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Em sentido lato, a gramaticalização é definida como o processo a partir do qual itens lexicais tornam-se gramaticais, e itens gramaticais tornam-se mais gramaticais. De acordo com essa perspectiva, postula-se que a principal motivação para o processo é a comunicação. A criatividade do falante seria impulsionada pela necessidade de obter sucesso na atividade comunicativa. Para esse fim, uma estratégia possível é utilizar formas lingüísticas de sentido concreto – facilmente acessíveis e claramente delimitáveis – para a expressão de conceitos mais abstratos – menos claramente acessíveis e menos claramente delimitáveis.

A inserção da forma a gente no sistema pronominal ilustraria um caso de gramaticalização. Segundo Lopes (1999), a pronominalização ou gramaticalização sofrida pelo substantivo gente foi lenta e gradual: o nome, durante um longo período de transição, sofreu um esvaziamento do seu significado original, sendo reinterpretado, em alguns contextos, de maneira ambígua. Essa ambigüidade tanto poderia significar “um grupamento de seres humanos” quanto “um grupamento de seres humanos, incluindo o falante”. A partir do século XX, a forma a gente assume interpretação mais nítida, perdendo propriedades características da forma fonte e assumindo, em função da mudança categorial, características da classe destino.

Partindo de outros trabalhos que já se dedicaram à análise da forma a gente como um caso de gramaticalização (cf. Omena e Braga, 1996; Menon, 1996; Lopes,1999 e 2003; Zilles, 2005; entre outros), há dois aspectos centrais que serão analisados neste trabalho.

O primeiro refere-se à concordância da forma gramaticalizada a gente, no confronto, em particular, com o pronome nós, com adjetivos em estruturas predicativas. A hipótese norteadora, como aponta Lopes (2003:84-85) “é a de que, com a entrada no sistema da forma gramaticalizada a gente, a especificação positiva de gênero formal [+fem]

do substantivo teria se perdido, tornando-se [φfem]. No que diz respeito à interpretação semântica, a forma a gente passaria a ser semanticamente subespecificada [α FEM]”, como os outros pronomes pessoais. Tornar-se subespecificado, em termos semânticos, significa dizer que a forma gramaticalizada passou a combinar-se com adjetivos no masculino e/ou feminino a depender do gênero do referente (a gente está animado/animada). Busca-se, pois, analisar, em uma amostra de fala não-culta e de escrita, o comportamento de a gente como pronome tendo em vista os traços de gênero, número e pessoa.

O segundo aspecto refere-se à análise da variação entre nós e a gente em uma amostra constituída por testes escritos para comparação com os resultados obtidos com amostras de fala. O intuito é identificar se os fatores de ordem discursivo-pragmática, os de natureza formal e os sociais que favorecem, na fala, o uso de uma ou outra variante são os mesmos que atuam na escrita. Nesse sentido, será adotada a perspectiva variacionista laboviana discutida em Weinreich et alii (1968) e Labov (1994) e os resultados serão analisados à luz de modelos funcionais que discutem o fenômeno da gramaticalização (Hopper, 1991; Heine, 2003; entre outros).

3.1 – O fenômeno da gramaticalização

A gramaticalização tem sido normalmente definida como sendo um processo essencialmente unidirecional, levando sempre do léxico para a gramática e de elementos gramaticais para elementos mais gramaticais. Dessa maneira, as formas gramaticalizadas tendem a assumir posições mais fixas na sentença, tornando-se mais previsíveis em termos de uso. Em outras palavras, o item recrutado para cumprir gramaticalização perde a eventualidade criativa do discurso e passa a ser regido por restrições gramaticais.

Nos estudos referentes à gramaticalização, é possível encontrar diferentes princípios, tipologias, mecanismos ou fases para o processo. Segundo Hopper (1991), os estágios iniciais do processo poderiam ser observados na aplicação de cinco princípios, a saber: estratificação, divergência, especialização, persistência e decategorização. Diferentemente, Heine (2003), elenca quatro mecanismos que, inter-relacionados, são responsáveis pelo fenômeno: dessemantização, extensão, decategorização e erosão. Lehmann (1985), por sua vez, ao propor uma escala de gramaticalização, refere-se a outros seis processos – paradigmatização, obrigatoriedade, condensação, coalescência, fixação e desgaste.

Entretanto, embora haja divergência nas terminologias empregadas pelos autores, é possível verificar que as propostas se complementam e, muitas vezes, convergem em princípios comuns. Tanto Heine (2003) quanto Hopper (1991) mencionam o processo de decategorização em suas respectivas propostas. E, semelhantemente, o princípio do desgaste – destacado por Lehmann (1985) – parece sintetizar os processos de dessemantização e erosão elencados por Heine. As semelhanças e diferenças entre as propostas podem ser melhor discutidas em uma análise mais detalhada.

Segundo Hopper (1991), a aplicação de cinco princípios – estratificação, divergência, especialização, persistência e decategorização – poderia diagnosticar o processo de gramaticalização nos seus primeiros estágios.

funcional amplo, novos estratos estão continuamente emergindo. Quando um novo estrato emerge, os antigos não são necessariamente descartados, podendo, pois, permanecer e co- existir com os mais recentes. É postulado que o processo de gramaticalização não ocorre para preencher falhas no domínio funcional e, sendo assim, as formas novas aparecem em competição com outras já existentes no sistema, uma vez que servem para codificar funções similares ou idênticas. O comportamento da forma a gente caracteriza um caso de layering do português falado. Como pronome pessoal, análogo a nós, passa a co-ocorrer com esse item, ocupando espaço dentro do sistema pronominal. Configuram-se, então, duas estratégias diferentes para uma mesma função básica: designar a primeira pessoa do plural ou quarta pessoa gramatical, nos termos de Câmara Jr. (1970) – o pronome nós e a forma gramaticalizada a gente.

Embora as duas variantes encontrem-se em competição, Omena (1986) observa que a forma inovadora é mais freqüente na língua oral, não tendo a mesma produtividade na escrita. E, mesmo na língua oral, parece haver uma correlação entre a escolha de uma ou outra forma e o grau de formalismo do discurso. A autora aponta que situações menos formais favoreceriam o uso de a gente.

O segundo princípio, o da divergência, demonstra que, quando uma classe lexical se gramaticaliza, a forma-fonte original pode permanecer como um item lexical autônomo, sem sofrer mudanças fonológicas. No caso da gramaticalização de a gente, observa-se que o processo determinou alterações no sentido de cristalizar a relação determinante- determinado. Em conseqüência disso, a versão inovadora que se estratificou não admite outras especificações. O nome gente, por exemplo, admite a intercalação de elementos entre ele e um termo determinante, o pronome, por sua vez, não admite a inserção de qualquer elemento entre a e gente. A expressão se cristalizou como se vê em (xv), por isso (xvi) seria agramatical:

(xi) A gente da cidade é fresca. [= as pessoas (nome)]. (xii) A bela gente da cidade é fresca [= as pessoas (nome)].

(xiii) A bela e formosa gente da cidade é fresca [ = as pessoas (nome)]. (xvi)

*

A bela e formosa gente da cidade é fresca [= nós (pronome)] (xv) A gente é fresca [= nós (pronome)]

O princípio da especialização refere-se ao estreitamento de opções para se codificar uma determinada categoria, à medida que uma dessas opções começa a ocupar mais espaço por estar mais gramaticalizada. Uma conseqüência, indício, portanto, dessa especialização, é o aumento da freqüência de uso da forma mais adiantada no processo. Isso ocorre porque, em um determinado estágio, as formas que sofrem gramaticalização admitem diferentes possibilidades de interpretação semântica. Com o processo de gramaticalização, ocorre o estreitamento na variedade de escolhas e uma diminuição do número de formas selecionada que admitem significados mais gramaticais.

O princípio da persistência diz respeito à manutenção, por parte da forma inovadora, de alguns traços semânticos da forma-fonte. Quando um item lexical em vias de gramaticalização assume uma função mais gramatical, alguns traços do seu significado original tendem a aderir-se ao novo emprego. Dessa forma, detalhes de sua história como item lexical podem se encontrar refletidos no comportamento da forma gramaticalizada.

Acerca disso, em Omena & Braga (1996:80), menciona-se que “esses traços preservados (da forma-fonte) explicam, muitas vezes, as restrições que a forma gramaticalizada experimenta em sua distribuição. A idéia de coletividade do substantivo gente contribui para uma referência indeterminadora. (...) Há maior probabilidade de se usar a forma a gente na referência a um grupo grande e indeterminado do que a um grupo pequeno e determinado”.

Com relação a tal princípio, pode-se dizer que a gente mantém um traço semântico de indeterminação que herda do nome gente. Como costuma acontecer nos processos de gramaticalização, apesar do acréscimo de significado da forma – que passa a incluir a referência à primeira pessoa –, a gente conserva o traço generalizador e passa a ser usado

mais do que nós em contextos de maior indeterminação e maior número de referentes. Além disso, a persistência do traço indeterminador provoca também certas restrições no seu uso: “enquanto o pronome nós permite ser modificado por quantificadores, numerais, especificadores, o mesmo não se dá com a forma a gente: todo, cada um, nenhum podem modificar nós, mas não a gente” (Omena & Braga, 1996:81).

É possível relacionar a persistência também a aspectos formais. Observa-se que, no seu encaixamento no sistema de pronomes pessoais, a gente só se identifica a nós semanticamente, pois se insere na oração como sujeito concordando com verbos na terceira pessoa gramatical, como seu substantivo de origem. Num exemplo como “a gente só vai ao cinema no nosso bairro”, ainda que a forma pronominal acione uma interpretação semântico-discursiva de 1ª pessoa [+EU], designando o “falante+alguém”, verifica-se a manutenção do traço formal de 3a pessoa ou [Ø eu], nos termos de Lopes (1999). Nesse

sentido, entende-se a concordância de a gente com formas verbais de 3ª pessoa como sendo relativa ao princípio de persistência, uma vez que nem todas as propriedades formais da forma-fonte foram perdidas.

O princípio de decategorização prevê que formas em processo de gramaticalização tendem a perder ou neutralizar marcas morfológicas e características sintáticas das categorias plenas – nomes e verbos – e assumir atributos característicos de categorias secundárias. Dessa maneira, o processo de gramaticalização pode envolver a perda de marcas opcionais de categorialidade, ocasionando também a perda da autonomia discursiva dessa forma.

Com relação ao fenômeno em estudo, é possível observar que o nome gente mantém a mobilidade de colocação dos substantivos, pode ser modificado por quantificadores, determinantes, possessivos, locuções prepositivas: toda gente, a gente, minha gente, gente de Brasília, etc. Diferentemente, a forma a gente exibe outro comportamento, uma vez que passa a integrar o quadro dos pronomes pessoais. Entre outros aspectos, perde a mobilidade de colocação, aparecendo mais freqüentemente na posição de sujeito e posição pré-verbal, como ocorre com os pronomes pessoais.

Para Heine (2003), quatro mecanismos inter-relacionados são responsáveis pela gramaticalização. O autor defende que, embora o processo tenha uma dimensão sincrônica e diacrônica, suas bases são diacrônicas por natureza. E, sendo assim, sua proposta tende a adequar-se melhor a estudos diacrônicos. Os mecanismos propostos por Heine podem ser entendidos, a partir da seguinte síntese:

1. Dessemantização (bleaching, redução semântica): perda do conteúdo semântico;

2. Extensão (ou generalização de contextos): uso em novos contextos;

3. Decategorização: perda das propriedades características da forma-fonte, incluindo perda do status de forma independente;

4. Erosão (ou redução fonética): perda da substância fonética, o que torna as formas mais reduzidas.

De acordo com o autor, a dessemantização é uma conseqüência do uso de formas designativas de sentidos mais concretos que são interpretadas em contextos mais específicos com sentidos mais abstratos, mais gramaticais. Com isso, as formas inovadoras são usadas em novos contextos (extensão), perdendo características de seus antigos valores (decategorização), além de serem usadas com mais freqüência, tendo alta previsibilidade, o que acarreta perda de substância fonética (erosão).

Segundo Heine, cada um desses mecanismos faz ocorrer uma evolução que pode ser descrita em um modelo de três estágios, chamado overlap model:

II. Essa expressão adquire um segundo padrão de uso, B, que apresenta ambigüidade em relação a A;

III. Finalmente, A se perde, ou seja, agora há apenas B (todavia, o autor destaca que nem todo processo atinge o estágio III)

No que se refere ao fenômeno em estudo, Lopes (1999, 2003) demonstra que o processo de pronominalização do substantivo gente foi lento e gradual. Há um longo período de transição marcado pela ocorrência de casos de interpretação ambígua, ou seja, exemplos em que a forma a gente tanto poderia significar “um grupo de pessoas” quanto variante de nós. A autora constata que, apenas no século XX, a forma inovadora assume uma interpretação semântico-discursiva mais nítida, designando “o falante + alguém”.

Em concordância com o modelo de Heine (2003), pode-se inferir que o nome gente, durante um longo período de transição, sofreu um esvaziamento do seu significado original (dessemantização), sendo reinterpretado, em alguns contextos, de maneira ambígua. Essa ambigüidade tanto poderia significar “um grupamento de seres humanos em geral” quanto “um grupamento de seres humanos, incluindo o falante” (extensão/ uso em novos contextos). A partir do século XX, assume uma interpretação mais nítida, perdendo as propriedades características da forma fonte (decategorização) e assumindo, em função da mudança categorial, características da classe destino.

O mecanismo de erosão, previsto por Heine, embora seja diagnosticado em diversos processos de gramaticalização, não ocorre com a gente. Ao contrário, a estratificação da forma com o artigo definido cristalizou a relação determinante-determinado, ocasionando aumento de substância fonética, e não redução.

Diferentemente das propostas anteriores, Lehmann (1985) propõe discutir o conceito de gramaticalização nos eixos sincrônico e diacrônico. Para tanto, elabora uma escala de gramaticalização em forma de um continuum: nome relacional adposição secundária adposição primária afixo de caso aglutinativo afixo de caso funcional.

Essa ordenação gradual na escala indicaria o grau de gramaticalização de um determinado fenômeno.

O autor parte do pressuposto de que quanto mais livre é o signo, mais autônomo ele é. Sendo assim, para medir em que grau o signo está gramaticalizado, deve-se determinar o seu grau de autonomia. Segundo Lehmann, a autonomia de um item pode ser medida tendo em vista três principais aspectos: peso, coesão e variabilidade. Esses aspectos, relacionados às duas principais operações lingüísticas – a seleção e a combinação – constituem os parâmetros de gramaticalização. São eles: integridade, paradigmaticidade, variabilidade paradigmática, escopo estrutural, conexidade e variabilidade sintagmática.

O quadro abaixo sintetiza a proposta:

Parâmetro Gramaticalização Fraca

Parâmetro Gramaticalização Forte

Integridade Conjunto de propriedades semânticas, possivelmente

polissilábico

Desgaste Poucas propriedades semânticas, monossegmental

Paradigmaticidade O item participa escassamente do campo

semântico

Paradigmaticidade Fortemente integrado ao paradigma

Variabilidade Paradigmática

Livre escolha de itens, de acordo com as intenções

comunicativas

Obrigatoriedade Escolha sistematicamente restrita, uso amplamente

obrigatório

Escopo Estrutural O item se correlaciona com constituintes de complexidade arbitrária

Condensação O item modifica palavra ou raiz

Conexidade O item é justaposto independentemente

Coalescência O item é afixo ou até mesmo suporte de traço

fonológico

Variabilidade Sintagmática

Posição livre nas estruturas

Fixação O item ocupa lugares gramaticais fixos

Quadro 6: Síntese da proposta sobre os parâmetros de gramaticalização (Lehmann, 1985).

A despeito do complexo conjunto de parâmentros de gramaticalização proposto em Lehmann (1985), Traugott (2003) demonstra a ineficácia do modelo para determinados fenômenos.

Em “Constructions in Grammaticalization”, a autora questiona o conceito corrente de gramaticalização e propõe a aplicação de uma nova definição: “processo a partir do qual lexemas e construções passam a ter, em determinados contextos lingüísticos, funções gramaticais” (Hopper & Traugott, 1993)4, além de abranger também a evolução da forma e

significado gramatical de itens lexicais. Tal proposta deriva de uma nova concepção de gramática, na qual se promove a junção de aspectos comunicativos e cognitivos da língua. Para a autora, gramática envolve fonologia, morfossintaxe e semântica, sendo complexa o bastante para permitir a interação entre as habilidades cognitivas, como as envolvidas durante o processo de interação verbal entre emissor e receptor. Em sua proposta, a gramaticalização seria entendida também no contexto de construções.

Visando exemplificar suas idéias, a autora faz um breve esboço do surgimento do marcador discursivo ‘endeed’ (traduzido para o português como “de fato”), a partir da gramaticalização do item lexical ‘deed’ (“fato”, em português).

Inicialmente, tal forma poderia ser ocasionalmente encontrada em orações iniciais, após posição de complementizador, como um advérbio contrastivo, refutando uma afirmação anterior ou hipótese. Após o século XVII, ainda que continue a figurar em orações iniciais na posição de pré-complementizador, identifica-se na forma um significado diferente, envolvendo elaboração e clarificação do discurso. Em outras palavras, já expressando uma função de marcador discursivo.

O desenvolvimento de ‘endeed’ – entre outros marcadores discursivos do inglês, a saber: ‘anyway’, ‘instead’ – passa pelos mesmos estágios considerados em outros processos de gramaticalização, como mudança semântica, decategorização, reanálise e generalização. Em todos esses casos, os marcadores discursivos teriam origem em frases em que se observa um significado lexical de nome pleno.

Com esses exemplos, Traugott (2003) critica uma adesão restrita à definição tradicional do processo, uma vez que tal postura excluiria muitos fenômenos – como é o caso dos marcadores discursivos, para o inglês – do domínio da gramaticalização. A autora

4 “The process whereby lexemes and constructions come in certain linguistic contexts to serve grammatical

propõe, ainda, um complexo jogo de mudanças relacionadas, que caracterizariam o processo:

(i) decategorização estrutural;

(ii) passagem da adesão de um grupo relativamente aberto para outro relativamente fechado, no contexto de construção específico;

(iii) apagamento das fronteiras morfológicas dentro da construção;

(iv) mudança semântica e pragmática do maior para o menor significado referencial

Com relação ao fenômeno em estudo, a variação nós e a gente, focalizando mais especificamente as construções predicativas, a proposta apresentada em Traugott (2003), na qual se discute a ampliação do conceito tradicional de gramaticalização, mostra-se bastante pertinente.

Vianna (2003), ao verificar a generalização do masculino-singular com a gente entre falantes não-cultos do português do Brasil, hipotetiza que este poderia representar um novo estágio na gramaticalização da forma, no contexto da construção predicativa. Em acordo com a proposta de Traugott (2003), seria possível depreender nesse caso a ocorrência de “mudança semântica e pragmática do maior para o menor significado referencial”: visto que a função pragmático-discursiva de indicar a referência a partir da concordância no predicativo tenderia a se perder.

3.2 – A metodologia variacionista e o corpus utilizado

Pressupostos variacionistas

(1968), há uma mudança em relação à concepção de língua e, mais especificamente no que se refere ao objeto de estudo da Lingüística. Parte-se da percepção de que todas as línguas humanas são inerentemente dinâmicas e sujeitas à mudança, o que implica considerar que todas elas se caracterizam pela heterogeneidade.

De maneira ampla, pode-se definir a Sociolingüística como uma ciência que investiga a língua em uso em uma determinada comunidade de fala, levando em conta a correlação entre aspectos lingüísticos e sociais.

É possível dizer, ainda, que a investigação sociolingüística focaliza essa heterogeneidade no sistema lingüístico, uma vez que tem como objeto de estudo o fenômeno da variação. Em outras palavras, focaliza a existência de formas variantes que se equivalem semanticamente no nível do vocabulário, da sintaxe ou morfossintaxe, do subsistema fonético-fonológico ou no domínio pragmático-discursivo (Mollica & Braga, 2003). O pressuposto básico para tais estudos é o de que a heterogeneidade lingüística não é aleatória, mas governada por um conjunto de regras. Nesse sentido, cabe à Sociolingüística o papel de (1) investigar o grau de estabilidade ou mutabilidade do fenômeno variável, (2) diagnosticar as circunstâncias que promovem ou inibem os usos alternativos, e (3) prever o comportamento sistemático e regular da variação. Para tanto, há de se considerar, na análise lingüística, a inter-relação entre fatores internos e externos ao sistema.

Em concordância com os pressupostos básicos da Teoria da Variação, foram desenvolvidos modelos matemáticos que permitem o tratamento estatístico dos dados lingüísticos, no sentido de determinar os fatores mais importantes na análise da variação. Atualmente, utiliza-se o modelo logístico (Rousseau & Sankoff, 1978), que permite calcular os pesos relativos de cada fator em relação à variável dependente, possibilitando a investigação do papel de cada restrição sobre o fenômeno variável.

Para a aplicação desse modelo matemático, foi utilizado o programa computacional Goldvarb 2001 (pacote de programas VARBRUL para ambiente Windows), composto por dois arquivos, um executável – o programa propriamente dito – e um de texto. Esse

programa executa as mesmas funções do Checktok, Readtok, Makecel (ou Make3000), Ivarb e Crosstab. São elas: (1) preparar os dados para serem submetidos às análises diversas, (2) produzir resultados percentuais os mais diversos, incluindo a preparação dos dados para a análise de pesos relativos, (3) projetar pesos relativos para análises binárias e (4) efetuar a tabulação cruzada de duas variáveis independentes, previamente estabelecidas.

Um dos aspectos mais importantes do programa é que ele trabalha com diversos níveis de análises, efetuando comparações sucessivas e progressivas entre as variáveis independentes e projetando pesos relativos para os seus respectivos fatores. Esse método, denominado step up, efetua no nível 1 a comparação de cada uma das variáveis com o

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