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4.1 – As estratégias de concordância de nós e a gente em estruturas predicativas: amostra PEUL

dados de estruturas predicativas com as formas nós e a gente, totalizando 187 ocorrências. Com base na primeira amostra, constituída por entrevistas coletadas na década de 80, localizaram-se 105 dados: 61 deles, com o pronome nós, e 44, com a forma a gente. Tendo em vista segunda amostra, referente a entrevistas efetuadas na década de 2000, foram encontrados, por sua vez, 82 dados de estruturas predicativas. Desse total, observaram-se 40 estruturas com o pronome nós, e 42, com a forma a gente.

Considerando que as duas amostras se encontravam separadas por um espaço de vinte anos, optou-se pela análise da cada década separadamente, visando a um maior rigor metodológico. E, sempre que possível, buscou-se apontar semelhanças e dessemelhanças no comportamento da comunidade no espaço de tempo observado.

A apresentação dos resultados, que ora se segue, é feita em quatro etapas. Primeiramente, apresenta-se, no item 4.1.1, a análise dos diversos padrões de concordância verbal com as formas nós e a gente. Posteriormente, no item 4.1.2, são discutidos os resultados do controle da concordância de gênero e número com as formas pronominais, observando as estratégias mais produtivas e freqüentes. Segue-se, então, a análise do controle do referente tendo em vista a relação existente entre a referência do pronome e a concordância no predicativo. E, por fim, no item 4.1.4, estipula-se uma análise do comportamento da comunidade, no que se refere às estratégias de concordância de gênero e número com as formas pronominais, observando apenas o comportamento das mulheres.

4.1.1 – A concordância verbal

Embora tenhamos levantado apenas dados de estrutura predicativa, foi possível verificar em um total de 86 dados de a gente, 08 ocorrências da concordância com formas verbais na primeira pessoa do plural (P4) e 03 casos de concordância com formas verbais na terceira pessoa do plural (P6), considerando as duas amostras analisadas – Amostra 80

e Amostra 2000. Identificaram-se, como pode ser visto na tabela 1, que a forma nós, mesmo que majoritariamente estabeleça relação de concordância com P4 (87 dados, considerando- se as duas amostras), pode combinar-se com formas verbais no singular (P3 – 5 dados, no total), diferente do que Lopes (1999, 2003) observou nos falantes cultos. Os exemplos abaixo ilustram as cinco estratégias encontradas nas duas amostras:

(03) Nós + P3

“Desde que nós têm quatro filho é casada, né?” (dado 22, M4, 1o grau)

(04) Nós + P4

"... nós somos brasileiros." (dado 41, H4, 1o grau)

(05) A gente + P3

"...a gente é obrigada a fazer recuperação" (dado 193,M2, 2o grau)

(06) A gente + P4

"A gente nunca fomos assaltada, não." (dado 89, M2, 1o grau)

(07) A gente + P6

“...a gente tão se sentindo sufocados, né?” (dado 50, H4, 2o grau)

Tabela n

o

1

Estratégias de concordância verbal com nós e a gente

Confronto entre as décadas de 80 e 2000

Concordância verbal X Pronome P3 P4 P6 Década 80 2000 80 2000 80 2000 Nós 2/56 4% 3/36 8% 54/56 96% 33/36 92% Ø Ø

A gente 36/437 84% 38/42 91% 5/43 11% 3/42 7% 2/43 5% 1/42 2% Tabela 1- Estratégias de concordância verbal com nós e a gente: década de 80 vs. década de 2000.

No que se refere ao traço de pessoa, o estudo de tendências realizado com a variável primeira pessoa do plural em estrutura predicativa demonstra que o comportamento da comunidade manteve certa estabilidade, pois não sofreu alterações abruptas em 20 anos. É possível observar maior produtividade da combinação de a gente com formas verbais na terceira pessoa do singular (P3) – 36 e 38 dados, respectivamente, 84% e 91%, nas Amostras 80 e 2000. Do mesmo modo, com o pronome nós, foi constatada maior produtividade da combinação com formas verbais na primeira pessoa do plural (P4), com uma ligeira predominância da concordância padrão na Amostra de 80 (96%) em oposição aos 92% na década de 2000.

Com relação às estratégias não-padrão, o comportamento da comunidade também mostra relativa estabilidade no período de tempo analisado. A combinação de a gente com verbo em P4, ainda que pouco produtiva, foi observada nos dois corpora: na Amostra 80, localizaram-se 5 dados, enquanto, na Amostra 2000, foram encontrados 3 dados desse tipo de estratégia. Semelhantemente, a combinação do pronome nós com formas verbais em P3 se mostrou igualmente rara nas duas décadas, figurando em números absolutos bastante próximos nas duas amostras: foram encontrados 2 dados, na Amostra 80, e 3 dados, na Amostra 2000. Por fim, a análise das duas décadas parece indicar que a combinação com formas verbais em P6 é exclusivamente feita com a gente, ainda que tal estratégia não se mostre freqüente nas duas amostras analisadas. Foram encontrados 2 dados na Amostra 80 e apenas 1 na Amostra 2000.8

7 Ainda que tenham sido localizadas 44 estruturas predicativas com a gente na década de 80, a análise das

estratégias de concordância verbal só foi efetuada em 43 dados, visto que uma das ocorrências não contava com forma verbal em sua estrutura, como pode ser observado no exemplo a seguir: “... a gente <pai> pensa mais com o coração, não é?” (dado 226, H4, 2º grau).

8 Embora os percentuais de freqüência sejam distintos com a concordância considerada não-padrão para nós

Com base nesses resultados preliminares, pode-se postular que a concordância formal de a gente com verbo em P4 deve-se ao fato de na estrutura conceptual dessa forma gramaticalizada estar inserido necessariamente o “falante + alguém” ou o traço semântico [+EU]. Os oito exemplos localizados na amostra, citados abaixo, referendariam, nesse caso, a hipótese de certo isomorfismo ou correlação entre as propriedades formais e semântico- discursivas da forma a gente, entre os falantes com menor grau de escolaridade:

(08) "A gente sai, sai sempre, ontem mesmo saímo junto." (dado 1, H2, 1o grau) (09) "... que a gente fomos até escondido." (dado 28, H3, 1o grau)

(10) "... a gente fomos vagabundo." (dado 30, H3, 1o grau)

(11) "A gente somos amiga mesmo, sabe?" (dado 102, M1, 1o grau) (12) "... a gente não somos aluno dela... " (dado 105, M1, 1o grau)

(13) “... a gente... o pai dele tinha um botequim... namoramos uns seis meses, casamos e vivemos bem, não é? Apesar de estar separado, não tenho queixa não." (dado 114, F4, 1o grau)

(14) “... a gente somos tão burro. Que que a gente faz com o petróleo aqui?" (dado 205, H3, 1o grau)

Relacionando tais ocorrências ao princípio da decategorização, pode-se dizer que tais dados referendam o caráter pronominal de a gente, uma vez que ilustram uma maior integração ao quadro dos pronomes pessoais. Segundo tal princípio, as formas gramaticalizadas tendem a assumir características da classe destino em função da mudança categorial sofrida (Hopper, 1991; Heine, 2003). Como foi discutido na seção 2.3., os pronomes pessoais autênticos são caracterizados por apresentar correlação entre os traços semânticos e formais de pessoa: eu [+EU, +eu]; nós [+EU, +eu]; tu [-EU, -eu]; vós [-EU, -eu].

Dessa forma, a combinação de a gente com formas verbais na 1ª pessoa do plural ilustraria a mesma correlação verificada entre os pronomes, visto que, em exemplos como

“a gente fomos”, “a gente somos”, tem-se o traço semântico [+EU] associado ao traço formal [+eu].

Já a concordância do pronome nós com verbo em P3, além de menos produtiva (apenas 05 ocorrências, considerando-se as duas amostras) parece ter sido motivada pelas construções escolhidas pelos falantes. São casos em que há posposição de sujeito em (15), pausa entre o pronome sujeito e o verbo, como pode ser visto em (16) ou presença de quantificadores universais (exemplo 17): possíveis responsáveis pela não-concordância.

(15) “... ia nós dois, mas agora a grana nem dá” (dado 86, M4, 1o grau)

(16) “ ... (nós) não pudemos saltar porque...que era obrigado a tomar injeção para poder saltar” (dado 211, H4, 1o grau)

(17) “Porque nós é tudo vizinho.”(dado 26, M4, 1o grau)

Nas outras 02 ocorrências ilustradas em (18) e (19), a combinação de nós com P3 parece ter sido determinada exclusivamente pela intercambialidade existente entre as formas nós e a gente:

(18) “Desde que nós têm quatro filho é casada, né?” (dado 22, M4, 1o grau) (19) “Então todos nós lá trabalhava...” (dado 217, H4, 1o grau)

Apesar do pequeno número de dados, é interessante observar a possibilidade de concordância da forma a gente com verbos na 3a pessoa do plural (P6), aparentemente

motivada pela pluralidade semântica inerente a tal forma pronominal.

(20) “...a gente tão se sentindo sufocados, né?” (dado 50, H4, 2o grau)

Tais dados poderiam ser relacionados ao que prevê o princípio da persistência semântica, discutido em Hopper (1991), a partir do qual se postula que as formas gramaticalizadas tendem a manter alguns traços semânticos da forma-fonte. Nesse sentido, talvez o a gente pronominal mantenha do substantivo coletivo gente a idéia de um grupamento de seres humanos no qual se incluiriam “várias pessoas”, o que poderia explicar a possibilidade de concordância, ainda que pouco produtiva, com o plural.

Empiricamente, constatou-se que:

a) Há a possibilidade de 5 estratégias diferentes de concordância no que se refere à pessoa formal (nós + P4, nós + P3, a gente + P3, a gente + P4, a gente + P6), embora prevaleça a combinação de a gente com verbo em P3 (a gente vai) e de nós com verbo em P4 (nós vamos).

4.1.2 – A presença dos traços de gênero e número nos adjetivos predicativos

Conforme foi discutido na seção 2.3, com a entrada no sistema pronominal da forma gramaticalizada a gente, a especificação positiva de gênero formal [+fem] do substantivo coletivo gente teria se perdido, tornando-se [φfem]. Entretanto, no que diz respeito à interpretação semântica, a forma a gente pronominalizada passaria a ser semanticamente subespecificada [α FEM], tendo certa relação com o traço formal presente

em predicativos. Em outras palavras, a forma gramaticalizada passou a combinar-se com adjetivos no masculino e/ou feminino a depender do gênero do referente (a gente está animado/animada), à semelhança do que ocorre entre os pronomes pessoais autênticos.

Em Lopes (1999), como vimos, estabeleceu-se um controle da combinação de a gente e nós com estruturas predicativas com base em um corpus de falantes cultos. Foram localizados apenas dois padrões de concordância de a gente, dependendo do sexo do referente: masculino-singular e/ou feminino-singular. A concordância no plural só foi verificada com o pronome nós, havendo também variação de gênero: feminino-plural e/ou masculino-plural.

Entre falantes com menor escolaridade – basicamente 1o e 2o graus –, embora

predomine o singular com a gente e o plural com o pronome nós, além da variação de gênero, é possível verificar outras possibilidades de concordância, principalmente no masculino, como poderá ser visto na tabela 2. Vejamos os exemplos das 4 estratégias encontradas considerando-se a totalidade dos dados nos dois corpora – Amostra 80 e Amostra 2000:

a) Com a forma a gente: (22) FEM-SG

“que a gente não sabe... fica atordoada sem saber o que fazer”.(dado 49, M4, 1o grau)

(23) FEM-PL

(24) MASC-SG

“A gente fica irritado” (dado 27, H3, 1o grau)

(25) MASC-PL

“a gente... entrava as três juntos”. (dado 57, F2, 1º grau)

b) Com a forma nós: (26) FEM-SG

“que nós somos uma amiga mesmo, sabe?” (dado 182, M2, 1o grau)

(27) FEM-PL

“até andávamos juntas?” (dado 58, M2, 1o grau)

(28) MASC-SG

“ nós que tamos vivo, tamo sujeito a tudo ?” (dado 20, H4, 1o grau)

(29) MASC-PL

“nós távamos perdidos. ?” (dado 42, H4, 1o grau)

Tabela n

o

2

Estratégias de concordância de gênero e número com nós e a gente

Confronto entre as décadas de 80 e 2000

Formas pronominais/ Estratégias de concordância FEM SG FEM PL MASC SG MASC PL

IV. Década 80 2000 80 2000 80 2000 80 2000 Nós 1/61 2% 1/40 2% 7/61 11% 4/40 10% 25/61 41% 9/40 23% 28/61 46% 26/40 65% A gent e 18/44 41% 3/42 7% Ø 1/42 2% 26/44 59% 36/42 86% Ø 2/42 5% TOTAL 19/187 10% 4/187 2% 7/187 4% 5/187 3% 51/187 27% 45/187 24% 28/187 15% 28/187 15% Tabela 2- Estratégias de concordância de gênero e número com nós e a gente: todos os dados reunidos. Década de 80 vs. Década de 2000.

De maneira geral, na análise das duas décadas, verifica-se um comportamento semelhante na comunidade, uma vez que os resultados aferidos nas duas amostras equivalem-se à primeira vista. É possível observar que há maior freqüência da concordância no masculino-plural com a forma nós – 28 dados (46%), na Amostra 80, e 26 dados (65%), na Amostra 2000. Com a forma a gente, por sua vez, nota-se um uso mais relevante do masculino-singular – 26 dados (59%), na Amostra 80, e 36 dados (86%), na Amostra 2000. Tais resultados podem ser compreendidos haja vista o caráter mais específico do pronome nós e mais genérico da forma a gente.

É importante ressaltar ainda que, diferentemente do encontrado entre os falantes cultos, constata-se um uso significativo do masculino-singular combinando-se com o pronome nós, principalmente na década de 80 (41% - 25 dados). Os exemplos abaixo ilustram tal uso:

(30) “Então, nós é que vamos ser prejudicado” (dado 170, H3, 1o grau)

(31) “... ficamo preso no quarto com a arma na cabeça do meu filho” (dado 48, M3, 1o grau)

Diferentemente, na década de 2000, constata-se uma queda na produtividade desse tipo de estratégia. Em toda a amostra, são encontrados apenas 9 dados desse tipo de estrutura (23%) contra 26 dados da combinação de nós com o masculino-plural (65%), o que poderia evidenciar uma mudança de comportamento na comunidade, na passagem dos anos 80 a 2000.

Com a gente, ainda que haja um grande incremento na produtividade masculino- singular na passagem de uma década à outra – 26 dados (59%), na Amostra 80, e 36 dados (86%), na Amostra 2000, – o que chama mais atenção na comparação das duas amostras diz respeito à diminuição no uso do feminino-singular combinado à forma pronominal. Na análise da década de 80, foram localizadas 18 ocorrências desse tipo de estrutura (41%), ao passo que, em 2000, esse uso cai substancialmente, sendo registrados apenas 3 casos da combinação de a gente com o feminino-singular (7%).

Ainda que seja precipitado qualquer tipo de ilação, haja vista o número restrito de dados em cada uma das amostras analisadas, a comparação das duas décadas parece indicar uma mudança em curso no espaço de 20 anos. Com o pronome nós, observa-se a diminuição no emprego do masculino-singular em estrutura predicativa na passagem de uma década à outra, havendo a preferência pelo uso de estruturas no masculino-plural nos anos 2000. Ao que parece, tal comportamento estaria sendo motivado pelo caráter mais específico da forma conservadora.

Com a forma a gente, o comportamento é outro. Ainda que o singular seja mais produtivo nas duas décadas em análise, dado o caráter mais genérico da forma, observa-se o incremento das estruturas no masculino, ao passo que se constata queda no uso do feminino-singular.

Tal comportamento da comunidade poderia estar evidenciando a perda do caráter referencial do adjetivo em estruturas predicativas com a gente. Nesse sentido, especula-se

a possibilidade de um novo estágio na gramaticalização da forma, no qual a função pragmático-discursiva da concordância no predicativo tenderia a se perder, diferentemente do que ocorre entre os pronomes autênticos.

4.1.3 – O controle do referente vs. estratégias de concordância: manutenção ou perda do caráter referencial do adjetivo?

A partir das constatações supracitadas, resta-nos explicitar que fatores estariam determinando tais escolhas, uma vez que entre os homens é categórico o uso do masculino,

com variação de número, ao passo que é entre as mulheres que se verifica a possibilidade de variação, como ilustra a tabela 3 que dá um panorama amplo da amostra:

Tabela n

o

3

Estratégias de concordância de gênero e número em função do sexo do entrevistado

Gênero x Estratégias de

concordância

FEM

SG FEMPL MASCSG MASCPL

Homen s Ø Ø 72/10370% 31/10330% Mulheres 23/84 27% 12/84 14% 24/84 29% 25/84 30% TOTAL 23/187 12% 12/187 7% 96/187 51% 56/187 30% Tabela 3- Estratégias de concordância de gênero e número em função do sexo. Amostra 80 e Amostra 2000 – todos os dados.

Um dos fatores que pode elucidar a questão é o controle do referente, que foi dividido em 4 tipos, adotando-se a proposta discutida em Lopes (1999, 2003) e descrita detalhadamente no capítulo 3:

a) Referência genérica/abstrata

b) Referente misto, incluindo homens e mulheres c) Mulheres (exclusivo)

d) Homens (exclusivo)

As tabelas 4 e 5 sintetizam os resultados absolutos9 da correlação do controle do

referente com as estratégias de concordância utilizadas com a gente e nós nas duas amostras analisadas – Amostra 80 e Amostra 2000, apresentadas agora separadamente:

9 Optamos por apresentar nessa tabela apenas os números de ocorrências sem percentuais em função da

Tabela n

o

4

Estratégias de concordância de gênero e número em função do controle do referente: Amostra 80 Referente/estratégias

de concordância FEM- SG FEM- PL MASC- SG MASC- PL

REFERÊNCIA A gente Nós A gente Nós A gente Nós A gente Nós

Homens (exclusivo) Ø Ø Ø Ø 7 10 Ø 5 Mulheres (exclusivo) 8 1 Ø 7 1 Ø Ø Ø Misto 5 Ø Ø Ø 7 11 Ø 18 Genérico 5 Ø Ø Ø 11 4 Ø 5

Tabela 4: Controle do referente x estratégias de concordância: Amostra 80

Tabela n

o

5

Estratégias de concordância de gênero e número em função do controle do referente: Amostra 2000 Referente/estratégias

de concordância FEM- SG FEM- PL MASC- SG MASC- PL

REFERÊNCIA A gente Nós A gente Nós A gente Nós A gente Nós

Homens (exclusivo) Ø Ø Ø Ø 13 2 Ø 5 Mulheres (exclusivo) 2 Ø 1 4 Ø Ø 1 Ø Misto Ø 1 Ø Ø 15 4 Ø 16 Genérico 1 Ø Ø Ø 8 3 1 5

Tabela 5: Controle do referente x estratégias de concordância: Amostra 2000.

A comparação das duas tabelas parece demonstrar, em princípio, um comportamento semelhante da comunidade, no intervalo de tempo considerado – vinte anos. Nos dois corpora analisados, é possível observar que, quando o referente é homens- exclusivo, não há variação de gênero, só de número. Nas duas décadas, observa-se que, com a gente, o singular é categórico. Diferentemente, com o pronome nós, há variação de

número: na Amostra 80, observa-se maior presença de masculino-singular e, na Amostra 2000, o plural sobrepõe-se como estratégia mais produtiva.

Quando o referente é mulheres-exclusivo, há maior produtividade das estratégias no feminino nas duas amostras. Com a gente, prevalece o uso do singular, ao passo que, com nós, o plural é mais produtivo. Quando o referente é misto ou genérico, contata-se maior produtividade das estratégias no masculino, havendo, de maneira geral, preferência pela combinação de a gente no singular e de nós no plural, no intervalo de tempo analisado.

A maior diferença entre as duas amostras – Amostra 80 e Amostra 2000 – parece estar no uso do masculino-singular combinando-se com nós. Na década de 80, observa-se uma maior produtividade desse tipo de estratégia, chegando a suplantar o uso do masculino-plural, quando o referente é homens-exclusivo (10 dados), como pode ser observado na tabela 4. Na década de 2000, diferentemente, constata-se o decréscimo desse tipo de estratégia. Como pode ser observado na tabela 5, quando o referente é misto, genérico ou um grupo exclusivamente composto por homens, ainda que seja possível a variação de número, a combinação de nós com o masculino-plural mostra-se sempre mais produtiva, o que poderia evidenciar uma mudança de comportamento da comunidade, no espaço de 20 anos.

Em função do número restrito de dados e da pouca diferença encontrada entre os dois corpora no estudo de tendências, optou-se pela análise da totalidade dos dados, levando-se em conta as duas amostras em conjunto. A tabela abaixo sintetiza os resultados encontrados:

Tabela n

o

6

Estratégias de concordância de gênero e número em função do controle do referente: Amostra 80 e Amostra 2000

Referente/estratégi

as de concordância FEM- SG FEM- PL MASC- SG MASC- PL

Homens (exclusivo) Ø Ø Ø Ø 100%20/20 12/2255% Ø 10/2245% Mulheres (exclusivo) 10/1376% 1/12 8% 1/13 8% 11/12 92% 1/13 8% Ø 1/13 8% Ø Misto 5/27 19% 1/50 2% Ø Ø 22/27 81% 15/50 30% Ø 34/50 68% Genérico 6/26 23% Ø Ø Ø 19/26 73% 7/17 41% 1/26 4% 10/17 59% Tabela 6: Controle do referente x estratégias de concordância: todos os dados juntos. Amostra 80 e Amostra 2000.

Quando o referente é homens-exclusivo, nota-se que as estruturas predicativas não variaram quanto ao gênero, somente com relação ao número. Com a gente o singular é categórico, talvez por designar mais comumente um todo abstrato e genérico. Os resultados obtidos confirmam a hipótese de ser a referência conceptual de a gente uma massa indeterminada de pessoas disseminada na coletividade – com o “eu” necessariamente incluído. Sendo assim, o a gente pronominal acarreta mais freqüentemente a combinação com o singular e não com o plural.

Tal resultado pode ser relacionado ao princípio da persistência, discutido em Hopper (1991), a partir do qual é previsto que formas gramaticalizadas tendem a manter traços semânticos primitivos da forma-fonte. Assim, ainda que o a gente pronominal pressuponha “o falante + alguém”, mantém um valor coletivo herdado do nome gente, o que explicaria a maior produtividade da combinação com o singular.

Com o pronome nós, entretanto, diferentemente do que foi identificado entre os falantes cultos, ocorre tanto o singular quanto o plural. É interessante observar a alta produtividade das estratégias no masculino-singular (55%) combinando-se com a forma nós, entre falantes com menor nível de escolaridade. Todos os dados encontrados, reproduzidos a seguir, são relativos a falantes do antigo 1o grau ou ensino fundamental

(concluído ou não), o que demonstra haver uma íntima relação entre o nível de escolaridade do falante e a tendência a não-concordância.

(33) “aí ficamos parado, frustrado...” (dado 43, H4, 1o grau)

(34) “Saímos junto, eu já disse, não é?” (dado 166, H2, 1o grau)

(35) “Nós, os jogadores, somos preso sob contrato...” (dado 172, H4, 1o grau)

(36) “E nós fomos jogar prevenido!” (dado 174, H4, 1o grau)

(37) “Não pudemos saltar porque...que era obrigado a tomar injeção para poder saltar...” (dado 211, H4, 1o grau)

(38) “Fomos tudo orientado assim, mas tudo sigilosamente, não é?” (dado 212, H4,

1o grau)

(39) “Ficamos muito amigo e tal...” (dado 213, H4, 1o grau)

(40) “Nós fomos muito amigo. Então, a gente formamos um trio.” (dado 214, H4, 1o

grau)

No caso do referente mulheres-exclusivo, verificou-se que com a gente há o predomínio do feminino-singular (76%), ao passo que com o pronome nós prevalece o feminino-plural (92%). Localizou-se apenas um exemplo no masculino-singular e um no masculino-plural, em ambos os casos combinando-se à forma a gente. É importante ressaltar, que as duas ocorrências mencionadas não representam estruturas predicativas canônicas. Em (41), a forma junto pode assumir um valor adverbial neutro, em lugar do valor adjetival que caracteriza a estrutura predicativa.

(41)“... a gente sempre vinha junto até uma parte do caminho, não é?” (dado 175, M2, 1o grau)

(42) “a gente... entrava as três juntos.” (dado 57, M2, 1o grau)

Quando o referente é misto (incluindo homens e mulheres) ou genérico (grupo indeterminado de pessoas), há o predomínio de estruturas predicativas no masculino devido à sua interpretação neutra. Os resultados mostram-se semelhantes havendo certa distribuição complementar no que se refere ao número:

com a gente predomina o singular (81% referência mista e 73% referência genérica).

com a forma nós prevalece o plural (68% referência mista e 59% referência genérica).

Empiricamente, constatou-se que:

a) A concordância com o masculino é categórica quando o referente é [homens- exclusivo], e altamente produtiva quando o referente é [misto] ou [genérico]. b) A concordância com o feminino é mais produtiva quando o referente é [mulheres-exclusivo], prevalecendo a combinação da forma a gente com o singular e do pronome nós com o plural.

c) Com referente [misto] ou [genérico] prevalece o uso de a gente concordando com o masculino-singular e de nós concordando com o masculino-plural.

d) Com referente [misto] prevalece o uso de nós, ao passo que com referente [genérico] o uso de a gente é mais freqüente.

e) Entre homens e mulheres. a concordância com o masculino singular favorece a gente e com o masculino plural favorece nós.

4.1.4 - A variação da concordância de gênero entre as mulheres em um estudo de tendências: a generalização do [masc-sg] com a gente na curta duração

Embora não se possa caracterizar os resultados a seguir como um estudo de tendências stricto sensu, em função da má distribuição da amostra e do número irrisório de

estruturas predicativas identificadas, foram confrontados os dados da década de 80 e os referentes ao início da década de 2000 com informantes diferentes (mulheres) para análise do comportamento da comunidade.

Interessa-nos analisar, principalmente, o comportamento das mulheres porque só elas apresentam variação de gênero, uma vez que podem utilizar a concordância tanto com o feminino quanto com o masculino, como observado na tabela 3. Entre os homens, a concordância com o masculino é categórica. Por essa razão, a título de ilustração,

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