Figueira
de Melo, e, também, o Diretor do Departamento Nacional da Criança do
Ministério da Educação e Saúde, o médico pediatra Olímpio Olinto de
Oliveira12.
O Congresso contou com 10 temas oficiais, analisados por meio de um
número expressivo de trabalhos apresentados, conforme descrito na Tabela 1.
Tabela 1 – Temas oficiais, trabalhos e autores
Tema Concentração dos temas
Número de trabalhos
Número de autores I – Organização e
orientação dos serviços de saúde escolar
-
12 14
II – A saúde do escolar nos meios urbanos e rurais
Prédio escolar; Higiene do ensino; Instituições peri-escolares; Caixa Escolar.
16 23
12
III – Condições de saúde física e mental para o exercício do magistério
Exame médico – pedagógico periódico; Incapacidade física e psíquica; Razões para a aposentadoria; Leis protetoras do professor.
6 6
IV- Morbilidade e mortalidade no meio escolar
Doenças para cuja evolução concorre a escola; Afecções dos olhos, ouvidos, nariz, garganta e dentes; Doenças infeto-contagiosas; Incidência da tuberculose no meio escolar; Endocrinopatias.
46 55
V – A Educação sanitária nas escolas
Implantação de hábitos sadios; O ensino da puericultura nas escolas primárias, secundárias e profissionais; A função social da Educadora Sanitária;
Ligação entre o lar e a escola.
36 51
VI – O problema dos repetentes nas escolas primárias
Fatores pedagógicos, sociais,
médicos e psicológicos. 24 26
VII – Higiene mental
nos meios escolares - 9 10
VIII – Alimentação e nutrição dos
escolares
Educação alimentar; Sopa escolar; Consequências da sub-nutrição.
21 22
IX – Bases científicas para a restauração
biológica dos débeis físicos
Colônias de férias; Escolas ao ar livre; Play-grounds; Jogos
infantis. 3313 35
X – A adaptação e a escolha de
profissões
Valor do laboratório clínico e psicotécnico para a seleção nas escolas profissionais.
1 1
Total 207 24314
Fonte: Anais do 1.º CNSE.
Em relação aos temas do Congresso, eles foram apresentados pelos
relatores e debatidos na sessão plenária pelos congressistas. Após o debate,
organizava-se uma comissão composta pelos relatores dos diversos temas
para redigir o texto final, a partir das conclusões da plenária, conforme
constava no regimento interno. O regimento se destinou a organizar as
apresentações dos trabalhos, em caso de inscrição no Congresso, que não
13
Dos 33 trabalhos apresentados, 21 foram publicados e analisados.
14